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1.4 A instrumentalidade das oportunidades na explicação dos eventos delitivos

1.4.4 Crimes podem ser evitados reduzindo oportunidades

Se a redução de oportunidades não tivesse efeitos sobre a incidência de crimes, ninguém se preocuparia em tomar algumas precauções rotineiras como, por exemplo, trancar carros ou casas, evitar frequentar certos lugares em determinados horários ou manter dinheiro e outros bens de valor em locais seguros. Em verdade, isso é o que fazemos diariamente e o fazemos porque acreditamos que essas atitudes podem diminuir o risco de sermos feitos vítimas da criminalidade. No âmbito da esfera pública, as ações para reduzir as oportunidades criminais devem ser realizadas fundamentalmente pela polícia, chanceladas pelo governo ou por outras instâncias públicas.

Dentre os métodos descritos pela literatura especializada que têm se mostrado eficazes na dissolução dos contextos de oportunidade para o crime, destacam-se o planejamento urbano (arquitetura defensável, CPTED) e algumas práticas públicas securitárias de prevenção situacional do crime (WEISBURD, 2018a; 2018b; WILCOX et al., 2018; FELSON; ECKERT, 2018; BRANTINGHAM; BRANTINGHAM, 2017). Cada um desses métodos sustentam a diminuição da frequência do crime a partir da intervenção sobre seus contextos de oportunidade. A despeito do tipo de especificidade técnica que se pressupõe no tratamento de cada crime

(como vimos anteriormente), três objetivos comuns podem ser apreendidos em cada método, quais sejam, I) aumentar o esforço percebido do crime (por exemplo, a presença de policiais em locais reconhecidos como pontos de venda de drogas conduz os traficantes a outras regiões; o deslocamento aumenta o esforço para o cometimento do crime); II) aumentar a percepção dos riscos (a presença de policiais configura um risco elevado para os traficantes); e III) reduzir as recompensas antecipadas (dispersar consumidores e usuários dos pontos de venda reconhecidos serve à redução das recompensas dos traficantes). Estes objetivos refletem a potencialidade dos contextos de oportunidade para a redução no número de crimes.

Neste capítulo, vimos que as teorias sociológicas sobre o crime podem ser divididas entre aquelas que buscam explicar os aspectos da formação da conduta criminosa e aquelas que buscam explicar as condições de ocorrência dos crimes. A primeira vertente tem sido dominante no desenvolvimento desse campo de pesquisa. Grande parte das pesquisas sobre “crime” e “prevenção do crime” tem se preocupado em responder às seguintes questões: por que certos tipos de pessoas cometem crimes? O que podemos fazer em relação a elas? Entre ouras. O interesse da comunidade acadêmica pela explicação dos crimes (e não da motivação criminosa) é deveras recente. Nessa abordagem as oportunidades ocupam um lugar central (WEISBURD, 2018b).

Frequentemente, as “teorias do crime e dos criminosos” são vistas como explicações contraditórias. Acreditamos ser útil reforçar a ideia de que ambas as perspectivas teóricas são complementares. Alguns indivíduos podem se sentir extremamente motivados, mas, como dissemos anteriormente, a menos que cometam um crime, não há nada para explicar. Da mesma forma, a ocorrência do crime deve, de alguma maneira, incluir uma explicação sobre o infrator. As teorias sobre a formação da conduta criminosa podem sugerir estratégias preventivas que se concentram naqueles indivíduos que provavelmente se tornarão criminosos altamente violentos, ou em infratores reincidentes que cometem crimes menos ofensivos. No entanto, até hoje, as teorias sobre o desenvolvimento da conduta criminosa não fornecem uma base sólida para fazer tais previsões, e ainda há pouco consenso sobre como tal teoria seria no futuro.

Mesmo se entendêssemos mais do que entendemos hoje sobre o processo de formação da conduta criminosa, ainda não nos restaria esclarecido se todos ou mesmo se a maioria dos infratores poderiam ser impedidos de se envolver com o crime (pressupondo que o debate “herdado versus adquirido” estivesse superado). Portanto, mesmo que dispuséssemos de uma boa explicação para o desenvolvimento da conduta criminosa, ainda precisaríamos de uma boa explicação para a ocorrência dos eventos delitivos. Demandaríamos uma teoria que pudesse

responder questões como: por que certos alvos são selecionados pelos infratores? Por que alguns alvos têm propriedades repelentes? Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos criminosos e o que eles fazem para superá-las? Que condições contribuem para a probabilidade de ocorrência de crimes em lugares específicos?

Muito embora uma teoria abrangente sobre as ocorrências criminais que forneça respostas precisas a todas essas questões esteja em um futuro não tão próximo (mas também não muito distante), existe um considerável consenso entre sociólogos e criminologistas sobre como essa teoria deve ser. Além disso, há evidências crescentes de que as estratégias preventivas podem ter um impacto dramático e imediato sobre determinados tipos de crime. Perspectivas recentes na teoria criminológica fornecem recursos para uma “teoria das oportunidades criminais”. Os princípios básicos das teorias da escolha racional e das atividades rotineiras se aplicam consistentemente em uma série de estudos sobre a oportunidade para o crime. A aplicação desses princípios à prevenção do crime tem sido associada à descrição do fenômeno da mobilidade criminal. Este, por sua vez, pressupõe a explicação de padrões inscritos em determinadas práticas criminosas e contextos, notadamente, os contextos de oportunidade.

Como discutido ao longo deste capítulo, na medida em que as ocorrências criminais pressupõem oportunidades, a despeito do tipo de crime ou da especificidade que define o evento delitivo, estão condicionadas aos recortes espaço-temporais e às dinâmicas cotidianas fundamentalmente, tendo sua regulação impactos diretos sobre as configurações da criminalidade em nível local. Reconhecemos que os pressupostos analisados não dão margem para uma suposição de causalidade entre os contextos de oportunidade e a ocorrência de crimes (tal como reiterado pelo senso comum no ditado “a oportunidade faz o ladrão”). A ênfase atribuída aos aspectos de ordem individual e situacional não dirime ou sobrepõe outros fatores que se intercalam na definição dos crimes ou dos criminosos.

Entendemos que a oportunidade não “faz” o criminoso, ela o “revela”, pois “a condição de ser criminoso” é anterior à oportunidade. Tão reducionista (e equivocado) quanto o argumento que justifica o crime enquanto produto da pobreza seria o argumento que reconhece a oportunidade como causa do crime (WEISBURD, 2018). O entendimento de que oportunidade serve como um “catalisador” do crime compreende uma visão alternativa da análise situacional. Esta perspectiva pode ser assegurada pelas descobertas de pesquisas recentes desenvolvidas no âmbito da criminologia ambiental.

Em síntese, uma vez reconhecido o marco teórico que sustenta o nosso plano de pesquisa, devemos, por ora, melhor definir a “mobilidade criminal”. No capítulo seguinte,

descreveremos o processo de consolidação do conceito na análise criminológica e revisitaremos os principais estudos em torno da temática a fim de obter uma descrição pormenorizada do fenômeno analisado. O que também pretendemos com esta revisão é verificar as conclusões mais recorrentes desses estudos para melhor delimitarmos as hipóteses de trabalho da pesquisa. Assim, alçamos a possibilidade de realizarmos um estudo a fim de compreendermos a dinâmica espacial do crime na cidade de Maceió (AL).