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CAPÍTULO 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.2 Homicídios dolosos

4.2.2 Distribuição espacial dos homicídios

A Tabela 22 reúne os resultados das correlações entre o número de homicídios e o Índice de Características do Entorno dos Domicílios atualizado para os anos de 2015, 2016 e 2017.

Tabela 22 - Correlação entre número de homicídios e ICED (2015-2017)

N p ICED (2015) ICED (2016) ICED (2017) Homicídios (2015) 474 0,048 0,166 - - Homicídios (2016) 418 0,032 - 0,157 - Homicídios (2017) 551 0,021 - - 0,283

Fonte: elaborado pelo autor com base em dados da PC/AL, PM/AL e SERIS/AL.

As correlações demonstraram-se estatisticamente significantes ao nível de 5% (p ≤ 0,05). Ambos os coeficientes indicam uma associação positiva fraca entre o Índice de Características do Entorno dos Domicílios e o número de ocorrências de homicídio doloso. Em outros termos, a relação entre os componentes infraestruturais dos bairros e o número de ocorrências de homicídio nesses mesmos bairros é uma relação direta (muito embora fraca), de modo que uma melhoria naqueles componentes está associada a um aumento desse tipo de ocorrência. Este dado merece ser problematizado: tradicionalmente, os estudos que analisam a relação entre os componentes infraestruturais da malha urbana e incidência de homicídios atestam uma associação negativa entre a frequência dessas ocorrências e os indicadores de

avaliação da infraestrutura urbana, de modo que uma melhoria nesses indicadores estaria em alguma medida relacionada a uma queda no número de homicídios.

Nas cidades brasileiras as regiões que concentram uma alta incidência de homicídios são predominantemente as regiões periféricas, localidades que reúnem condições infraestruturais e de vida precárias (BEATO, 2012). Contudo, o que se observa no caso maceioense é uma relação positiva entre o ICED e o número de homicídios, sugerindo que a concentração dos homicídios é maior nas regiões cujas condições infraestruturais são mais bem avaliadas. Considerando o tipo e o sentido da relação, uma explicação para esse dado está relacionada à influência dos outliers. Um número reduzido de bairros concentra um número elevado de ocorrências de homicídio e tendo em vista que o ICED é estimado progressivamente, a correlação entre o indicador e o número de homicídios nesses bairros resulta positiva e moderada, repercutindo diretamente no coeficiente geral de correlação.

Esse mesmo dado também pode ser explicado a partir da unidade espacial utilizada na correlação, qual seja, a de bairros. Tanto o Índice de Características do Entorno dos Domicílios quanto o número de homicídios são considerados como um todo homogêneo a despeito das discrepâncias que imperam no interior de cada bairro, sobretudo nos de maior extensão territorial. É possível que uma estimativa da correlação entre o número de ocorrências de homicídios e o ICED em nível de setor censitário resulte num dado mais objetivo, cuja tendência reflita aquela descrita pela literatura especializada. Não queremos diminuir a importância dos resultados obtidos, mas propor uma alternativa na interpretação da correlação. Neste estudo, por não dispormos de dados sobre os componentes do ICED na unidade de setor censitário, conduzimos a correlação em nível de bairro.

Não temos a expectativa de observar uma alta incidência de homicídios nos bairros cujas características infraestruturais se mostram bem avaliadas, de modo que sustentamos a hipótese de que esses crimes se concentram preponderantemente nas periferias. Mas acreditamos que os resultados da correlação entre o Índice de Características do Entorno dos Domicílios e o número de homicídios sejam indicativos da serventia dos componentes urbanísticos para esse tipo de crime. Land (2018) e Groff e Lockwood (2014) reconheceram o caráter criminógeno das instalações urbanas quando verificaram relações positivas significativas entre obras de mobilidade (criação de corredores viários e ampliação das linhas de metrô) e as taxas de homicídio em distritos de algumas cidades americanas. É possível que, em Maceió, relações dessa natureza também possam ser apreendidas.

A Figura 20 representa o mapa da distribuição espacial das ocorrências de homicídio doloso na cidade de Maceió por bairros ao longo do triênio 2015-2017.

Figura 20 - Mapa da distribuição das ocorrências de homicídio doloso por bairro (2015-2017)

Fonte: elaborado pelo autor com base em dados da PC/AL, PM/AL e SERIS/AL.

Três bairros concentraram 1/3 dos homicídios dolosos ocorridos em Maceió entre os anos de 2015 e 2017, a saber, Cidade Universitária, Benedito Bentes e Jacintinho. O bairro de Benedito Bentes assume a primeira posição no ranking dos bairros mais violentos, registrando 159 casos de homicídio ao longo do triênio. Somente no ano de 2017 foram notificados nesse bairro 67 ocorrências de homicídio doloso. Esse número corresponde a uma taxa de 76,1 homicídios por 100 mil habitantes. O bairro de Jacintinho ocupa o segundo lugar no ranking dos bairros mais violentos, registrando 149 casos de homicídio no triênio, seguido da Cidade Universitária, com 141 casos notificados no mesmo período.

Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2019), esses três bairros possuem um IDH considerado baixo, o que significa que nessas localidades os componentes renda, escolaridade e expectativa de vida ao nascer são avaliados como precários. Ambos os bairros são de alta densidade populacional e nos casos de Benedito Bentes e Cidade Universitária, são também bairros de grande extensão territorial. Benedito Bentes e Jacintinho abrigam a maior parte das grotas da cidade de Maceió. “Grotas” são um tipo de aglomerado subnormal caracterizado pela disposição desordenada de habitações irregulares em encostas e vales. Tratam-se de comunidades caracterizadas pelas condições de vulnerabilidade social e que reservam, no caso maceioense, um histórico marcado pela criminalidade (GOMES, 2018). Localizam-se no bairro de Benedito Bentes as grotas da Alegria, Givaldo Carimbão (ou grota do Carimbo), do Gino, da Paz, da Princesa, do Frei Damião e da Caveira. No Jacintinho, encontram-se as grotas do Vale do Reginaldo (esta também se estende por partes dos bairros do Feitosa e do Farol), do Pau D’Arco, do Cigano e do Rafael.

Por outro lado, entre os bairros com a menor incidência de homicídios destacam-se o de Pescaria, Garça Torta e Santo Amaro, nos quais foram registradas até quatro ocorrências em todo o triênio. Esses bairros têm em comum o fato de serem bairros de pequena extensão territorial e de baixa densidade populacional. Alguns, como Santo Amaro e Garça Torta, também abrigam grotas (grota do Santo Amaro e grota do Andrajo, respectivamente), porém a frequência de homicídios nessas comunidades é muito baixa. Nas Figuras 21, 22 e 23, encontram-se representados, respectivamente, os mapas da distribuição das ocorrências de homicídio doloso por bairro nos anos de 2015, 2016 e 2017.

Figura 21 - Mapa da distribuição das ocorrências de homicídio doloso por bairro (2015)

Figura 22 - Mapa da distribuição das ocorrências de homicídio doloso por bairro (2016)

Figura 23 - Mapa da distribuição das ocorrências de homicídio doloso por bairro (2017)

Fonte: elaborado pelo autor com base em dados da PC/AL, PM/AL e SERIS/AL.

Podemos visualizar variações na concentração das ocorrências de homicídio doloso nos bairros de Maceió ao longo do triênio, sugerindo a possibilidade de que houve mobilidade criminal. Mas ao mesmo tempo podemos observar uma “estabilidade” reativa na alta concentração dessas ocorrências em alguns bairros da cidade, notadamente, Benedito Bentes, Cidade Universitária e Jacintinho.

Com exceção de Cidade Universitária, que apresentou uma queda de 6% de 2015 para 2017, há nesses bairros um aumento considerável nas ocorrências de homicídio doloso, sendo esse aumento mais expressivo em Benedito Bentes, de cerca de 31%. No bairro de Jacintinho esse aumento foi de 3,6%. O bairro de Santos Dumont é aquele que apresenta a maior variação percentual do triênio: aumento de 200%. O número de homicídios nesse bairro basicamente

triplicou entre os anos de 2015 e 2017. Outros bairros também apresentam um aumento notório das ocorrências de homicídio ao longo do período analisado, com destaque para Tabuleiro do Martins (aumento de 54,2%) e Clima Bom (21,2%) na parte alta da cidade e Vergel do Lago (100%) e Levada (64,3%) na parte baixa. Na Tabela 23 descrevemos o ranking dos 10 bairros maceioenses com o maior número de homicídios registrados entre os anos de 2015 e 2017. Reiteramos que os números expostos dizem respeito aos registros “selecionados” para este estudo.

Tabela 23 - Ranking dos dez bairros com maior número de registros de homicídio doloso (2015-2017)

Bairro N Posição ∆% Benedito Bentes 159 1º + 31,4 Jacintinho 149 2º + 3,6 Cidade Universitária 141 3º - 6,0 Clima Bom 105 4º + 21,2 Tabuleiro do Martins 92 5º + 54,2 Vergel do Lago 66 6º + 100,0 Santa Lúcia 50 7º - 5,6 Trapiche da Barra 47 8º + 33,3 Levada 45 9º + 64,3 Chã da Jaqueira 38 10º - 23,1

Fonte: elaborado pelo autor com base em dados da PC/AL, PM/AL e SERIS/AL.

É de se notar que seis dos dez bairros maceioenses com o maior número de homicídios são também bairros que concentram um grande número de roubos. São eles: Benedito Bentes, Cidade Universitária, Jacintinho, Tabuleiro do Martins, Clima Bom e Santa Lúcia. Juntos esses bairros respondem por 48,2% dos homicídios dolosos e 36,9% dos roubos a transeunte ocorridos na capital alagoana entre os anos de 2015 e 2017. Reconhecemos a necessidade de estudos que reservem uma análise aprofundada da ancestralidade desses bairros a fim de melhor compreendermos os fatores que contribuíram (ou que contribuem) para a alta incidência de crimes nessas localidades.

Tal como os casos de roubo a transeunte, as ocorrências de homicídio não se encontram dispostas uniformemente no interior desses bairros. Elas se concentram em horários e localidades específicas, precipitadas por fatores que buscamos compreender e explicar neste

estudo. No subtópico seguinte analisamos a dinâmica espaço-temporal intraurbana das ocorrências de homicídio doloso na cidade de Maceió sobre dados do triênio 2015-2017.