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Uma perspetiva sobre a prospetiva da Zona Euro.

4. A crise das Dívidas Soberanas e as falhas estruturais da Zona Euro

A recente crise das Dívidas Soberanas na Zona Euro (Angeloni et. al, 2012) e os eventos subsequentes têm patenteado de forma profusa que as referidas condições não existiam de facto na altura da criação da moeda única, tendo demonstrado também que desde 1999 não foram dados passos significativos para que viessem a ser obtidas. Foram esquecidas as advertências de vários autores que tinham alertado desde o início para o facto de a UEM europeia não dispor de bases sólidas (como por exemplo Bayoumi & Eichengreen, 1997).

Como referimos, a coordenação das políticas económicas no domínio monetário e orçamental numa UEM tem revelado bastante interesse no plano teórico, não obstante as soluções políticas definidas nem sempre terem reconhecido a efetiva relevância da questão. Na realidade, é agora amplamente reconhecido que o Euro alterou o contexto em que as políticas económicas nacionais passaram a ser exercidas, tendo correspondido à perda dos instrumentos monetário e cambial, sem que tivessem sido avaliados meios alternativos que pudessem suprir tal perda.

O agudizar da crise e as situações de instabilidade financeira ligadas à penalização que os mercados têm colocado sobre algumas economias da Zona Euro, tornou notada a ausência de liderança da governança desta e de um aparelho institucional que concedesse credibilidade a alguns dispositivos que foram desenvolvidos, em especial ao nível da coordenação das políticas orçamentais e da proteção dos contribuintes. De facto, conforme com a designada “trindade impossível” de Pisani- Ferry (2012), num mercado globalizado como o financeiro não é possível conciliar, em simultâneo, os seguintes aspetos: ausência de coresponsabilidade da Zona Euro sobre a Dívida Pública dos membros, manutenção da regra do financiamento não-monetário dos défices públicos e sistemas bancários nacionais sem supervisão central. Desta impossibilidade resultou o alastramento dos efeitos, o que concorreu para que a crise adquirisse posteriormente facetas não expetáveis, como a forte quebra dos índices de confiança dos agentes que ameaçou a integridade da zona Euro5.

Não obstante as contrariedades registadas durante a recente crise, os argumentos sobre este modelo de integração monetária que se foi desenvolvendo, têm permitido equacionar algumas soluções técnicas para garantir a viabilidade do Euro, embora raramente tenham existido condições políticas para realizar algumas soluções propostas. Porém, os eventos em redor da crise recolocaram na agenda de prioridades das instituições comunitárias a procura de soluções que garantam a continuidade da integração monetária, enquanto cada vez mais vozes se erguem a considerar que esta união monetária é inviável.

Em termos gerais, dois aspetos são apontados como tendo estado na base das repercussões da crise económica e financeira na Zona Euro, os quais manifestaram também a incapacidade de lidar com as consequências mais gravosas no contexto da UEM: por um lado, as diferenças/divergências

5 Os sinais de intranquilidade e perda de confiança levaram à subida do chamado “risco de denominação”, o qual

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económicas (políticas e sociais) entre países e, por outro, a forma desajustada como a governança do Euro tem funcionado desde a sua criação. Assim, cremos que reformas prementes terão que ser feitas, em vários domínios e horizontes temporais diferentes, a fim de corrigir aquelas situações.

Em primeiro, o grau de integração do sistema financeiro revelou-se insuficiente e não operou de forma adequada em termos de supervisão bancária e de dispositivos de resolução que atuassem de forma oportuna, o que levou à propagação dos efeitos de contágio das dívidas bancárias e soberanas. Em segundo, não existiu um mecanismo capaz de compensar os países pela ausência de taxa de câmbio e pela fraca integração dos mercados laborais para facilitar a mobilidade, levando à gradual divergência nos custos laborais no seio da Zona Euro com impactos na competitividade dos países. Finalmente, a incapacidade da Zona atuar no plano fiscal para assegurar a sustentabilidade dos seus membros e prover recursos suficientes para uma resolução rápida da crise bancária.

Já antes da criação do Euro, baseados nos ensinamentos proporcionados pela experiência do Sistema Monetário Europeu, tinha sido enfatizado que a existência de países com marcadas diferenças nos modelos económicos e sociais e preferências políticas no plano macroeconómico poderia comprometer a viabilidade da moeda única, caso na sua arquitetura aquelas divergências não fossem tidas em conta. A crise mostrou de forma eloquente que as divergências estruturais entre países do centro e da periferia da Zona Euro não tinham sido devidamente acauteladas.

Nos primeiros anos do Euro as diferenças iniciais nas taxas de juro na Zona e as facilidades de crédito despoletaram forte movimento de capitais privados dos países do centro com elevados excedentes para os países periféricos. Tal, levou à ocorrência de problemas de competitividade que não foram monitorizados de forma adequada e propiciaram uma acentuada divergência nas Balanças de Transações Correntes (BTC) e na posição líquida externa dos países da Zona, fixando situações de défice nos países periféricos e de excedente nos países do centro. O despoletar da crise financeira em 2008 provocou a abrupta interrupção destes fluxos, mas não evitou que ficasse um rasto profundo de endividamento público e privado nas economias periféricas.

Perante tal situação, a União Monetária, ao invés de ter promovido a convergência entre os seus membros, tinha contribuído para acentuar as divergências e, mais grave, não dispunha de instrumentos robustos para lidar com a situação. Como reconhecem Sapir & Wolf (2015) a reduzida atenção dada ao avolumar dos desequilíbrios das finanças públicas dos membros e a falta de dispositivos comuns de supervisão e de resolução bancária da Zona Euro revelaram a incipiência da integração do sistema financeiro e minaram a sua credibilidade.

Adicionalmente, a falta de focalização na sustentabilidade das finanças públicas levou à deficiente aplicação das regras fiscais definidas no PEC com implicações na subida do risco de incumprimento do crédito em alguns países e, ainda, ao contágio a outros países que não tinham problemas estruturais de sustentabilidade da Dívida Pública, como os casos da Espanha e da Irlanda, mas que foram arrastados pelo sentimento de instabilidade.

Em suma, ocorreram falhas sistémicas nos mecanismos de governação da Zona Euro que não era suposto verificarem-se numa União Monetária eficaz, sendo que os mais notórios foram devidos à inexistência de meios para evitar o acumular de divergências na competitividade e, ainda, à ausência de coordenação da política fiscal, aspetos relevantes devido à escassa mobilidade laboral na Zona e ao funcionamento descentralizado das políticas fiscais.

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