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A crise do Estado liberal e a ideologia marxista

No documento DOUTORADO EM DIREITO DO ESTADO (páginas 67-71)

O ESTADO: EVOLUÇÃO DO ESTADO O ESTADO REGULADOR Da Antiguidade ao Estado Regulador Contemporâneo:

1.4 A ordem econômica e o Estado constitucional

1.4.2 A crise do Estado liberal e a ideologia marxista

No final do século XIX, em razão da intensidade dos problemas advindos da crença na economia de mercado, surgiu o marxismo, movimento político-ideológico e econômico em contraposição ao pensamento liberal. Com o “Manifesto Comunista”134,

133 VENÂNCIO FILHO, Alberto, op. cit., p. 9-10.

134 Parece necessário ressaltar os fatores fundamentais que lhe deram grande repercussão na Europa e

demais continentes. O primeiro diz respeito ao ambiente operário em que MARX e ENGELS encontraram apoio, que não foi o do pessoal da grande fábrica, onde os operários estavam amontoados e organizados militarmente, mas sim em um meio bem diferente que, em razão de sua origem étnica, estava disposto a pensar e raciocinar. Assim, “é notável que o mais original dos sindicatos norte-americanos tenha sido fundado em Nova York por um grupo de trabalhadores do ramo de vestimentas, que trabalhavam em locais dispersos e usavam a língua alemã.” (JOUVENEL, Bertrand. As origens do Estado

Moderno: uma história das idéias políticas no século XIX. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 253). Era esse o fato gerador da grande recepção do documento na Alemanha, que à época não tinha o mesmo avanço industrial que a França e, obviamente, Inglaterra, razão pela qual o texto do Manifesto só foi traduzido para a língua inglesa no ano de 1850, dois anos depois de sua publicação em francês.

Por fim, cabe ainda ressaltar que o manifesto era obra de intelectuais burgueses que se apaixonaram pelo proletariado e não propriamente uma emanação desta classe social. Quanto ao ciclo de pessoas destinatário da ideologia marxista, JOUVENEL, sobre a história da Liga dos Comunistas, faz suas as palavras de ENGELS: “O núcleo da Liga era formado por alfaiates. Em toda a parte havia alfaiates alemães: na Suíça, em Londres, em Paris [...] Os membros da Liga, ou ao menos aqueles dentre eles que eram trabalhadores, eram quase todos artesãos propriamente ditos [...] De um lado, o explorador

obra que embasou o movimento obreiro do século XX, Karl MARX, juntamente com o industrial Friedrich ENGELS lançam a ideologia de um sistema concentrado, em que o Estado é o protagonista que dita as regras, por meio de um planejamento estatal.

A direção da economia, desta forma, originava-se de órgãos da administração centralizada, os quais detinham o controle das mais diversas esferas da indústria, distribuição e comércio de bens. Sem liberdade econômica, sob o comando do Estado estavam, por exemplo, todo o processo produtivo, desde a apropriação dos bens de produção como também a colocação dos bens de consumo no mercado (inclusive com o controle do preço).

Alberto Moniz da Rocha BARROS, referente ao surgimento do chamado Estado

Marxista, determina:

O fato mais importante desse período da 1° Grande Guerra foi a criação do Estado Soviético, em novembro de 1917. Realizada pela ala revolucionária do socialismo marxista russo, ela visou estabelecer condições que permitissem a passagem para uma organização social em que cada um se obtivesse o que sua capacidade permitisse e a cada um se desse o que suas necessidades requeressem. No desfecho dessa transição, as funções públicas perderiam o seu caráter político transformando-se em puras funções administrativas, em simples operações de inspeção e de fácil escrituração de livros. Desvanecer- se-ia toda a necessidade de força para que um homem se submetesse a outro, toda a violência organizada e sistematizada: “as pessoas se acostumarão a observar as condições elementares da existência social, sem necessidade de força nem de dominação”. Não seria preciso nenhum instrumento especial, nenhum regime especial repressivo: a sociedade em conjunto, sem diferenciação de governantes e governados, imporia a sua lei “tão singela e expeditamente como na sociedade moderna a gente civilizada impede que dois combatentes se peguem a mão, ou não permite que uma mulher seja ultrajada”. Os produtores geririam diretamente a produção – todos passariam pelas funções diretivas, e os homens se habituariam a prescindir de diretores. Na propriedade social, na associação livre dos produtores diretos, na auto-organização da sociedade se basearia a vida desta.135

desses artesãos era um pequeno patrão; de outro lado, todo o mundo esperava transformar-se um dia num pequeno patrão. Além disso o artesão alemão daqueles tempos ainda estava infiltrado por uma multidão de idéias herdadas das antigas corporações. E o que mais os honra é que esses homens, que ainda não eram proletários na plena acepção do termo, que apenas constituíam um elemento complementar da pequena burguesia, embora estivessem em via de evoluir em direção ao proletariado moderno, sem todavia se encontrarem em oposição direta à burguesia, ou seja, ao grande capital – o que mais os honra, conforme dizíamos, é que esses artesãos fossem capazes de antecipar instintivamente a evolução futura de sua situação e de constituir-se, embora ainda não tivessem plena consciência disso, numa parcela do proletariado.” (Ibid., p. 252-253).

135 BARROS, Alberto Moniz da Rocha. O poder econômico do Estado contemporâneo e seus reflexos no

Percebe-se que o marxismo prescinde da idéia do predomínio do coletivo ao individual, com a supressão da propriedade privada e da liberdade de iniciativa, em função de uma economia estatizada, em que ao Poder Público cabia o desempenho da atividade econômica. Quanto à produção de riqueza, por ser resultado da força produtiva humana, deveria ser repartida entre os homens na medida de suas necessidades. Era o abandono da “mão invisível” de Adam SMITH.

A Constituição Soviética de 1918, inspirada nessa ideologia, implantou, à época, o sistema de economia coletivista, por meio de normas que aboliam expressamente a propriedade privada da terra e as demais riquezas naturais136. Na realidade, os seus

princípios e dispositivos eram muito diferentes daqueles estabelecidos nos Estados capitalistas. Por exemplo, nas constituições marxistas não havia a separação entre os Poderes legislativo e executivo, nem a alusão à independência dos juízes. Havia sim o total desconhecimento de lei em seu sentido formal, bem como a ausência de remédios jurídicos do tipo do habeas corpus e outros writs com o condão de garantir direitos subjetivos individuais. A própria consolidação do poder bolchevique trouxe a figura do unipartidarismo, em que o cidadão russo ou pertenceria ao Partido bolchevique, ou seria considerado sem partido.137

Disseminou-se assim o desiderato de incluir no corpo da constituição tanto matéria de cunho político, como também disciplina da economia e do social. Tendência que se manifestou, como visto, nas leis fundamentais marxistas, mas que logo foi abraçado por outros países, sobretudo do leste europeu após a Segunda Guerra Mundial. Nos últimos anos, por exemplo, encontra-se essa inspiração socialista em constituições como a de Portugal, em 1976, e da Nicarágua, em 1986.138

Também surgem nessa mesma época de Estado marxista outras políticas econômicas com as mesmas características, embora sem a proposta de coletivizarem os bens de produção. Na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler, por exemplo, desenvolveu-se uma política econômica corporativista, a qual consistia na subordinação dos interesses individuais ao interesse nacional, bem como a presença de grandes monopólios e na substituição das organizações sindicais criadas pelos trabalhadores por

136 BASTOS, Celso Ribeiro, op. cit., p. 83.

137 BARROS, Alberto Moniz da Rocha, op. cit., p. 49.

138 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito constitucional econômico. São Paulo: Saraiva, 1990,

um sindicato criado pelo Estado e que contava com a representação do setor patronal e dos empregados de um mesmo setor.139

Esse dirigismo estatal da economia e a restrição implícita à liberdade provocaram uma ausência de mercado. A falta de competitividade e a não aferição, por parte do Poder Público, da eficiência produtiva, bloqueou de certa maneira a comunicação entre as intenções de consumo e o aparelho produtor, ferindo o processo de desenvolvimento econômico - processo de obsolescência do sistema produtivo que, inserido em uma burocracia estatal paralisante, levaria em momento próximo a derrocada do socialismo e o surgimento de um modelo estatal intermediário entre o liberal e o socialista.

Tanto no mundo comunista como no capitalista, assiste-se a um revigoramento do mercado como instrumento regulador por excelência da economia. A procura de uma eficiência sempre maior conduz ao banimento dos processos de planejamento econômico, que, pelos altos custos de uma burocracia em parte ociosa, obstaculizam qualquer tentativa séria no sentido de vencer os desafios do desenvolvimento pós-industrial. 140

Sob esse prisma, complementa Marcos Juruena Vilela SOUTO:

Como solução para o desajuste dessas duas visões radicais do papel do Estado na economia foi desenvolvida a noção intermediária de “Estado do Bem-Estar”, onde asseguradas a propriedade privada e a livre iniciativa, é preconizada a “função social do detentor da riqueza”. (Leon Duguit apud Hely Lopes Meirelles). Destarte, a propriedade e a atividade econômica são reservadas à iniciativa privada como meios de assegurar o bem-estar social, cabendo ao Estado um papel incentivador e regulador (daí resultando a fiscalização e a repressão), com vistas ao fiel funcionamento do mercado e dos mecanismos de concorrência.141

139 Por volta da década de 30, de acordo com o discurso de MUSSOLINI (26.05.1934), a Itália já detinha

cerca de três quartos da economia em suas mãos. O capital financeiro, por sua vez, fundia-se com o Estado. Em outro lado, na Alemanha, com o nazismo que em 31.01.1933 ascende ao poder, a situação é análoga à da Itália fascista. “A intervenção do Estado germânico na economia já se ampliava antes do nazismo. Fora o país beligerante de mais bem sucedida economia de guerra em 14/18. E na Alemanha se originou o movimento moderno dos Cartéis. Conhecia ela as vantagens da produção centralizada.” (BARROS, Alberto Moniz da Rocha, op. cit., p. 69)

140 BASTOS, Celso Ribeiro, op. cit., p. 84.

141 SOUTO, Marcos Juruena Vilela. Constituição econômica. Cadernos de direito tributário e finanças

No documento DOUTORADO EM DIREITO DO ESTADO (páginas 67-71)