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Crise no sindicalismo docente: a reafirmação da heterogeneidade e

CAPÍTULO 3............................................................................................................. 120

3.2. A identidade política dos trabalhadores da educação: sindicalização,

3.2.2. Crise no sindicalismo docente: a reafirmação da heterogeneidade e

As décadas neoliberais têm significado um arrefecimento dos conflitos e a cooptação dos organismos sindicais por uma perspectiva de negociação e consenso, constituindo um retrocesso na organização política dos trabalhadores na luta não só por melhores condições de vida e trabalho, mas também por um novo modelo de sociabilidade.

Antunes (2002), Mascarenhas (2002) e Katz e Coggiola (1996) observam que o processo de reestruturação produtiva e as decorrentes políticas neoliberais têm afetado drasticamente o mundo do trabalho e, conseqüentemente, as organizações sindicais, impactando sobre suas formas de ação diante dos conflitos e contradições dessa sociedade. O aumento substancial do desemprego e das formas precarizadas de emprego, o desmonte dos parques industriais e a redução do operariado industrial (referências maiores do movimento sindical brasileiro) têm provocado retrocessos na ação política dos sindicatos.

A própria redução da massa de empregados tem enxugado os sindicatos que, diante das perdas provocadas pela atual conjuntura do capital, assumem formas defensivas de ação, colaborando com a construção de um consenso entre capital e trabalho.

O sindicalismo de classe, marcado pela postura combativa e pelo projeto de uma sociedade socialista, tem sido substituído por um sindicalismo de negócio, o chamado sindicalismo de participação. O sindicalismo de participação é expressão dos processos de cooptação que os “novos” processos produtivos envidam sobre a organização política dos trabalhadores. Como observa Ramalho (2000, p. 131), essas formas de sindicalismo se

definem “pela participação em tudo... desde que não se questione o mercado, a legitimidade do lucro, o que e para quem se produz, a lógica da produtividade, a sacra propriedade privada, enfim, os elementos básicos do complexo movente do capital”.

A crise do movimento sindical materializa-se como um elemento que dificulta as possibilidades da construção da identidade política dos trabalhadores, pois os sindicatos passam a não diferenciar suas ações dos interesses dos setores patronais, divergindo assim dos interesses e necessidades da classe trabalhadora.

A atual conjuntura do modo de produção capitalista impõe uma série de limites à organização política dos trabalhadores e lançando essa parcela da sociedade a uma empreitada numa espécie de individualismo e atomização exarcebados, expressos pela lógica do “salve-se quem puder” para sobreviver no mercado de trabalho.

A heterogenização e fragmentação dos trabalhadores impõem-lhes limites que, por sua vez, geram possibilidades de ampliação dos horizontes da classe que vive do trabalho no interior da luta de classes. A formação da identidade política, mais que uma estratégia de fôlego para os trabalhadores, significa a possibilidade concreta de recomposição da potencialidade do mundo do trabalho no conflito diante do capital.

O atual contexto das sociedades capitalistas impõe às classes que vivem do trabalho a tarefa de reconstituir sua postura, seu modo de pensar e de agir diante das contradições inerentes ao atual sistema societal. Mascarenhas (2002), ao discutir sobre a heterogeneidade e fragmentação que caracterizam os trabalhadores na atual conjuntura, explicita importantes elementos para a recomposição de uma identidade política que não somente resista ao capitalismo tardio, mas que também organize novas alternativas de sociabilidade.

As dicotomias pressupostas pela forma mesma em que a sociedade se produz – sociedade marcadamente dividida em classes, cuja divisão do trabalho é um importante referencial nessa questão – se arranja, nos diversos campos da vida social e, portanto, do mundo do trabalho. A superação de tais dicotomias é necessária ao processo de constituição da identidade política dos trabalhadores, ampliando a noção de classe trabalhadora e de sua potencialidade transformadora.

Ela (classe trabalhadora) abriga em seu seio além do tradicional operariado industrial e trabalhadores rurais, um grande contingente de assalariados do setor de serviços (bancos, comércio, transporte, comunicação), funcionários do Estado (civis e militares) e funcionários técnicos e da administração das indústrias. [...]

[Nesta] está presente uma capacidade transformadora face a sua abrangência, sua situação desfavorável na distribuição do poder e da riqueza e a potencialidade de ação política. (MASCARENHAS, 2002, p. 45).

A recusa da dicotomia entre produção e reprodução se constitui como fator necessário à constituição da identidade política dos trabalhadores. A divisão entre reprodução e produção como questões eqüidistantes tem servido, historicamente, para a subjugação do gênero feminino não somente pelas relações despóticas entre capital e trabalho, mas também pelas relações do patriarcalismo. Desta forma, trabalho doméstico e trabalho fabril representam esferas diferenciadas entre público e privado.

É necessário salientar que a esfera da reprodução é inerente aos processos de produção material (MARX e ENGELS, 1999). No sistema do capital a divisão entre produção e reprodução colabora para a exploração das trabalhadoras de forma mais intensificada, pois, além de extrair mais-valia delas na produção de mercadorias, explora-as no processo de reprodução da força de trabalho no âmbito familiar. Uma nova composição da identidade política dos trabalhadores perpassa pela recusa dessa dicotomia e pelo estabelecimento de relações fraternas e solidárias entre mulheres e homens.

No âmbito do movimento dos trabalhadores e na própria produção, existe uma dicotomia clara que distingue o mundo do emprego e do desemprego. Os processos de reestruturação da produção capitalista têm lançado grande parte da população ativa ao trabalho precarizado, em situações contratuais esporádicas e ao flagelo do desemprego estrutural. Nesse sentido, a dicotomia entre emprego e desemprego significa a fragmentação e perda de potencialidade transformadora das classes que vivem do trabalho.

Dessa forma, a luta pelo emprego pleno e a negação de que a organização dos trabalhadores se limita àqueles que tenham condições trabalhistas regulares (trabalho com carteira assinada ou concursados) são ações estratégicas no processo da consolidação da identidade política das classes que vivem do trabalho.

Uma outra dicotomia danosa à organização dos trabalhadores é a referente ao trabalho e não-trabalho. Quanto a essa questão, é necessário observar que a luta dos trabalhadores pela realização no trabalho incorre numa vida com sentido no mundo do não-trabalho e que, pensados de formas dicotômicas, torna-se um engodo as reivindicações universalistas que acreditam num mundo que sociabilize as riquezas sociais para todos que a produzem.

A luta da classe trabalhadora deve-se desenvolver simultaneamente dentro e fora do trabalho, visando a reapropriação da totalidade das condições sociais de existência, estabelecendo o elo imprescindível entre o movimento dos trabalhadores e os outros movimentos sociais. [...] É esta a alternativa, interagir com os diversos atores sociais somando forças, rompendo com as dicotomias e extraindo do seio da

diversidade e da fragmentação, a potencialidade da união e solidariedade (MASCARENHAS, 2002, p. 35).

Outras duas questões importantes de serem apontadas são: 1) o reconhecimento da proletarização do setor de serviços e organização dos trabalhadores desse setor da economia; e 2) a luta pela educação pública e gratuita garantida pelo Estado.

O enfrentamento entre trabalho e capital traz a figura do Estado, com seu caráter classista e conservador tensionado pela garantia das políticas sociais necessárias ao trabalhador. A figura reduzida do Estado, imposta pela reestruturação produtiva estabelecida pela crise do capitalismo, atingiu diretamente os trabalhadores e a exposição das contradições da sociedade de classes no seu atual estágio impele a pressão junto ao Estado pela garantia de direitos já conquistados e pela implementação de novas políticas sociais.

A equalização dessas questões, no seio da organização política dos trabalhadores, significa a articulação de amplos setores envolvidos no trabalho social em torno de uma identidade e prática política engajada num projeto histórico de classe. Nesse sentido, o sindicato, como instituição organizativa dos trabalhadores, é expressão de capacitação e de práticas e ações concretas dos trabalhadores diante dos conflitos e contradições dessa sociedade.

Os sindicatos articulam as dimensões da economia e da política, tornando público o conflito entre trabalho e capital que se esconde sob o véu de relações ideologicamente caracterizadas por relações privatizadas. Ao tornar pública relações que têm, paulatinamente, sofrido um processo de privatização, a esfera produtiva e as determinações envidadas de poder são explicitadas saindo da imediaticidade dos lócus de trabalho, proporcionando condições para o estabelecimento de laços políticos entre a classe que vive do trabalho.

Como observa Mascarenhas (2002, p. 87),

A publicização do lócus do trabalho imprime a marca da coletividade. Fazer-se visto e ouvido por outros exige a sedimentação do caráter coletivo das relações. Ao tornar pública a situação de trabalho, o trabalhador ou o grupo de trabalhadores estabelece laços no interior do espaço de trabalho e relaciona-se alem do mesmo.

A ação político-sindical politiza o lócus do trabalho explicitando as contradições do capital no conflito aberto que estabelece diante do patronato em torno das relações econômicas. Ao tornar política, essas relações extrapolam a imediaticidade da luta econômico corporativista e toma o caráter de classes. Nesse sentido, tal como o lócus de trabalho, o