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Cuidar e educar como dimensão estruturante do trabalho nas instituições de

CAPÍTULO 2............................................................................................................. 74

2.3. Cuidar e educar como dimensão estruturante do trabalho nas instituições de

O embate entre assistencialismo e educação, cuidar e educar são elementos definidores do trabalho educativo nas instituições de educação infantil e se constituem como dados fundantes das práticas e representações produzidas pelos sujeitos que estão no cotidiano dessas instituições e da própria sociedade.

As especificidades da educação infantil não negam o caráter de assistência materializado pelo cuidado da criança, pelo contrário, amplia o conceito de cuidado reunindo-o areunindo-o de educaçãreunindo-o e a um prreunindo-ojetreunindo-o preunindo-olíticreunindo-o-pedagógicreunindo-o de freunindo-ormaçãreunindo-o cultural da criança menreunindo-or de sete anos. Como observam Rosemberg (2002b) e Haddad (2002), é necessário travar um debate entre a assistência e a educação quando se discute a educação infantil e não um embate antagônico e excludente um do outro.

57 - É preciso relativizar essa questão da formação das professoras que atuam na educação infantil, pois o advento da lei ainda não significou uma alteração do precário quadro funcional dessas instituições. Segundo Rosemberg (2003), no Brasil, apenas 19,4% das funções docentes em educação infantil são cumpridas por pessoas com formação em nível superior; e com uma categoria profissional do ensino com a maior porcentagem de mulheres (94,8%), cuja renda salarial é inferior à dos demais níveis de ensino.

O fato de que a educação infantil como instituição educacional e, portanto, como local de trabalho se situa no âmbito do debate assistência x educação, estabelecendo, então, duas linhas distintas de organização do trabalho e de caracterização dessas instituições.

O assistencialismo, como observado anteriormente, envida um modelo de intervenção junto à classe trabalhadora, pautado por uma política educativa direcionada para uma formação ideologicamente paternalista, subjugadora, que humilha, controla e contribui para a reprodução das formas de constituição dessa sociedade. O trabalho nas instituições de caráter assistencialista nesses moldes tem sido caracterizado somente pelas práticas de cuidado e guarda das crianças e pela baixa qualificação dos trabalhadores, por um trabalho desregulamentado e muitas vezes sem nenhuma remuneração (voluntariado) (CAMPOS, 1994). Descaracterizando-se, daí, a possibilidade de uma formação cultural das crianças de 0 a 06 anos vinculada ao projeto histórico da classe trabalhadora e dificultando, ou até mesmo impossibilitando, a constituição das trabalhadoras da área como uma categoria organizada e combativa.

Por outro lado, a instituição da educação infantil, como parte integrante do sistema básico da educação, incide na possibilidade da construção de projetos político-pedagógicos articulados aos interesses da classe trabalhadora, que não somente guarde seus filhos enquanto trabalham, mas que contribua efetivamente para uma formação que colabore para a emancipação humana. Nesse sentido, o trabalho nas instituições de educação infantil, institucionalmente atribuída às políticas educacionais, pressupõe profissionais qualificados trabalhando de forma regulamentada por direitos trabalhistas, remunerados de acordo com as exigências, qualificações e funções atribuídas às suas atividades e com planos de carreira estruturados, enfim, com delimitações claras do trabalhador docente.

As características atribuídas ao trabalho docente indicam a constituição de uma categoria de trabalhadores que, junto aos demais profissionais da educação (administrativos, direção, pessoal de apoio etc.), constituem-se como profissionais do terceiro setor, que prestam serviços altamente complexos à sociedade, vendendo sua força de trabalho ao setor privado ou público. Dessa forma, a questão do embate assistência x educação possui papel importante na construção da identidade política das trabalhadoras da educação infantil.

Ao assumir um caráter assistencialista, as instituições e seus trabalhadores e trabalhadoras, em boa parte, reafirmam um modelo ideológico e reprodutor do status quo, o que não quer dizer que a educação não faça o mesmo. No entanto, enxergamos na consolidação das instituições de educação infantil como local de trabalho articulado a um sistema de ensino que reúne um grande contingente de trabalhadores numa só categoria e que,

portanto, estabelece uma possibilidade de construção de uma identidade política vinculada aos interesses, necessidades e lutas dos demais trabalhadores58.

Tais possibilidades não estão pautadas pela ingenuidade e equívoco de leitura da realidade que aloca todos os problemas da educação infantil no embate ideológico entre educação e assistência (KHULMANN JR. 2001a, 204-205), evidenciando a primeira como redenção dessa etapa educacional. Tomando como ponto essencial dessa discussão as possibilidades de as trabalhadoras da educação infantil elaborarem uma identidade política articulada ao projeto histórico do Trabalho, compreende-se a necessidade de reunir o trabalho educativo junto às crianças da classe trabalhadora com um projeto de emancipação humana e, portanto, vincular ação educativa à luta de classes.

Nesse sentido, já estão acenadas tais articulações no âmbito teórico e prático da educação. No âmbito da produção acadêmica e das propostas pedagógicas, já existe um arsenal de constructos teórico-metodológicos que apontam para um projeto de formação humana orientado pelas perspectivas e projetos de liberdade e emancipação humanas.

Acrescenta-se à produção acadêmica a práxis educativa que vem sendo desenvolvida pelos trabalhadores e trabalhadoras em educação, buscando materializar uma vida cheia de sentido no trabalho e pelo trabalho, como se refere Antunes (2002). Para isso, trabalhadores e trabalhadoras em educação não só buscam efetivar projetos pedagógicos de qualidade para as maiorias nas instituições escolares, mas também realizam militância sindical e partidária, mobilizam moradores de periferias e movimentos sociais, enfim, se articulam aos que estão inseridos no processo de produção e que lutam por uma alternativa contrária à sociedade de classes.

Ao contrário dessas perspectivas apontadas, as intervenções assistencialistas na educação infantil – além de reproduzir a ideologia da caridade burguesa e clerical – tem-se constituído como um campo de atuação do voluntarismo, da heterogeneidade de ação e de sujeitos envolvidos, da fragmentação e, conseqüentemente, do consenso entre as classes, materializadas pela “generosidade” dos setores das elites diante da miséria e pobreza de

58 - Segundo Marx (2001), o capital torna homens e mulheres em uma massa de trabalhadores que experimentam e vivenciam uma situação comum e interesses comuns. Esse fato torna os trabalhadores em classe em-si, mas ainda não classe para-si. Tal passagem se materializa por intermédio da luta e dos embates de classe, em que os trabalhadores passam a defender e reivindicar seus interesses de classe. É nesse sentido que parto da perspectiva que, ao se definirem como trabalhadoras em educação, e se inserirem no interior das lutas e organização político-sindical historicamente construídas pela categoria, ampliam-se as possibilidades das trabalhadoras da educação infantil construírem uma identidade política vinculada aos interesses e necessidades da classe trabalhadora. Tal identidade política tem sido historicamente construída pelos trabalhadores em educação no interior do seu trabalho (e das suas contradições) e na sua organização político-sindical como observam Canezin (1999), Ribeiro (1987) e Souza (1996;1997).

adultos e crianças oriundos das classes populares (KHULMANN JR. 2001a e 2001b; FARIA, 2002; ROSEMBERG, 2002a; OLIVEIRA, 1996; KRAMER, 2001).

A materialização de uma educação infantil pública, gratuita e de qualidade, socialmente referenciada, passa pela consolidação dessas instituições como lócus de trabalho, onde uma equipe multiprofissional se organiza coletivamente para cuidar e educar crianças de 0 a 06 anos de idade, além de lutar e militar pela sua valorização e realização. A compreensão de que a educação infantil seja um direito necessário e indispensável de pais e mães trabalhadores e, sobretudo, direito das crianças pertencentes à maioria da população brasileira significa a constituição desse espaço como um importante determinante na constituição da identidade política das trabalhadoras que ali atuam.

As instituições formais de educação (centros de educação infantil, escolas, universidades), no modo de produção capitalista, funcionam como uma instituição complexa e contraditória que, ora reproduz as características da organização do trabalho próprio às empresas capitalistas (CODO et.al., 1999; NOVAES, 1992) e da organização burocrática dos aparelhos estatais (TRAGTENBERG, 2004), ora resiste às determinações da organização capitalista do trabalho ao se conformar como espaço de produção e socialização da cultura e do saber.

Evidentemente ali não se produz uma mercadoria imediata à percepção do consumo, entretanto, o processo educativo tem uma função essencial, a de colaborar na produção da principal mercadoria inerente ao capital, qual seja, a força de trabalho.

Como Silva Júnior (1993, p. 43) observa:

Embora as diferentes capacidades de trabalho que concorrem para a formação da máquina produtiva no seu conjunto participem de maneira muito diferenciada do processo de formação de mercadorias, todas essas capacidades de trabalho, fundadas na utilização da mão ou da cabeça, subordinam-se por igual ao capital na medida em que trocam seu trabalho pelo capital e reproduzem o dinheiro dos capitalistas como capital.

É nesse sentido que o trabalho no setor de serviços, do qual a educação infantil faz parte, não se constitui como atividade produtiva, mas dá suporte para que essa se realize.

O trabalho em serviços não dispõe de critério de economicidade tão claro quanto o chamado “trabalho produtivo”. Ele é em grande parte descontínuo, atemporal e difícil de normatizar como função técnica. O setor de serviços é responsável pela produção das condições e os pressupostos institucionais e culturais específicos para as atividades “produtivas” (segurança, conservação, defesa, vigilância, certificação). (MASCARENHAS, 2002, p. 35-36).

Então, no sentido de reprodução das relações sociais do sistema do capital, as instituições de educação infantil têm cumprido uma dupla função: 1) colaborar ou até mesmo substituir a família no processo de educação das crianças menores de 07 anos, intensificando e ampliando a formação do trabalhador desde cedo, ou seja, reproduzindo a força de trabalho;

2) cuidar dos filhos dos trabalhadores enquanto esses se lançam no mundo do trabalho dedicadamente e integralmente. Esse processo de reprodução do capital, por meio das instituições educativas, não ocorre sem contradições, que se materializam nos processos educativos baseados em projetos qualitativamente referendados e na resistência dos sujeitos que ali atuam. No entanto, a sua caracterização assistencialista reduz as possibilidades de construção de um projeto pedagógico e, portanto, político, de uma formação que contribua para a emancipação dos sujeitos desde sua infância.

Ainda que as leis tenham se modificado e as instituições de educação infantil tenham alterado suas estruturas, se convertendo em estabelecimentos educacionais vinculados aos sistemas de ensino, as trabalhadoras que ali atuam reproduzem, na prática e no discurso, a função assistencial como primordial no atendimento das crianças59.

As contradições presentes no âmbito das práticas e do discurso das trabalhadoras que atuam nas instituições de educação infantil manifestam o estágio de construção por que passa esse campo de conhecimento e intervenção que, apesar de vir estabelecendo diretrizes educacionais (oficiais e acadêmicas), institucionalizando as instituições a partir das normas e estrutura dos sistemas de ensino no país, ainda não superou a herança da intervenção assistencialista.

Tal herança incide num prejuízo na composição da identidade política de suas trabalhadoras, visto que as relações decorrentes de uma intervenção assistencialista propõem uma pedagogia do silêncio, da humilhação e da submissão das maiorias diante dos conflitos sociais e das relações de poder decorrentes. Nesse sentido, o trabalho nessas instituições direcionado a partir desse viés de assistência atinge os problemas imediatos das classes subordinadas, mas, no entanto, servem como formas de reprodução do consenso e do

59 - Os trabalhos de Ongari e Molina (2003), Cerisara (2002) e Silva, I. (2001), apresentam as representações e identidades que as profissionais atribuem as instituições e ao próprio trabalho, ainda muito arraigadas nas concepções de assistência e guarda da criança, enquanto os pais trabalham. Alves (2002) aponta como as referências do papel social atribuído às mulheres de mãe-esposa-dona-de-casa fazem parte do conjunto de elementos identificadores do trabalho docente em educação infantil em Goiânia. Em uma primeira etapa dessa pesquisa, que resultou em um trabalho monográfico de final de curso da pós-graduação em Educação Infantil (latu sensu) FE/UFG, apresento algumas representações das trabalhadoras em educação infantil de Goiânia sobre seu trabalho e os elementos centrais da construção da identidade profissional e política das mesmas, cuja reprodução da lógica de guarda da criança e do assistencialismo compensatório são partes constituintes (SILVA, 2004).

escamoteamento dos conflitos entre classes. E mais: o trabalho nos termos da assistência possui um vínculo claro com as diretrizes do trabalho precarizado, materializado pelo voluntarismo, que isenta o Estado das políticas sociais e lança a responsabilidade para os sujeitos.

Assim, a indefinição das funções que caracterizam as instituições de educação infantil e, portanto, a identidade de suas profissionais conforma-se numa heterogeneização e fragmentação do labor e das trabalhadoras que atuam nessas instituições. A dicotomia entre assistência e educação na definição da função educativa das instituições é um dos elementos que dificultam a construção de uma identidade política das trabalhadoras da educação infantil.

Identidade essa que passa pela compreensão de que a natureza de seus trabalhos evidencia uma necessidade, e mais, um direito da maioria da população brasileira.

A questão da identidade política das trabalhadoras da educação infantil perpassa, então, pela delimitação e conformação de uma determinada identidade das instituições de atendimento educacional para crianças menores de 07 anos. Em traços gerais, já existem apontamentos sobre os processos de constituição da identidade dessas instituições marcadas pelo assistencialismo e pela precarização convivendo com exigências cada vez mais elaboradas por parte das novas diretrizes políticas e da própria sociedade civil. Entretanto, é necessário situar esses processos em uma determinada realidade sócio-histórica delimitada, para não correr o risco de determinar generalizações distanciadas da prática social de determinados sujeitos, instituições e conflitos.

Nesse sentido, é importante contextualizar as instituições investigadas durante a pesquisa, objetivando apresentar a caracterização do atendimento educativo para as crianças de 0 a 6 anos na cidade de Goiânia – ainda que de maneira preliminar –, especialmente àquelas atendidas pela Secretaria Municipal de Educação-SME desta cidade.

A história das instituições de educação infantil em Goiânia segue a mesma tendência da gênese dessa modalidade educativa no país. Caracterizadas inicialmente pelo atendimento assistencialista e emergencial, as instituições de educação infantil se configuraram numa complexa rede de instituições que envolvem diferentes objetivos e natureza. O conjunto dessas instituições envolveu, e ainda envolve, uma grande rede privada de caráter particular e/ou filantrópica, algumas poucas iniciativas do Estado (que já estão em processo de transferência para o município) materializadas pelas políticas compensatórias de finais da década de 1970, as instituições municipais e as conveniadas que envolvem os setores privados, religiosos e o poder público. (BARBOSA et.al., 2005).

Ainda caracteriza essas instituições uma complexa divisão definida pela faixa etária de atendimento, tais como os Centros de Educação Infantil e os Centros Municipais de Educação Infantil que atendem toda a faixa etária de 0 a 6 anos, as creches que atendem as crianças de 0a 3 anos, as pré-escolas que atendem as crianças de 4 a 6 anos de idade e as classes de alfabetização em escolas de ensino fundamental, que matriculam um número considerável de crianças com 6 anos de idade. No caso de nossa investigação, foram consideradas os Centros Municipais de Educação Infantil – Cmei’s, administrados pelo poder público municipal.

A trajetória do processo de construção de uma rede de instituições de educação infantil pela SME tem início somente na década de 1990, iniciando-se efetivamente no ano de 1998 com a incorporação de um número inicial de 13 instituições vinculadas à Fundação de Desenvolvimento Comunitário – Fumdec, que seriam incorporadas pela SME no ano posterior. Essa incorporação é resultante do novo ordenamento das políticas educacionais no país que municipaliza o atendimento educacional da pequena infância.

Em 1998 a SME iniciou a preparação para a absorção das 13 unidades de Educação Infantil sob a responsabilidade da Fumdec. Foi estruturada a Divisão de Educação Infantil (DEI), no Departamento de Ensino, iniciando um conjunto de estudos e discussões, sob assessoria da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Elaborou-se de uma proposta de Política de Atendimento para a Educação Infantil – escrita em 1999, mas que não foi homologada – e realizou-se a formação e qualificação da equipe responsável por ações de formação dos professores, de acompanhamento e articulação da educação infantil na Rede Municipal de Ensino.

A equipe que compôs a Divisão era formada de professores da rede municipal que se empenharam para atender às creches, chamadas então de Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis), advindos da Fundação de Desenvolvimento Comunitário (Fumdec), assim como os Centros de Educação Infantil (CEIs), conveniados com a Secretaria de Educação. (BARBOSA et.al., 2005).

Iniciado o processo de municipalização das instituições de educação infantil, a SME lida com um aumento significativo de Cmei’s sob sua administração, o que não ocorre sem problemas. A tabela 2 apresenta um parâmetro da expansão do atendimento educativo para crianças menores de 7 anos pela rede municipal de ensino de Goiânia.

Tabela 2

Ano 1999 2001 2003 2004 2005

Instituições de Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino de Goiânia

13 16 40 54 69

Fontes: Barbosa et.al. (2005); SME (2004).

No período entre 1999 e 2005, houve um acréscimo de aproximadamente 430%

no número de instituições de educação infantil diretamente administrada pela SME60, geralmente com instituições de caráter religioso cedendo o espaço físico. Esse número não vem sendo acompanhado da necessária qualificação de uma modalidade educativa historicamente relegada à marginalidade (no sentido de estar à margem), à caridade e à filantropia. Ao contrário, as diretrizes de expansão têm sido verticalizadas pelo discurso neotecnicista das Organizações Multilaterais via consolidação política, econômica e cultural da chamada comunidade epistêmica61 (ROSEMBERG, 2002b), desconsiderando os avanços do debate acadêmico e político (FARIA e PALHARES, 2000) e as reais necessidades e demanda das crianças e de seus pais, muitas vezes escamoteadas pelo léxico neoliberal que assimila parte do discurso progressista, velando o verdadeiro sentido dessas políticas, definidas por Rosemberg (2002b) como educação para subalternidade.

Esse modelo de política educacional, que reproduz a subalternidade das nações periféricas e dependentes e, principalmente, da classe que vive do trabalho nessas nações, tem como fundamento a reprodução de modelos sem qualidade materializados pelo voluntariado e pela precariedade, sendo

[...] fortemente influenciadas por modelos “não formais” a baixo investimento público, propugnados por organismos multilaterais. No Brasil, essas propostas já foram incorporadas em passado recente e estão ameaçando o presente atual. A partir dos anos de 1970, essa influência proveio, especialmente da Unesco e do Unicef; a partir dos anos de 1990, a maior influência provém do Banco Mundial (ROSEMBERG, 2002, pp. 28-29).

Em Goiânia, é no contexto de plena vigência das políticas neoliberais (década de 1990) que se inicia a municipalização das instituições de educação infantil. Seguindo as determinações legais da Carta Magna de 1988, do ECA de 1990 e da LDB de 1996, o poder público do município de Goiânia inicia um processo de debate, elaboração de propostas político-pedagógicas, formação e capacitação docente e de expansão da rede de atendimento às

60 - Esses números se referem apenas às instituições de educação infantil diretamente administrada pelo poder público municipal como parte do seu sistema de ensino, desprezando, desse modo, o total de instituições em regime de convênios (que em 2003 era em número maior do que as instituições mantidas pela SME) e as salas de pré-escola em escolas municipais e conveniadas. Para maiores informações ver Barbosa et.al. (2005)

61 - Fúlvia Rosemberg (2001; 2002) apoiada no trabalho de Goussault (1993) chama por comunidade epistêmica o conjunto de pesquisadores especialistas e experts do Banco Mundial e da UNESCO que definem e impõem políticas para o campo educacional baseada em estatísticas, análises micro e macroeconômicas privilegiando o empírico e estabelecendo prospectivas de avanços no campo econômico por meio de reformas educacionais, no sentido de integrar, competitivamente, no mercado globalizado. No geral, esses agentes gozam de prestígio nos governos nacionais e também negociam as condicionalidades (STIGLITZ, 2002) dos “agiotas globalizados”

para os Estados periféricos, atacando as políticas sociais, dentre elas as educacionais.

crianças menores de 7 anos assumindo as instituições em poder do Estado, num processo lento e complicado, e construindo outras unidades. A municipalização da educação infantil em nossa realidade iniciou um processo contraditório de “substituição” do tradicional modelo assistencialista, conveniado, privado e filantrópico. Contraditório porque ainda permanece a perversa lógica de transferências dos fundos públicos para a iniciativa privada por meio de convênios e parcerias.

Durante a primeira fase da investigação, dentre as instituições investigadas, três (3) estavam alocadas no interior de um prédio de igreja, mantendo estreitas relações de colaboração a partir da perspectiva da “doação” e da “caridade”. Inclusive, todas as diretoras das quatro instituições pesquisadas durante a segunda fase de investigação afirmaram, informalmente, que os Cmei’s só conseguem administrar uma alimentação de qualidade nutricional para as crianças por causa das constantes doações de igrejas, pequenos empresários dos bairros, comunidade e, até, de pessoas que cumprem penas alternativas com prestação de serviços para a comunidade. Essa realidade revela, em parte, o quanto as instituições de educação infantil ainda estão vinculadas à ideologia e às práticas vinculadas ao campo do assistencialismo, da caridade e da filantropia. Esse tipo de relação com a comunidade vai ao encontro das perspectivas das políticas neoliberais e da terceira via reformista de minimização do Estado na esfera das políticas sociais, lançando para a “sociedade civil”, para as

“organizações sociais” ou o chamado “terceiro setor” a responsabilidade de arcar com direitos dos trabalhadores e de seus filhos. Dessa feita, enquanto o apelo à caridade e solidariedade tem sido o mote da publicidade oficial, o fundo público é orientado para o capital internacional e nacional62.

Pari passu essa expansão da rede de instituições de educação infantil vem sendo realizada às custas da precarização do trabalho das professoras e agentes educativos. A explosão do número de instituições de educação infantil na rede municipal de ensino em Goiânia vem atendendo uma série de questões, muitas vezes, em detrimento de uma perspectiva de qualificação do trabalho e do atendimento ali realizado. As formas de expansão dessas instituições, via municipalização determinada pela legislação educacional, ainda vem atendendo mais a interesses “clientelistas de caráter puramente político-partidário, de interesses ‘bairristas’, religiosos, e porque não dizer teórico-ideológicos” (BARBOSA et.al.,

62 - Segundo Gentili (1996) uma das principais características das políticas neoliberais é a retirada do Estado de setores estratégicos das políticas sociais (educação, saúde, moradia, previdência) e o alocamento dos recursos do fundo público para os setores privados. Ridenti (1995) observa o caráter de classe da disputa sobre o fundo público, cuja orientação é definida pela correlação de forças das classes sociais e de suas capacidades de colocar seus interesses e necessidades na ordem do dia da intervenção estatal.

2005) do que propriamente da efetivação dos direitos das crianças e das famílias, especialmente das classes populares.

Um outro condicionante da expansão quantitativa das instituições de educação infantil (não só em nossa realidade local, mas em todo o país) é a implantação dos pacotes de políticas educacionais imputadas pelos Organismos Multilaterais, especialmente o Banco Mundial e a UNESCO. Essas políticas são baseadas no modelo massificado de instituição, precarizada e emergencial.

Esse modelo de políticas para a educação infantil que retoma as concepções assistencialistas e compensatórias de atendimento educacional para a pequena infância, caracterizado pelo baixo custo e pela precariedade decorrente dessas condições, vem sendo capitaneado pelos organismos internacionais, especialmente o Banco Mundial, configurando-se como baconfigurando-se de sustentação da expansão quantitativa dessas instituições recentemente. Esconfigurando-se modelo de política para o setor reproduz o seu caráter excludente e perverso, repetindo a perspectiva de uma educação “pobre para pobre” porque “[...]a expansão da EI vem sendo custeada principalmente pelas famílias, pelas educadoras (por causa de seu baixo salário) e pelo governo municipal, com conseqüências sobre a qualidade da oferta. Em decorrência, a EI brasileira vem sendo custeada pela própria criança.” (ROSEMBERG, 2003, p. 57). Desse modo, a ampla parcela da população que não vem tendo acesso à instituições de educação infantil com um projeto pedagógico de qualidade continua excluída desses direitos.

Ao vento dos tempos e dos governos, as instituições assumem um determinado papel, muitas vezes contradizendo discursos e práticas, outras vezes reafirmando velhas práticas clientelistas e político-partidárias. Ao longo das três gestões do município desde a promulgação da LDB/1996, as políticas para a educação da infância na rede municipal se caracterizaram por mudanças constantes, de acordo com as diretrizes do poder em vigência.

No trabalho de Alves (2002), realizado no ano de 2001, é demonstrado que as projeções de um projeto de qualidade para as instituições de educação infantil em Goiânia têm sido, sucessivamente, abortadas a cada novo governo que toma posse no Paço Municipal. O início da implantação da municipalização das instituições de educação infantil no ano de 1998 foi balizado por um processo de relativa abertura da SME para o debate e elaboração de projetos, leis e formação para professores, muito embora, muito pouco tenha sido implementado como afirmam Barbosa et.al. (2005).

Com a entrada de um novo governo em 2001, houve um recuo das propostas e das conquistas até então conseguidas mediante o conflito de grupos políticos e de concepções

de infância e de suas necessidades educativas. Barbosa et.al. (2005) observam e analisam o problema do seguinte modo:

Ainda durante o ano de 2001, as ações da Secretaria direcionaram-se para uma avaliação, visando uma re-elaboração de toda a Proposta Político-Pedagógica da SME para a gestão 2001-2004. Com isso, outras ações também foram interrompidas além da proposta de currículo, inclusive a formação continuada.

Houve substituição de toda equipe da DEI, sem que houvesse diálogo e reconhecimento dos esforços empreendidos anteriormente na constituição da educação infantil como um campo específico. (grifos meus).

Esses fatos apontam os indícios históricos de como o Estado brasileiro e suas unidades de federações caracterizam as políticas para a educação infantil de maneira secundária e emergencial. Estas formas atendem muito mais as conveniências e negociatas de gabinete e também a promoção do pacto social em momentos de convulsão e mobilização dos setores oprimidos da sociedade, do que efetivamente aos direitos das maiorias a políticas sociais de educação e assistência. Sob o forte aspecto de inconstância e atendimento emergencial de uma parte da população mais sujeita à degradação da pobreza material, a implantação das instituições de educação infantil tem sido materializada (KRAMER, 2001).

Essa característica tem sido um dos fatores que ainda mantém a educação infantil como um

“problema” e/ou um “mal necessário”, o que perspectiva a manutenção de sua marginalização no interior do, não menos problemático, sistema educacional brasileiro63.

A feição assistencialista e emergencial das instituições de educação infantil expressa o lado perverso das políticas educacionais que, historicamente, no Brasil, ainda não se efetivou como direito social para as amplas maiorias – muito embora as legislações a coloquem dessa forma. Estas têm sido extraordinariamente flexíveis, atendendo aos mais variados interesses de projetos políticos partidários, cuja única centralidade é a permanência do caráter classista e dual da educação escolar brasileira, seja em que nível for. Não há política de Estado que garanta a permanência de um eixo de financiamento e gestão democrática da educação pública no país; e a educação infantil é, por sua vez, uma das modalidades mais afetadas por essas formas de se conceber a coisa pública em nosso país.

63 - Uma série de investigações sobre políticas educacionais e sobre a história da educação brasileira abordam as limitações de organização tardia do sistema educacional brasileiro e a disputa histórica dos blocos históricos pela manutenção ou superação dos limites da educação pública no país. O conflito entre interesses oligárquicos, da burguesia nacional, de setores da igreja, das classes médias, especialmente os militares, do capital mundializado e a classe trabalhadora juntamente com alguns setores médios pela educação no país permanece em vigência e têm determinado, em boa medida, os rumos da educação nacional. (ver: GERMANO, 2005; ROMANELLI, 1997; RIBEIRO, 2003; GENTILI (org), 2001; PARO e DOURADO (orgs), 2001; VIEIRA e FREITAS, 2003).