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Crise na pecuária e expansão da soja para a metade sul do estado: das mudanças econômicas à recomposição política

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Capítulo 1: Farsul: Histórico de desenvolvimento e estrutura de organização

1.1 Farsul: Alguns elementos de sua história

1.1.3 Crise na pecuária e expansão da soja para a metade sul do estado: das mudanças econômicas à recomposição política

A partir da década de 1990 assiste-se a um novo conjunto de mudanças econômicas e produtivas na agropecuária gaúcha, as quais se materializam, de um lado, em nova onda de expansão dos cultivos agrícolas para a metade sul do estado, processo já iniciado durante a modernização agrícola, e, de outro lado, numa profunda crise e retração da atividade pecuária nesta região. Estas mudanças econômicas produzem alterações na morfologia social do patronato rural do estado, repercutindo em suas

11 A primeira delas foi a comissão de trigo, criada ainda no ano de 1943, com o objetivo de “tratar da produção, escoamento e financiamento da safra, além de estimular a criação de cooperativas de produtores” (Farsul, 2017, p. 10).

78 instâncias de representação de classe, como é o caso da Farsul. Vejamos em mais detalhes este enredo.

Como comentado, a partir da década de 1990, assiste-se a uma nova onda de expansão dos cultivos agrícolas, sobretudo do arroz, da soja e do milho, para a região sul do estado, principalmente na sua parte sudoeste, região conhecida como Campanha Gaúcha (Benetti, 2010, pp. 84-85). Este processo foi fruto de uma nova fase de aquecimento do mercado internacional de commodities, ocorrido após um período de crise na agricultura gaúcha, o que gerou a redução das áreas de lavoura na metade norte do estado durante a segunda metade dos anos 1980 e o início dos anos 199012.

Para se ter uma ideia da proporção desta expansão das lavouras na região Sul durante o período mencionado, destaca-se que entre os anos de 1990 e 2004 a região da Campanha passa de cerca de 492 mil para mais de 900 mil hectares cultivados com lavoura, registrando um aumento de mais de 80% desta área. Analisando-se os dados da produção agrícola estadual nesta mesma sequência histórica, pode-se confirmar que a expansão das lavouras no Rio Grande do Sul durante este período se deu, principalmente, em direção à região sul do estado. Isso gerou um aumento da participação da região na produção agrícola estadual. Também fez com que aumentasse a participação da produção agrícola na economia local como um todo (Benetti, 2007, pp. 134-135).

Contudo, se o aquecimento do mercado internacional de commodities agrícolas contribuiu para este processo de expansão das lavouras na metade sul do estado a partir dos anos 1990, por outro lado, é importante frisar também que, em paralelo a isso, se visualizou uma forte crise da atividade pecuária – predominantemente localizada na metade sul do estado - fator que contribuiu para a fragilização econômica de grande parte dos pecuaristas daquela região e fez avançar as culturas de lavoura.

Segundo Piccin (2014, pp. 13-14), essa crise econômica da atividade pecuária – que tem como marco a extinção do Instituto de Carnes do Rio Grande do Sul em 1991 - teve origem na baixa dos preços do gado - fruto da abertura dos mercados locais à concorrência internacional -, no aumento do preço da mão de obra e no desenvolvimento

12 Esta crise da agricultura gaúcha teria ocorrido, por um lado, em função da acelerada expansão da agricultura no Cerrado brasileiro e da consequente dificuldade da agricultura gaúcha estabelecer um nível de escala adequado de produção e de competitividade com esta região em função do esgotamento de sua fronteira agrícola interna e, por outro lado, em função de uma crise no comércio internacional de

commodities, já que havia um excedente da oferta sobre a demanda destes produtos em nível internacional

em razão do crescimento da produção da Europa e dos Estados Unidos. Com isso, houve uma diminuição da área de cultivo de soja e de trigo na metade norte do estado, sobretudo a partir da exclusão de produtores de pequena escala (Benetti, 2010, pp. 60-75).

79 da legislação trabalhista, que foi responsável por impor um conjunto de restrições aos modos de dominação pessoal do proprietário de terra sobre o trabalhador da estância.

Com a análise do histórico da economia estancieira do Rio Grande do Sul, percebe-se que para estes setores importava preferencialmente a garantia do monopólio da terra e a superexploração do trabalho, em detrimento do avanço tecnológico e da eficiência técnica na produção. Este comportamento era legitimado pela ação de apoio financeiro do Estado em momentos de crise. Por isso, o estancieiro não respondia aos estímulos de mercado e não considerava, em geral, a possibilidade de aumento da produtividade física por área de terra explorada e a intensificação da atividade criatória como um mecanismo de fuga da crise econômica (Piccin, 2012, pp. 340, 355-356).

Portanto, houve uma incapacidade dos estancieiros em lidar com a crise e buscar sua superação. Estes sujeitos demonstraram dificuldades em ajustar os patamares produtivos e controlar a cadeia de comercialização. Ao invés disso, a crise econômica que se abateu sobre a atividade na década de 1990 gerou reconversões de trajetória, fazendo com que culturas agrícolas como a soja e o arroz passassem a ter maior relevância nas estratégias de reprodução econômica dos produtores rurais na região, seja através do plantio pelo próprio estancieiro, mas principalmente via arrendamento de terras e, em situações limite, até mesmo com a venda da área (Piccin, 2012, p. 369).

Diante desse cenário, manifesta-se uma alteração na composição da classe dos

grandes proprietários de terra da metade sul do estado, onde a atividade pecuária detinha destaque na economia. Um dos papeis centrais neste processo foi desempenhado pelos descendentes de colonos europeus, que migraram das regiões de florestas do norte do estado do Rio Grande do Sul para a região estancieira, localizada ao sul do mesmo estado. Com o apoio da força de trabalho familiar e diante das experiências adquiridas em suas trajetórias de vida, estes sujeitos consolidaram atividades agrícolas na região e avançaram economicamente, sobretudo por meio da plantação do arroz e soja (Piccin, 2014, pp. 12- 22).

Segundo Piccin (2014, p. 16), “a crise econômica enfrentada pela elite estancieira a partir de 1990 teve o efeito de redefinir os capitais de distintas posições no espaço social” e os estancieiros do Rio Grande do Sul se enfraqueceram política e economicamente, ao mesmo tempo em que visualizavam-se trajetórias ascendentes dos descendentes de colonos europeus vindos da região norte do estado.

A partir deste processo de mudanças na morfologia social do patronato rural gaúcho ao longo do tempo, visualizou-se também um conjunto de mudanças políticas em

80 sua entidade máxima de representação, a Farsul. No interior desta entidade foram criadas uma maior diversidade de comissões temáticas e pastas para assuntos específicos - tanto na pecuária, quanto na agricultura -, além de terem se ampliado o número de membros das diretorias e das assessorias e departamentos técnicos. De maneira geral, tais mudanças produziram maior complexidade interna na estrutura de organização da Farsul e contribuíram para que a entidade pudesse abarcar diferentes setores patronais em seu interior, respondendo as demandas e pautas políticas destes atores.

Para se ter ideia deste formato, atualmente a diretoria da Farsul é composta por um cargo de presidência, um de 1ª vice-presidência, outros nove de vice-presidências, além das diretorias administrativa e financeira, que possuem dois representantes cada uma, e de outros dez cargos de suplência geral. Por fim, a diretoria é composta por três integrantes titulares e três integrantes suplentes do Conselho Fiscal. Segundo Estatuto da Farsul, todas estas estruturas responderiam, em última instância, ao Conselho de Representantes, órgão decisório máximo da entidade, que se reúne ordinariamente duas vezes ao ano, sendo formado por um representante de cada sindicato rural filiado à Farsul. O fluxograma a seguir, projeta esta estrutura de diretoria:

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