• Nenhum resultado encontrado

2. Introdução

2.3 Critérios para escolha de um Caso

Conte-me, e eu vou esquecer. Mostre-me, e eu vou lembrar. Envolva-me, e eu vou entender. - Confúcio -

O exemplo anterior do professor Kleber com o Caso "Bem-vindo a bordo!" nos dá um exemplo em que um Caso pode ser usado para diferentes objetivos, e uma coleção de Casos poderia ser útil para os professores do Ensino Médio adaptando-os às necessidades do professor e de seu grupo de alunos. Analisaremos os critérios para escolha de um Caso.

2.3.1 Relação com o currículo

Segundo Selma Wassermann (1994b, p. 52), ao elaborar ou adaptar um Caso para uma aula deve se ter em conta, em primeiro lugar, a correlação entre as "ideias importantes" do Caso e os principais temas do conteúdo que se quer ensinar. Correlação que ela considera não significar uma correspondência perfeita. Há certa flexibilidade. Um único Caso, segundo a autora, não pode nem nas circunstâncias mais favoráveis cobrir todos os temas a ser tratado em um curso, e também não é necessário que seja assim. Sugere que o Caso deve abranger pelo menos um tema, deixando a possibilidade para futuros estudos, leituras (textos, artigos), filmes, palestras e outros recursos que forneçam informação para a reflexão crítica e também através de outros Casos. Considera um Caso como um ponto de partida no estudo de um conteúdo não de chegada, acreditando que todo bom

Caso fomenta a necessidade de se saber mais. A escolha de "Bem-vindo a bordo" pelo personagem

Kleber, por exemplo, poderia ser pela relação entre conceitos importantes na Cinemática e o uso do GPS ou da bússola em mapas. O Caso poderia proporcionar que se trate com profundidade esses conceitos da Física.

Como um professor avalia se há um acordo adequado entre o Caso e a questões curriculares? Sobre essa questão Wassermann (1994b, p. 52) supõe que seja do mesmo modo como faz com qualquer outro material de apoio a sua aula. Ela afirma que professores escolhem filmes, vídeos e textos, por exemplo, que consideram relevantes para uma dada investigação, ou livros e histórias que lançam luz sobre algum aspecto de um conteúdo.

A concordância entre estes materiais suplementares não necessita ser perfeita. Os materiais são úteis, pois permitem a análise de algumas questões que o professor considera importante para o ensino que realiza durante este período. Ao tomar estas decisões, os professores usam seu bom senso, que envolve um conhecimento bem informado sobre o conteúdo, as ideias importantes e a relevância do tema (WASSERMANN, 1994b, p. 52).

2.3.2 Qualidade do relato

Outra questão colocada por Wassermann é como os professores sabem se um Caso preenche os requisitos de qualidade? Um critério importante para avaliar um texto narrativo é a qualidade da história. Wassermann (1994b, p. 52) propõe que, ao escolher um Caso, considerar a qualidade da história não é um detalhe menor. Afirma que uma história bem escrita é mais provável que desperte e mantenha o interesse dos alunos e, uma história medíocre pode por o ensino a perder. Entre outras crenças sobre o relato aponta que personagens irreais não inspiram sentimentos nem permitem que os leitores se identifiquem com eles. Um enredo irrelevante ou pouco autêntico pode inibir a reflexão. Uma trama muito complexa é de difícil entendimento.

Como alguém pode saber se um livro está bem escrito? Sua argumentação é que “o que a um cura a outro mata”, que tomamos nossas próprias decisões nestas matérias opináveis, no entanto, ela afirma que existem algumas regras de aplicação geral e propõe perguntas que pensa facilitar a análise. Será que a história prende a atenção do leitor? Será que as frases descritivas possibilitam ao leitor formar uma imagem mental das pessoas, lugares e acontecimentos? Os leitores se identificam com os personagens e sentem algo por eles? O enredo é realista?

Essas são características da boa literatura que não devem ser desconhecidas pelos professores. Propõe também que a consideração dos aspectos negativos é também um meio de se chegar a um juízo. O trabalho é trivial? É a prosa demasiado densa? Temos a visão turva durante a leitura? O argumento fica atolado em muita informação? É difícil compreender a ordem cronológica dos acontecimentos? É disparatado o relato? São estereotipados os personagens? Conclui propondo

que o professor recorra à aplicação das regras de uma boa história para distinguir entre um Caso ruim e outro bem escrito.

Naturalmente, os alunos, se solicitados, darão as suas opiniões com franqueza. Como um bom exemplo abre as portas para novos estudos, o fato de a história mobilizar os estudantes é um fator importante quando se trata de julgar a sua qualidade. Embora tenha recebido um prêmio literário e mereça a aprovação do professor se a história não estimular o interesse e, portanto, a necessidade de conhecer, aos alunos não terá cumprido sua função primária (WASSERMANN, 1994b, p. 54).

2.3.3 Legibilidade

Wassermann indica que, especialmente quando se trabalha com alunos que frequentam o ensino médio ou que não tenham um bom domínio da língua falada e escrita, a leitura é outro fator a levar em conta na escolha dos Casos.

Além de considerar a qualidade, os professores devem tomar decisões baseadas na sua percepção da capacidade de seus alunos para entender a linguagem, vocabulário e decifrar o sentido do que leem. Os alunos que não conseguem ler as palavras estarão completamente cegos. Aqueles que conseguem decodificar, mas por causa de sua experiência com a linguagem não entendem plenamente as orações e as ideias, podem não obter os ganhos esperados no Caso, mesmo que este esteja bem escrito. Os Casos, portanto, devem ser escolhidos tendo em mente a leitura. Os professores podem julgar melhor do que ninguém se um Caso está ao alcance do nível de leitura e compreensão de seus alunos, e eles devem encontrar algum Caso médio entre os Casos muito difíceis e aqueles que incentivam os alunos a alcançar níveis mais elevados de desenvolvimento e aprendizado (WASSERMANN, 1994b, p. 54).

2.3.4 Sentimentos intensos

Outra característica apontada por Wassermann é que a maioria dos Casos causa um impacto emotivo no leitor, e não é um elemento acessório da história. Segundo a autora, as histórias são construídas de modo a produzir o impacto mencionado, e apresenta alguns Casos que são exemplares neste aspecto, como "O caso da injustiça no nosso tempo" (CHAMBERS e STEVE, 1991), que narra o episódio de uma família canadense de imigrantes japoneses que são retirados à força de sua casa como criminosos, enquanto os seus vizinhos gritam a plenos pulmões "Japoneses, saiam daqui!". No Caso "Barry" (WASSERMANN, 1993), há uma criança que não sabia contar, e

atribuir-lhe uma nota mais alta, com a esperança de que assim irá melhorar sua imagem sobre si mesma. Em outro Caso, denominado "Me senti como se meu mundo desabasse" (HANSEN, RENJILIAN-BURGY; et al., 1987), o professor se enfurece quando um aluno expressa abertamente seu racismo em relação a um estudante latino-americano. Estes e outros Casos podem provocar as paixões considerando que um mínimo de alunos permanece indiferente a tais dilemas humanos. “A capacidade de um Caso para impactar está intimamente relacionada à sua capacidade de despertar o interesse dos alunos pelo conteúdo” (WASSERMANN, 1994b, p. 55).

Embora a exaltação do sentimento seja interpretada como preconceito ou parcialidade, afirma que a defesa apaixonada de um aluno por um personagem em um Caso não constitui um argumento a favor ou contra algo. “O propósito do drama da história é despertar sentimentos nos alunos como ira, raiva, compaixão, preocupação, e assim dar mais vida a fatos e conceitos "frios" que geralmente não produzem tanta emoção” (WASSERMANN, 1994b, p. 55). Desse modo sugere que em vez de estudar a Segunda Guerra Mundial como uma lista de nomes, datas, lugares e estatísticas, os alunos a considerem a partir de uma perspectiva humana, procurem saber o que aconteceu com as pessoas naquele momento da história. Assim, afirma que os alunos aprendem a ler Casos com maior interesse. História, economia, geografia, biologia e matemática tornam-se mais significativos, o ensino se torna associado à experiência humana cotidiana dos alunos e não indiferente a ela.

É claro que o fundo emotivo do Caso não deve ser usado como propaganda, induzindo os alunos a adotar um ponto de vista particular. Embora os Casos aparentem ter uma orientação particular, as questões de ordem superior e a neutralidade do professor durante o debate constituem um esforço por garantir que todos os pontos de vista serão considerados com respeito, de maneira crítica e reflexiva. Os alunos devem ter "oportunidades iguais" para examinar os problemas de pontos de vista diversos; sem coerção, sutis ou óbvias exercidas sobre eles para adotar o ponto de vista das autoridades. Os Casos por melhores que sejam como outras boas ferramentas para o ensino podem ser mal utilizadas. Mas, se bem utilizada, afirma a autora, sua carga emotiva tem grande potencial para despertar o interesse dos alunos e para motivá-los em relação ao conteúdo (WASSERMANN, 1994b, p. 56).

2.3.5 Acentuação do dilema

Um Caso que conduza a uma única solução pode ser visto como um editorial de um jornal que recomenda certo modo de ser ou fazer as coisas. Um Caso como este iria contra a discussão aberta ou a diversidade de opiniões. Os estudantes saberiam que consenso se espera deles. Os Casos que terminam com um dilema incentivam uma discussão aberta. Só podemos saber "o que fazer" ou "qual é o caminho correto", depois de ter refletido, ponderado e examinado os problemas em toda a sua complexidade, reunindo mais dados. Pode muito bem ser o dilema, portanto, que alerte os estudantes sobre a complexidade das questões e os afaste da resposta única e simplista que domina boa parte das discussões em uma aula. Se os Casos geram a necessidade de saber, é o dilema que conclui o Caso que, como um ímã, pode atrair os alunos para o exame das questões em pauta (WASSERMANN, 1994b, p. 56).

O dilema, quando o há, pede um posicionamento, ser a favor de uma solução em detrimento de outra. Podendo se apresentar um que dê competição entre grupos e alunos com posições antagônicas, ambas defensáveis.

[...] uma característica dos bons Casos é a sensação inquietante de ‘assunto inacabado’ que promove. Um bom Caso não apresenta uma solução final satisfatória, ao contrário das telenovelas, mas questionamentos inquietantes. A narrativa do Caso progride para um clímax que acentua o dilema (WASSERMANN, 1994b, p. 56).

A autora afirma que esta característica pode promover a participação ativa dos alunos no estudo das questões que o Caso apresenta. Ela argumenta que a dissonância cognitiva pode sustentar a aprendizagem dos alunos até que encontrem uma maneira de resolver o dilema e que este processo cognitivo requer uma reflexão por parte dos alunos.

Esta argumentação me remete a Bachelard (1996), quando diz que todo conhecimento é a resposta a uma pergunta. As questões em pauta no Caso poderiam promover a aprendizagem de novos conhecimentos.

Em síntese, o que Wassermann sugere ao professor que se propõe escolher um Caso éque avalie sua adequação (ou seja, a relação do Caso com os conteúdos do curso), a qualidade da história narrada, a legibilidade e o potencial do Caso para suscitar opiniões sobre os problemas em pauta e provocar discussão sobre o dilema.