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Critérios de solução dos conflitos entre direitos dos animais e liberdade

Conforme estudado nos capítulos anteriores, muito misticismo cerca a prática de sacralização de animais em cultos religiosos. Boa parte desse misticismo decorre de pessoas que desconhecem e tem preconceito com essas práticas. No Brasil religiões de matriz africana sofrem com diversas tentativas de proibir seus rituais por alegações de crueldade contra os animais. Para sustentar esses argumentos são utilizados os direitos dos animais como fundamento para proibir tais práticas.

Não é recente nem restrito ao âmbito nacional a discussão sobre a legalidade do sacrifício animal em cultos religiosos. Diversos países já passaram por esses debates e inclusive alguns já promoveram a proibição de abates ritualísticos. Costa (2019) cita países como a Bélgica, Luxemburgo, Noruega, Suécia, Suíça e Dinamarca que proibiram os abates. No caso da Dinamarca, por exemplo, a justificativa dada pelo ministro da Agricultura e Alimentos, Dan Jørgensen, para proibir tais atos, é de que os direitos dos animais viriam antes da liberdade de religião. Porém, tal medida adotada pelo governo dinamarquês foi considerada antissemita e xenofóbica, já que atingiria principalmente judeus e muçulmanos com os abates halal e kosher. Isso foi considerada uma interferência na liberdade religiosa do país e dividiu opiniões.

Ainda segundo Costa (2019), a questão sobre abate religioso é séria e coloca em questão direitos e segmentos sociais distintos. Nesse contexto, o assunto foi recentemente debatido pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 494.601 (333), que teve repercussão geral conhecida, por tratar-se de questão constitucional. A matéria teve origem na Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 70010129690. O RE mencionado fora interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do referido estado, que discutiu a validação da Lei n. 12.131, de 22 de julho de 2004, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 2º da Lei n. 11.915, de 21 de maio de 2003, que institui o Código Estadual de Proteção aos Animais, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, que permite o sacrifício de animais em liturgias e cultos de religiões de matriz africana.

Tal Código Estadual de Proteção dos Animais (RS) foi de iniciativa do Deputado Pastor Manoel Maria Dos Santos, do Estado do RS. Ocorre que por conta da redação do código, algumas liturgias suscitaram riscos para suas práticas de imolação1, em especial as afro-brasileiras. Por conta disso, O estado do Rio Grande

do Sul elegeu o mecanismo da ADI como instrumento apto a debater a questão ligada à liberdade de culto. Por meio da ADI, o Procurador-Geral de Justiça requereu a inconstitucionalidade do art.2º da Lei 11.915/2003. Observe o artigo em comento e objeto da ADI:

Art. 2º - É vedado:

I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência;

II - manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade;

III - obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força;

IV - não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo;

1Costa (2019) explica que a imolação animal é o sacrifício de animais em rituais religiosos. Esse sacrifício pode

se dar de diversas formas, sendo a mais comum o degolamento. Algumas religiões têm métodos próprios de imolação, como é o caso do método Halal dos muçulmanos .

V - exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal;

VI - enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem; VII - sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde - OMS -, nos programas de profilaxia da raiva. (RIO GRANDE DO SUL, 2003).

Costa (2019) diz que por meio da leitura de tal artigo, percebe-se que não existe nenhuma permissiva legislativa para a prática de imolação, uma vez que não existem exceções que possibilitem o sacrifício de animais por motivos religiosos. Por esse motivo, surgiu em 2004 a Ação Direta de Inconstitucionalidade 70010129690 (TJ/RS) que impôs o enfrentamento da matéria, em busca da razão pública.

Sobre o tema, Rafael Henrique Ferreira Caixeta (2008), entende que esse texto da lei seria muito prejudicial para as religiões que praticam rituais sacramentais, já que tirar a liberdade de culto, que é parte intrínseca da liberdade religiosa, ensejaria numa violação a um direito fundamental previsto na constituição.

Olvida-se, assim, que a liberdade de culto é parte vinculada à liberdade de crença, e que a liberdade religiosa é formada pela junção das duas. A exclusão de uma (no caso, da liberdade de culto, exteriorizada no sacrifício animal dos ritos litúrgicos das religiões afro-brasileiras) acarreta invariavelmente na descaracterização da liberdade religiosa, e numa violação a um direito fundamental previsto na Constituição. (Caixeta, 2008, p. 39).

Entre 2004, ano de propositura da ADI, e 2005, ano de julgamento da ADI pelo pleno, o estado do Rio Grande do Sul editou a lei 12.131, de 22 de julho de 2004, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 2º da lei 11.915, de 21 de maio de 2003, com a seguinte expressão “Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana”. Além disso, foi criado o Decreto 43.252/2004, que previu que: “Para o exercício de cultos religiosos, cuja liturgia provém de religiões de matriz africana, somente poderão ser utilizados animais destinados à alimentação humana, sem utilização de recursos de crueldade para a sua morte (art.2º)”. (BRASIL,2004).

De acordo com os argumentos expostos pelo Procurador-Geral de Justiça, a Lei Estadual nº 12.131/04 seria inconstitucional formal e materialmente. No plano formal, porque a referida lei estaria de confronto com a lei federal nº 9.605/98, que possui a seguinte redação:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Dessa forma, a Lei Estadual nº 12.131/04 trata de direito penal, que é matéria de competência legislativa privativa da União. E que mesmo que não se entenda tratar-se de matéria penal, mas tão-somente de proteção à fauna, o Estado, no exercício da sua atividade normativa supletiva, não poderia desrespeitar as normas gerais editadas pela União. No plano material, o argumento seria a ocorrência de ofensa ao princípio da isonomia, ao excepcionar apenas os cultos de matriz africana.

O Tribunal pleno do Estado do Rio Grande do Sul julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade. Costa (2019) lembrando que os desembargadores entenderam que não há incompatibilidade entre a tutela dos direitos dos animais não-humanos e a liberdade religiosa, desde que o abate religioso, quando praticado, seja feito sem excessos ou crueldades, porque se assim o feito, infringiria as normas penais e ambientais, configurando a prática de maus- tratos.

Nesse sentido, vale mencionar o voto do Desembargador José Antonio Hirt Preiss:

O sacrifício de animais faz parte da ritualística dos cultos afrobrasileiros, com raízes sociológicas e religiosas. [...] Já assisti cerimônias religiosas de cultos afro-brasileiros, com matança de

animais de dois e quatro pés, aves e bodes, que são degolados, mas nunca presenciei qualquer crueldade, o que já não acontece em matadouros e frigoríficos, onde os bichos são sacrificados muitas vezes de forma desumana, sem falar nos abatedouros clandestinos. [...] Não vejo como proibir a prática de uma religião em sua plenitude de culto, apenas porque adota em seus rituais a matança de animais, que nem sempre se faz presente, apenas em determinadas ocasiões. [...] Assim sendo, encaminho o voto no sentido de que não se pode afastar dos cultos afro-brasileiros o sacrifício de animais, pois faz parte do culto e não são mortos com requintes de crueldade. (BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade: ADI 70010129690. Relator: Desembargador Araken de Assis. DJ: 18/04/2005).

Após essa decisão, o Ministério Publico Estadual do Rio Grande do Sul, interpôs Recurso Extraordinário (RE) n. 494.601 (333), distribuído ao Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio.

O Julgamento do RE nº 494601 foi iniciado em 09 de agosto de 2018, quando foi suspenso pelo pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes. O relator Marco Aurélio votou pelo parcial provimento do Recurso Extraordinário, para conferir interpretação conforme a Constituição Federal à Lei nº 12.131/04, de forma que inclua também na exceção do art. 2º da Lei nº 11.915/03 as outras religiões que se utilizem de sacrifícios animais em seus rituais. Entretanto, o ministro Edson Fachin adiantou seu voto no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo o texto original da lei, afirmando que “se é certo que a interpretação constitucional aqui fixada estende-se às demais religiões que também adotem práticas sacrificiais, não ofende a igualdade, ao contrário, vai a seu encontro, a designação de especial proteção a religiões de culturas que, historicamente, foram estigmatizadas” (Voto do Ministro Edson Faccin, STF, Recurso Extraordinário 494.601, data de julgamento: 09/08/2018)

No dia 28 de março de 2019, ocorreu o julgamento do RE em comento, que registrou a unanimidade dos votos no sentido de admitir o sacrifício de animais não-humanos em rituais religiosos.

Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator

para o acórdão, vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio (Relator), Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que também admitiam a constitucionalidade da lei, dando-lhe interpretação conforme. Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: “É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não participaram da fixação da tese os Ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 28.03.2019. (BRASIL. Recurso Extraordinário RE n. 494601, Relator Min. Marco Aurélio. DJ:28/03/2019, grifo nosso).

Alguns pontos dos votos dos Ministros merecem reprodução e análise, como é caso do voto do relator da ação, Min. Marco Aurélio Mello:

É irracional proibir o sacrifício de animais quando diariamente a população consome carnes de animais. Além disso, é inadequado limitar a possibilidade de sacrifício de animais às religiões de matriz africana. A proteção ao exercício da liberdade religiosa deve ser linear. (BRASIL. Recurso Extraordinário RE n. 494601, Relator Min. Marco Aurélio. DJ: suspenso).

E ainda:

É necessário harmonizar a proteção da fauna com o fato de o homem ser carnívoro, ou ao menos a maioria. Revela-se desproporcional impedir todo e qualquer sacrifício religioso de animais aniquilando o exercício do direito de liberdade de crença de determinados grupos quando diariamente a população consome carnes de várias espécies. Existem situações nas quais o abate surge constitucionalmente admissível, como no estado de necessidade, para autodefesa ou para fins de alimentação. O sacrifício de animais é aceitável se, afastados os maus-tratos no abate, a carne for direcionada para consumo humano. (BRASIL. Recurso Extraordinário RE n. 494601, Relator Min. Marco Aurélio. DJ: 28/03/2019).

Nesse ponto, Costa (2019) comenta que apesar do voto do relator ter sido favorável ao abate de animais em cultos religiosos, reconhecendo como constitucional a prática de imolação, tal prática deveria ter algumas restrições com a finalidade de impedir abusos na prática de abate que poderia configurar crime de maus-tratos, além de que a carne deveria ser consumida e que a norma permissiva deveria valer para qualquer religião.

Merece menção também o voto do Ministro Alexandre de Morais, que levantou a questão da confusão existente entre a prática de imolação de animais não humanos com atos de magia negra, satanismo ou feitiçaria, em que haveria maus-tratos e tortura nos animais. O ministro ainda disse que uma construção cultural preconceituosa e racista prejudicaria a liberdade religiosa de religiões afro- brasileiras.

O ritual não pratica crueldade. Não pratica maus tratos. Várias fotos, argumentos citados por alguns amici curie (amigos da Corte), com fotos de animais mortos e jogados em estradas e viadutos, não têm nenhuma relação com o Candomblé e demais religiões de matriz africana. Houve uma confusão, comparando eventos que se denomina popularmente de magia negra com religiões tradicionais no Brasil de matriz africana. (BRASIL. Recurso Extraordinário RE n. 494601, Relator Min. Marco Aurélio. DJ: 28/03/2019).

Nesse sentido, Caixeta (2018) ressalta que existe uma intolerância religiosa muito forte que motivou a propositura do RE 494.601. Segundo o autor, foi a intolerância religiosa e não uma tentativa de assegurar os direitos dos animais que se vislumbrou no decorrer da ação. Ainda, o autor afirmou que o Projeto de Lei que originou a Lei 11.915, foi feito por um pastor pentecostal, que tentou proibir o uso de animais em qualquer "cerimônia religiosa" e "feitiço", indicando o real intuito da referida Lei estadual e ressaltando a associação preconceituosa ao demônio, aos feitiços, que é feita às religiões afro-brasileiras.

A Ministra Rosa Weber, acompanhando a posição unânime, também negou provimento ao Recurso Extraordinário em comento. A Ministra acentuou que a ressalva alusiva aos praticantes do abate, pertencentes a religiões afro-brasileiras reflete a intolerância, o preconceito e a estigmatizarão das religiões de matriz africana. “A exceção atende o objetivo que as próprias cotas raciais procuraram atingir”. (BRASIL. Recurso Extraordinário RE n. 494601, Relator Min. Marco Aurélio. DJ: 28/03/2019).

O Min. Ricardo Lewandowski entendeu que a lei gaúcha se harmoniza com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e que caso

eventualmente ocorra abusos, ai sim deveria ser abrangido pela legislação federal aplicável ao caso, como por exemplo, no caso de cometimento de algum excesso, estaria configurado o crime de maus-tratos, passível de detenção de três meses a um ano, além de multa. “Me parece evidente que quando se trata do sacrifício de animais nesses cultos afros isso faz parte da liturgia e está constitucionalmente protegido”. (BRASIL. Recurso Extraordinário RE n. 494601, Relator Min. Marco Aurélio. DJ: 28/03/2019).

O Ministro Luiz Fux também entendeu que a norma é constitucional. Já que, segundo ele, este seria o momento oportuno para o Direito declarar que não há nenhuma ilegalidade no culto e liturgias. “Com esse exemplo jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal vai dar um basta nessa caminhada de violência e de atentados cometidos contra as casas de cultos de matriz africana”. (BRASIL. Recurso Extraordinário RE n. 494601, Relator Min. Marco Aurélio. DJ: 28/03/2019).

Por ser um Recurso Extraordinário que teve repercussão geral conhecida, já que abordou direito constitucionalmente assegurado, a decisão proferida no dia 28 de março de 2019, deve ser aplicada a todos os tribunais e juízes do país em casos semelhantes. Isso porque a decisão em comento tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal, conforme se desprende do parágrafo 2º do artigo 102 da Constituição Federal brasileira e do parágrafo único do artigo 28 da Lei Federal 9.868, que trata sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

Portanto, após a análise do RE e dos pareceres do Ministros, Costa (2019) diz que o caso em comento pode ser caracterizado como um conflito entre minorias religiosas e os animais, que tem seus direitos defendidos por pessoas que estão abandonando hábitos que envolvam subjugação animal. No entanto, entende que o STF agiu da maneira correta, já que infelizmente ainda não existe um direito dos animais que evite qualquer tipo de morte causada pelo homem, o que se busca

é evitar maus tratos e abusos. Dessa forma, tudo que se tem atualmente é uma pretensão de modificação do estatuto jurídico desses seres.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise de como o direito à liberdade religiosa é tratado no ordenamento jurídico brasileiro e os conflitos gerados quando colocados diante dos direitos dos animais. Além disso, permitiu uma pesquisa sobre a recente decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil que julgou o Recurso Extraordinário (RE) 494601 que discutia a validade da Lei Estadual 12.131/2004 que pretendia autorizar, no Estado do Rio Grande do Sul, o sacrifício de animais em rituais religiosos.

O caso envolvendo liberdade religiosa e direitos dos animais chegou ao STF devido o recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP- RS) contra decisão do Tribunal de Justiça estadual (TJ-RS) que negou pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei estadual 12.131/2004. A norma introduziu dispositivo no Código Estadual de Proteção aos Animais (Lei 11.915/2003) – que veda diversos tratamentos considerados cruéis aos animais – para afastar a proibição no caso de sacrifício ritual em cultos e liturgias das religiões de matriz africana. No STF, entre outros argumentos, o MP-RS sustentou que a lei estadual trata de matéria de competência privativa da União, além de restringir a exceção às religiões de matriz africana.

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Com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no dia 28 de março de 2019, resolveu-se, em tese, o conflito, já que tal decisão tem repercussão geral e demonstrou o posicionamento dos ministros quanto ao tema. Dessa forma, mostra que existe uma obrigação de respeitar a liberdade religiosa, estritamente relacionada à proteção da dignidade inerente e inalienável da pessoa,.sob os aspectos da liberdade de crença, ou liberdade religiosa em sentido estrito, liberdade

de professar e doutrinar e liberdade de expressar e praticar aquilo que é determinado pelo credo. Esse direito constitucionalmente assegurado, compreende quaisquer atividades de prática de ritos ou rituais de caráter religioso, inclusive os considerados incomuns ou impopulares.

No entanto, esse direito constitucional não é absoluto, podendo submeter- se a restrições legais desde que necessárias para assegurar a proteção da segurança nacional, da ordem pública, da moral, dos bons costumes, das liberdades, dos direitos dos outros e da saúde. Nesse ponto, existe quem afirme que a liberdade religiosa colide com outro direito fundamental, qual seja, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Dentro deste direito fundamental estariam os direitos dos animais não-humanos englobando o direito de uma vida com dignidade.

Ocorre que apesar das inovações legislativas no decorrer dos anos, o ordenamento pátrio ainda contém um viés antropocentrista e especista, não considerando os animais como sujeitos de direitos. Foi justamente por isso que grupos que buscam tutelar os direitos dos animais, assim como o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, opuseram-se ao não provimento do Recurso Extraordinário 494,601.

Percebe-se que o debate que envolve o abate religioso de animais não- humanos é de longe de simples resolução. Qualquer norma legal tenha como objetivo a supressão de uma prática essencial a uma religião, como a imolação (para aqueles que o praticam), será necessariamente discriminatória. Conjuntamente, é impossível desconsiderar o sofrimento dos animais, não só quando objetos de sacrifício, mas quando vítimas de qualquer forma de abate, independentemente do fim a que se destinem. Impossível também não criticar o modo como as leis são construídas relativizando qualquer outra forma de vida, quando não-humana.

A título de conclusão, cabe salientar que não se pretende exaurir o tema aqui tratado, mas o que se tem ate o momento é a proteção constitucional dispensada à prática do abate religioso, confirmada pelo STF no dia 28 de março de

2019, não colide com a tutela jurídica (simbólica) dispensada aos animais não- humanos. Não comete o crime de maus-tratos quem imola animais durante rituais religiosos, desde que não extrapole os limites desta permissão. A liberdade religiosa é um direito qualificado, portanto, sua tutela constitucional é bem mais ampla, que a tutela dispensada a outros direitos. Já os animais ainda não estão na condição de sujeitos de direitos no ordenamento jurídico pátrio, apenas existe intenções para que eles ocupem o lugar de sujeitos de direitos.

Isso não exclui a ideia que deve haver uma mudança de tratamento e paradigma da consideração jurídica referente aos animais não-humanos, como também deve haver a preservação de tradições e marcas culturais e religiosas de cultos praticados por minorias históricas. Sendo que um direito não deve ser interpretado excluindo o outro.

REFERÊNCIAS

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