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A legalidade do sacrifício de animais em cultos religiosos

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

MATHIAS CAVALARI DE LIMA

A LEGALIDADE DO SACRIFÍCIO DE ANIMAIS EM CULTOS RELIGIOSOS

Ijuí (RS) 2019

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A LEGALIDADE DO SACRIFÍCIO DE ANIMAIS EM CULTOS RELIGIOSOS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador (a): MSc. Marcelo Loeblein dos Santos

Ijuí (RS) 2019

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incentivaram e me apoiaram neste momento tão importante. Em especial minha mãe e minha namorada que sempre estiveram ao meu lado.

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Estar concluindo o curso de Direito é realizar um sonho digno de muitos agradecimentos. Se finalizei esse Trabalho é porque recebi muito apoio de familiares, amigos e professores.

Primeiramente, agradeço a minha mãe, Ângela, pois seu apoio foi fundamental para que eu pudesse trilhar o caminho que escolhi. Agradeço também ao meu falecido pai, Valmir, já que suas ações em vida me possibilitaram cursar uma universidade.

Agradeço a minha namorada, Diovana, que sempre pude contar nas horas difíceis, me passando confiança e força para seguir em frente. Além de ter sido parceira e paciente o tempo todo.

Agradeço aos meus amigos, aos antigos e aos novos que a universidade me deu, por compartilharem momentos incríveis comigo.

Agradeço aos professores pelos ensinamentos, em especial ao professor Marcelo Loeblein, por aceitar participar desse trabalho, me orientando e contribuindo para sua melhoria.

Agradeço também ao Fábio Butignol, por me emprestar diversos livros sobre o meu tema e também sempre estar disposto a ajudar e tirar minhas dúvidas.

Por fim, agradeço a todos que de alguma forma, direta ou indiretamente, participaram para a elaboração desse projeto.

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O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise do surgimento do direito dos animais e as primeiras noções de liberdade religiosa, a fim de proporcionar um entendimento mais amplo sobre a legalidade do sacrifício de animais em rituais religiosos. Analisa o conceito e a evolução histórica dos direitos dos animais. Aborda a tutela legal da fauna brasileira, apontando os agentes estatais mais presentes na proteção dos animais. Estuda os aspectos materiais e processuais dos crimes praticados contra a fauna, observando as penas e o procedimento aplicado. Remonta o conceito de liberdade religiosa, suas formas de manifestação e a cronologia nas Constituições brasileiras. Investiga as formas de marginalização e preconceito contra liturgias de minorias e grupos vulneráveis, dando ênfase as religiões de matriz africana Examina os aspectos jurídicos e religiosos envolvidos no sacrifício de animais, buscando esclarecer os motivos que levam a essa prática. Finaliza analisando o Recurso Extraordinário nº 494601 que foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de admitir o sacrifício de animais nos ritos religiosos, com base na tese firmada que é constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana.

Palavras-Chave: Sacrifício de animais. Liberdade religiosa. Proteção à fauna. Crueldade contra animais.

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The present course conclusion paper analyzes the emergence of animal rights and the first notions of religious freedom in order to provide a broader understanding of the legality of animal sacrifice in religious rituals. It analyzes the concept and historical evolution of animal rights. It addresses the legal protection of the Brazilian fauna, pointing out the state agents most present in the protection of animals. It studies the material and procedural aspects of the crimes committed against the fauna, observing the penalties and the applied procedure. It goes back to the concept of religious freedom, its forms of manifestation and the chronology in the Brazilian constitutions. It investigates the forms of marginalization and prejudice against liturgies of minorities and vulnerable groups, emphasizing African-based religions. It examines the legal and religious aspects involved in animal sacrifice, seeking to clarify the reasons that lead to this practice. It concludes by analyzing Extraordinary Appeal 494601, which was judged to admit animal sacrifice in religious rites, based on the thesis that the animal protection law is constitutional, which, in order to safeguard religious freedom, allows the ritual sacrifice of animals. in cults of religions of African matrix

Keywords: Animal sacrifice. Religious freedom. Wildlife protection. Cruelty to animals.

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INTRODUÇÃO...9

1 O DIREITO DOS ANIMAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO...11

1.1 Conceito e evolução histórica dos direitos dos animais...12

1.2 A tutela legal da fauna brasileira...15

1.3 Dos aspectos materiais e processuais dos crimes contra a fauna...19

1.4 Da dignidade da pessoa humana e de outras espécies...22

2 A LIBERDADE RELIGIOSA FRENTE AO SACRIFÍCIO DE ANIMAIS EM RITUAIS ...27

2.1 Liberdade religiosa, formas de manifestação e cronologia nas constituições brasileiras...28

2.2 Marginalização e preconceito contra liturgias de minorias e grupos vulneráveis...35

2.3 O sacrifício de animais em rituais: aspectos jurídicos e religiosos...43

2.4 Critérios de solução dos conflitos entre direitos dos animais e liberdade religiosa...49

CONCLUSÃO...58

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da legalidade de práticas que sacrificam animais em cultos religiosos. A questão é problemática se assumido que a liberdade religiosa só tem sentido se ir além de ter uma crença, é necessário também poder praticá-la. No entanto, nenhum direito ou valor pode ser compreendido em seu sentido absoluto.

Esse estudo se justifica pelo fato que a temática ainda não foi exaurida com profundidade, e que também é necessário esse estudo devido a recente decisão do STF acerca do tema, que teve repercussão geral conhecida e que reconheceu ser constitucional lei que autoriza sacrifícios animais por motivo religioso.

Para a realização deste trabalho serão efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando também as propostas legislativas sobre o tema e o Recurso Extraordinário do STF, nº 494601, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo da liberdade religiosa, revelar a importância do direito dos animais e apontar novas perspectivas para a problemática do conflito de direito existente na sacralização de animais. Na sua realização será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo.

O problema a ser abordado nesse trabalho é tentar entender como harmonizar o sacrifício animal por motivos religiosos com os ideais dos protetores dos animais, que, por vezes, entendem o sacrifício religioso como um crime.

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Para isso será necessário verificar quais as leis existentes de proteção à fauna brasileira, realizando uma breve abordagem histórica destes direitos, bem como definir o princípio da liberdade religiosa e analisar a sua abrangência no ordenamento jurídico brasileiro.

Inicialmente, no primeiro capítulo, estudar-se-á a matéria concernente a história dos direitos dos animais no ordenamento jurídico brasileiro. Segue uma análise da tutela legal da fauna brasileira e os principais órgãos públicos responsáveis por tutelá-los. Também são analisados os aspectos materiais e processuais dos crimes praticados contra a fauna, bem como a dignidade da pessoa humana e de outras espécies.

No segundo capítulo analisar-se-á o direito constitucional da liberdade religiosa, suas formas de manifestação e a cronologia nas Constituições brasileiras. Também serão analisadas as formas de marginalização de preconceito contra liturgias de minorias e grupos vulneráveis, dando ênfase as religiões de matriz africana, que segundo dados obtidos são as que mais são marginalizadas no Brasil.

Estudar-se-á também os aspectos jurídicos e religiosos que permeiam o tema, buscando acabar com preconceitos e misticismos que cercam as praticas realizadas por religiões afro-brasileiras. Por fim, será feita uma análise do Recurso Extraordinário do STF, nº 494601, que entendeu ser constitucional a lei de proteção à fauna que permite a prática de sacrifício de animais por motivos religiosos.

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1 OS DIREITOS DOS ANIMAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Ao longo da história humana os animais foram desconsiderados pela humanidade, eram vistos apenas como um meio para atingir uma finalidade, sendo explorados como alimento, vestuário, transporte, entre outros. Eram apenas meros objetos de apropriação, imbuídos de valor econômico.

Entretanto, foi no século XIX, quando um naturalista britânico chamado Charles Robert Darwin publicou suas pesquisas e informou a sociedade da época que o homem também era um animal, que se deu início a discussões sobre direito dos animais.

Foi nesse mesmo século que houve um grande avanço dos direitos dos animais. Isso porque diversos países começaram a adotar legislações que protegiam à fauna e também o surgimento das primeiras sociedades de proteção animal. A França foi o primeiro Estado independente a adotar uma legislação protetiva da fauna ainda no século XIX.

Entretanto, no Brasil houve certa demora para o surgimento das primeiras legislações que visagem proteger à fauna. Isso porque no Brasil colonial o que mais interessava era a exploração dos recursos disponíveis, e os animais eram tratados como meras mercadorias. Somente com o advento do Decreto nº16.590 de 1924 que surgiu a primeira norma que tratava da proteção aos animais.

Diante disso, o presente capítulo tem por objetivo analisar o tema historicamente, ou seja, a origem dos direitos dos animais e seu avanço no sistema brasileiro, em especial na Constituição de 1988, a fim de possibilitar uma melhor compreensão das leis que protegem os animais e os motivos que levaram o Supremo Tribunal Federal a reconhecer a legalidade de sacrifícios animais em cultos religiosos.

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1.1 Conceito e evolução histórica dos direitos dos animais

Observa-se que atualmente a relação do ser humano com os animais está bastante próxima. Em alguns casos esses seres são tratados de forma tão especial que parecem um filho. Essa relação entre humanos e outros animais, apesar te ter mudado durante os séculos, não é recente, como observa Maria Izabel Vasco de Toledo (2012, p.2):

A domesticação dos animais pelo homem foi um processo gradual, que ocorreu há aproximadamente 6 mil anos, em que o homem, ao oferecer alimento e proteção aos não humanos, em troca passou a explorá-los como alimento, vestuário, transporte, etc, sendo tratados como meros objetos de apropriação, imbuídos de valor econômico. Essa relação foi se aprofundando com o decorrer dos anos, sendo o Direito utilizado para regulamentar essa relação. De acordo com as palavras de Thiago Pires Oliveira e Luciano Rocha Santana (2006) o Direito Romano tratava dos animais conforme o fim econômico destinado a eles, diferenciando os animais que eram passíveis de apropriação, como os de carga e domésticos, e os que não eram passíveis de apropriação, como era o caso dos animais silvestres. Após, ainda no Direito Romano, houve uma mudança na classificação dos animais no ordenamento jurídico da época, sendo que agora eram tidos como bens móveis e semoventes, diferenciados entre os animais sem um proprietário e os que eram abandonados por seus proprietários.

Já na era medieval parece ter tido um declínio na conceituação animal no direito, pois naquela época era possível que um animal tivesse capacidade para fazer parte da relação processual, podendo figurar no polo ativo ou passivo de uma ação, mas é claro que o mais comum era figurar como parte ré. Isso era possível devido aos processos cíveis que buscavam indenização por causa de danos patrimoniais causados pelos animais e também em processos criminais em que o animal era sentenciado e cumpria pena junto com seres humanos. Nesse sentido, Marco Antônio Azkoul (1995, p.27, apud SANTANA; OLIVEIRA, 2006, p.11), explica que:

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Durante a época dos bárbaros os animais foram incluídos na relação de direitos comuns, a qual sempre regulou as relações de pessoas na atualidade. Sendo certo que o animal na atualidade é irresponsável pelos próprios atos, respondendo por eles aqueles titulares que têm sob sua guarda o referido animal. A contra senso, antigamente, caso o animal cometesse uma falta devia ser punido; no entanto, eram-lhes reconhecidos direitos legais de serem assistidos por advogados e todos os meios de provas admitidas. Essa foi a era de regressão dos direitos dos animais. Após esse período demorou anos até que existisse preocupação com a dignidade do animal. Até então, tudo o que o direito regulamentava não tinha ligação com a dignidade animal, somente importava o valor econômico envolvido. No entendimento de Jane Justine Maschio (2005), foi somente na Era moderna que se buscou proteger a fauna e houve interesse na proteção da dignidade animal. Algumas legislações de pequenas colônias que datam os anos 1.600 visavam proteger o abuso contra os animas, tanto domésticos quanto selvagens, como é o caso do Código Legal de 1641 da Colônia de Massachussets Bay, localizada no atual Estados Unidos da América, a qual previa, de forma pioneira, algumas formas de proteção de animais domésticos contra atos cruéis. Essa talvez seja a primeira legislação que teve como objetivo proteger os direitos dos animais.

A França foi o primeiro Estado independente a adotar uma legislação protetiva da fauna, já que em seu código penal de 1971 que tipificava o envenenamento de animais pertencentes a terceiros e vedando os atentados a bestas e cães de guarda que se encontrassem em propriedade alheia. Mas como observa Santana e Oliveira (2006), foi somente em 1822 que surgiu a primeira lei específica, na Grã-Bretanha, que visava impedir as lutas entre touros e cães e vetava os maus tratos aos cavalos.

No século XIX houve um grande avanço na legislação que tratava dos animais, isso porque surge a primeira sociedade de proteção aos animais. Sobre o tema, Natascha Stefania Carvalho de Ostos (2017, p.1) informa que “Na esteira da luta em defesa dos animais, foi criada, no ano de 1824, em Londres, a Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals.” A partir de então, postos da entidade

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inglesa e sociedades congêneres foram criados por toda a Europa e nos Estados Unidos”. A partir do surgimento desta sociedade, outras foram surgindo no decorrer dos anos. Nesse momento, legislações em diversos países começaram a aparecer buscando a proteção dos animais, como é o caso das legislações protetoras dos animais no Império da Áustria, em 1855, punindo quem maltratasse animais em público e na Hungria, em 1879, com a promulgação da Lei Fundamental XI, que, em seu § 86, previa a prisão e multa daquele que maltratasse animais.

No Brasil colônia não houve nenhum surgimento de legislação com a finalidade de proteção a fauna, de acordo com Santana e Oliveira (2006, p.17) “No Brasil, diferentemente da antiga colônia de povoamento de Massachussets Bay, atual EUA, o sistema de exploração colonial não favoreceu o surgimento de quaisquer preocupações com o bem-estar ou dignidade dos animais” Isso porque naquela época ainda era comum a escravidão de negros e índios, que, da mesma forma que animais, eram tratados como simples mercadoria, dotados de valor econômico. Desta forma, as únicas legislações que tratavam dos animais na época tinham como finalidade proteção contra escassezes que pudesse prejudicar a exploração abusiva de alguns animais.

Foi em 1978 que os direitos dos animais ganharam mais força com a Declaração Universal dos Diretos dos Animais, proclamada em Bruxelas, Bélgica, sendo tal declaração reconhecida pela UNESCO (2019, p.1). Esse documento elenca uma série de dispositivos que orientam a proteção aos animais. Vale citar o seu preâmbulo que considera diversos pontos, tais como:

Considerando que todo o animal possui direitos, Considerando que o desconhecimento e o desprezo destes direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza, Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui  o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo, Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há

o perigo de continuar a perpetrar outros. Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante, Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais.

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Com essas considerações, é declarado ainda que:

Art. 1º - Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência. Art. 2º 1. Todo o animal tem o direito a ser respeitado. 2. O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais. 3. Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem. Art. 3º 1. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2. Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia (…) Art. 14º 1. Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar presentados a nível governamental. 2. Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem (UNESCO, 2019).

Como se observa na própria Declaração Universal dos Direitos dos Animais, a fauna passou a deixar de ser vista como mera mercadoria ou propriedade, passando então a reconhecer a dignidade dos animais. A partir desse momento se fortalece a legislação protetiva da fauna, cujo o texto da referida declaração seria norteador do Direito Ambiental no século XXI. Nesse meio, houve uma atenção maior nas normas que proibissem práticas consideradas abusivas e crueldade com os animais.

1.2 A tutela legal da fauna brasileira

Mesmo com o grande avanço da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, o Brasil não assinou o acordo e esta serviu apenas como direito comparado. Dessa forma, demorou para que surgissem as primeiras normas brasileiras de proteção animal. Foi somente no século XX com a publicação do Decreto federal nº24.645/34 que os maus tratos contra os animais se tornou uma contravenção penal.

No ano de 1941 surgiu o Decreto-Lei 3.688, que passou a considerar como infração penal, com previsão prisão simples de dez dias a um mês, além de multa, as crueldades contra os animais. Nos anos seguintes, surgiram diversas

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legislações no Brasil que tinham como finalidade proteger a fauna, Entre as leis federais que estabeleceram relação, direta ou indireta, com a tutela dos animais, pode-se citar as seguintes: Lei n. 4.771/65 (Código Florestal), Lei n. 5.197/67 (Lei de Proteção à Fauna), Decreto n. 221/67 (Código de Pesca, complementado pela Lei 7.679/88), Lei n. 7.173/83 (Jardins Zoológicos), Lei n. 8.974/95 (Engenharia Genética), além das Leis n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) e Lei 7.347/85 (Ação Civil Pública), que deu ao Ministério Público a função de guardião da natureza.

Mas foi a partir da Carta Magna de 1988 que houve uma maior relevância jurídica nas normas protetoras da fauna brasileira, isso porque em nenhuma outra constituição do Brasil se deu maior atenção ao assunto, como bem assevera Daiane Fernandes Baratela (2015, p.110):

As Constituições brasileiras anteriores à de 1988 não demonstraram uma clara preocupação com a tutela da fauna, reflexo disso é que essa expressão não apareceu nos textos constitucionais de 1824 e 1891. Nas constituições seguintes, a matéria só é referida pra determinar a competência legislativa sobre as florestas, caça e pesca, que era privativa da União. Dessa forma, a proteção da fauna e da flora e a eliminação de práticas atentatórias a sua função ecológica ou que impliquem em crueldade contra animais só aparece, com valor jurídico de relevância constitucional, a partir de Carta magna de 1988.

Nessa Constituição, surgiram dois artigos de grande importância na proteção dos animais, são os artigos 23°, VII, da CF que estabelece a preservação da fauna e da flora, e o artigo 225°, caput, parágrafo 1°,VII, da CF que inclui a proteção da fauna e da flora como meio de assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente equilibrado, vedando práticas que coloquem em risco, submetam animais à crueldade ou provoquem extinção da espécie.

Daiane Fernandes Baratela (2015) aponta o artigo 225 da Carta Magna brasileira como inovador ao tratar da proteção da fauna, isso porque tratou de forma ampla que abrangeu três vertentes de proteção que são: a) proibição de práticas que coloquem em risco a função ecológica d a fauna; b) proibição de práticas que

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provoquem a extinção das espécies e c) proibição de toda forma de prática que submeta os animais à crueldade.

Portanto, vê-se que os animais possuem seus direitos e garantias positivados no âmbito administrativo e judicial, não sendo meras “coisas”, nesse ponto, Edna Dias ( 2005, p. 120 ) assevera que:

O animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Um dos argumentos mais comuns para a defesa desta concepção é o de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. Embora não tenham capacidade de comparecer em Juízo para pleiteá-los, o Poder Público e a coletividade receberam a incumbência constitucional de sua proteção. O Ministério Público recebeu a competência legal expressa para representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Daí, pode-se concluir com clareza que os animais são sujeitos de direitos, embora esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas.

Diversos órgãos estatais e não estatais que tutelam os direitos dos animais no Brasil. O mais atuante e conhecido agente estatal que protege a fauna brasileira é o Ministério público. A Constituição de 1988 deu ao Ministério Público o perfil acusatório e protetor dos interesses sócias. Como o Ministério Público pode atuar como agente e substituir a parte interessada, é bastante comum ver esse órgão atuando em defesa do meio ambiente e da causa animal, principalmente em casos de denúncias de maus-tratos. A esse respeito, Nogueira (2012, p.333) declara que:

O Ministério Público, quando se trata de relações indisponíveis ou de ordem pública, pode atuar como agente, com total legitimidade ativa para substituir a parte interessada. Atua dessa forma como substituto processual em decorrência da possibilidade em suprir a inércia do titular, fazendo valer em juízo a decisão sobre o direito subjetivo

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individual alheio, interesse público ou individual próprio do Ministério público. São inúmeras as atuações do Parquet na defesa do meio ambiente e especificamente da causa animal, denúncias de maus-tratos no uso de animais em atividades de diversão e esporte, captura de animais de rua (castração, vacinação e sacrifício), fiscalização de instituições científicas e de ensino, no intuito de evitar sofrimento animal, e coação aos alunos que apresentam objeção de consciência em procedimentos de vivissecção, dentro outros.

No entanto, existem ainda diversas leis que autorizam a submissão de animais à crueldade, exemplos destas são a Lei dos Rodeios (Lei nº10.519/02), a Lei dos Zoológicos(Lei nº7.173/ 83) , a Lei da Vivissecção (Lei nº11.894/08), a Lei do Abate Humanitário, o Código da Caça e Pesca (Lei nº11.959/09 e nº5.197/67) e a Lei Arouca (Lei nº11.794/08).Ou seja, na prática diversos animais sofrem todos os dias em matadouros, criações industriais, experiências científicas que causam queimaduras, degolamentos, castrações sem anestesias, explorações para gerar alimentação, divertimento, vestuário e experimentos científicos. Tudo isso legalmente por meio das leis infraconstitucionais vigentes no Brasil.

Diante de tantas leis que submetem os animais à crueldade e considerando a falta de definição para a caracterização de "crueldade", "abuso" e "maus tratos" aos animais na legislação, surge a Resolução nº 1.236 de 26 de outubro de 2018, que tem como objetivo definir e caracterizar os termos acima citados. Essa Resolução foi elaborada pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária com o propósito de orientar a conduta de médicos veterinários e zootecnistas. Essa resolução caracteriza crueldade, abuso e maus tratos da seguinte maneira:

Art. 2º Para os fins desta Resolução, devem ser consideradas as seguintes definições:

I - animais vertebrados: o conjunto de indivíduos pertencentes ao reino animal, filo dos Cordados, subfilo dos Vertebrados, incluindo indivíduos de quaisquer espécies domésticas, domesticadas ou silvestres, nativas ou exóticas;

II - maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais;

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III - crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus tratos continuamente aos animais;

IV - abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual;

Observava-se que foi necessário um órgão de classe elaborar uma resolução caracterizando o que já deveria ter sido feito pelo legislador. A lei omissa quanto ao reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos está sendo suprida pelo Ministério Público que tem legitimidade para atuar como parte. Como ainda é bastante comum crimes contra a fauna, passa-se a estudar a tipificação legal desses crimes, como são punidos e quem detém a competência para julgá-los.

1.3. Dos aspectos materiais e processuais dos crimes contra a fauna

Anelise Grehs Stifelman (2007) explica que antes do surgimento da Lei nº 9.605/98, estava o direito penal ambiental disperso em diferentes leis, sendo que isso proporcionava a impunidade de muitas condutas reprováveis, além disso grande parte das infrações penais ambientais eram consideradas contravenções penais e por esse motivo eram excluídas da competência da Justiça Federal pelo art.109, inciso IV, da Constituição Federal de 1988.

Nesse ponto, vale apontar o conteúdo da Súmula nº 38 do Superior Tribunal de Justiça:

Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades.

Com o advento da Lei nº 9.605/98, surgiram alterações na tipificação penal das condutas, sendo que situações que antes eram consideradas meras contravenções penais, passaram a ser tratadas como crimes contra o meio ambiente.

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Após deixar de ser uma contravenção penal os crimes praticados contra a fauna, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que seria de competência da Justiça Estadual processar e julgar os crimes contra os animais, já que na nova lei não existia uma previsão expressa de qual seria a Justiça competente para julgamento de tais delitos. Dessa forma, se fez valer a regra da competência residual da Justiça Estadual, visto que a proteção ao meio ambiente é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme artigo 23, incisos VI e VII da Constituição Federal de 1988.

No entanto, conforme lembra Stifelman (2007), é da competência da Justiça Federal o processo e julgamento dos crimes contra o meio ambiente quando estes importarem em lesão a bens, serviços ou interesse da União, suas autarquias ou empresas públicas federais, incidindo, neste caso, a regra disposta no artigo 109, inciso IV, da atual Carta Magna. Dessa forma, no aspecto processual, pode-se dizer que em regra a competência é da Justiça Estadual para processar e julgar crimes contra a fauna, mas, dependendo do caso, pode ser a competência da Justiça Federal.

Mais um fato processual interessante, é que quase todos os crimes praticados contra a fauna acabam sendo julgados nos Juizados Especiais Criminais, criados pela Lei nº 9.099/95 e pela Lei nº 10.259/01. Por esse motivo, é possível que sejam aplicados os benefícios que os Juizados Especiais Criminais proporcionam, como transação penal, suspensão condicional do processo e reparação civil.

Quanto ao aspecto material penal, os crimes contra a fauna estão essencialmente previstos nos arts. 29 a 35 da Lei 9.605/98. Dentre os crimes tipificados, encontra-se o artigo 32, que, em especial, é o mais importante para este trabalho. Diz o referido artigo que:

Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

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§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Conforme bem observa Marcelo Robis Francisco Nassaro (2016), o art. 32, caput, é um tipo penal complexo, com muitas condutas contidas nesse mesmo tipo. O ato de abuso é uma conduta que, de regra, contém maior complicação de definição, ao contrário de ferir e mutilar, que são mais fáceis de identificar e, desta maneira, mais simples de serem constatados. Quanto aos maus-tratos, no momento não existe um rol taxativo de definição, e também seria muito difícil colocar em uma única definição todas as condutas que são capazes de indicar maus-tratos aos animais. Dessa forma, parece que no momento é escolha do legislador deixar o conceito em aberto e permitir a apreciação de cada situação concreta.

Ainda no entendimento de Nassaro (2016) os ferimentos e mutilações nos animais costumam resultar visíveis e permitem aos agentes públicos e pessoas denunciantes o reconhecimento preliminar dos maus-tratos aos animais. Mesmo sendo necessário a legal expedição de parecer ou laudo de profissional, ou perícia do órgão competente estatal, por serem os ferimentos, em regra, visíveis, já possibilitam um convencimento preliminar que possibilita aos agentes públicos tomar medidas urgentes.

Já o abuso, por vezes, é conduta mais complexa que costuma não ser tão fácil de ser identificada por um profissional habilitado. O abuso pode ser concebido como uma conduta que impõe ao animal uma posição que não respeite a sua condição. Como exemplo, é possível citar a situação que um cavalo é obrigado a puxar uma carroça com peso além de suas forças. Nesses casos, parecer ser necessário submeter cada um dos casos aos profissionais habilitados para que avaliem a existência de abuso e possibilitem a aplicação das sanções respectivas.

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Quanto aos maus-tratos em si, o texto do caput do art. 32 transmite que seria uma ação específica, no entanto, no caso concreto, acabará por se subsumir ao tipo caso não se enquadrar como abusar, ferir ou mutilar.

Para Nassaro (2016), um caso bem corriqueiro de maus-tratos é a denúncia de animal sem alimento em certa residência. Uma vez caracterizada essa situação, deve-se reconhecer o delito do art. 32, da Lei nº 9.605/98 na conduta maus-tratos. É inclusive o que está mencionado no inc. V do art. 3º do Decreto federal nº 24.645, de 1934, com a seguinte redação: “Abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária”.

Similarmente comete o crime de maus-tratos aquele que condiciona animal em lugar impróprio, sem higiene, espaço e luz solar, dentre outras situações que impedem que ele tenha qualidade mínima de vida. Por bem, tais constatações demandam necessariamente verificação de profissional habilitado.

Já o § 1º do art. 32 está voltado às instituições de pesquisa e ensino, indicando-lhes a obrigação de modernidade de suas técnicas, a propósito de diminuir ou impossibilitar o emprego de animais vivos como cobaias em testes e experiências ou perante aulas que exijam entendimento do funcionamento dos organismos vivos da natureza.

Percebe-se que caracterizar os crimes previstos no artigo 32 Lei 9.605/98 nem sempre é fácil, dependendo inclusive de avaliação de profissional da área. Com isso, muitas vezes os crimes cometidos acabam por não serem punidos, e outros são permitidos para atender alguma necessidade humana, como, por exemplo, a indústria alimentícia de ovos que é considerada uma das mais cruéis do mundo.

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Ana Flávia Damasceno Nogueira (2012) considera que o princípio da dignidade da pessoa humana nos identifica em um espaço de integralidade moral, sendo que “a dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores de espírito como as condições materiais de subsistência.” Para Nogueira, a dignidade está ligada à eticidade, sendo esse um modo ético de ver a si e ao outro. Dessa forma, a dignidade cria um rol de direito e deveres que tem como base o respeito a outrem.

Na Constituição Federal brasileira de 1988, o inciso III, do artigo 1º , verifica-se que a dignidade da pessoa humana é elevada à condições de princípio constitucional fundamental do Estado. O surgimento desse princípio foi posto com o objetivo de dar mais ênfase à proteção do ser humano e deve ser entendido como meio de repressão às injustiças sociais, em especial aos mais pobres, que muitas vezes não são tratados como um objeto. Esse princípio é irrenunciável e se manifesta de forma igualitária, como bem explica Nogueira (2012, p. 294):

O princípio se manifesta de forma igualitária a todo ser humano, portanto é universal. Impõe limites ao poder estatal (direitos fundamentais negativos), assegurando que nenhum ser humano possa ser tratado como objeto, tendo seus direitos violados. Ao mesmo tempo, assegura prestações positivas por parte do Estado, de modo a garantir um patamar mínimo de recursos que possa prover a subsistência de qualquer pessoa, garantindo-lhe situações fáticas e jurídicas imprescindíveis à sua existência.

Ve-se, portanto, que a dignidade humana e as condições materiais de existência tem um mínimo que não pode retroceder, sendo que o Estado deve atender a este mínimo mesmo para quem está com direitos suspensos ou condicionados como é o caso dos presidiários.

Nogueira (2012) entende que a dignidade humana não é um conceito jurídico puro, mas sim filosófico e histórico que surgiu de acordo com a problematização trazida pela contemporaneidade da bioética, que engloba uma dimensão biológica e ecológica. Por esse motivo, a dogmática jurídica contemporânea, por meio da dimensão da solidariedade, deu um valor elástico ao

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princípio da dignidade, tornando este princípio para além da humanidade. Foi englobado por esse princípio a dimensão ecológica e incluiu a vida como um todo.

A vida não é um atributo apenas humano, mas sim de todos os seres vivos. Portanto, a dignidade humana precisa corresponder ao fato de que o indivíduo não vive somente em um ambiente social, mas também em um ambiente natural, assim o indivíduo deve respeitar não somente o valor intrínseco dos seres humanos, mas sim respeitar o valor intrínseco de todos os outros seres que compõem esse meio ambiente natural, como animais e plantas.

Entretanto, o legislador brasileiro, mesmo com os grandes avanços da carta magna de 1988, não estabeleceu um liame entre dignidade e vida além da pessoa humana. Para Nogueira (2012) “Sempre que alguém lê o texto constitucional que refere-se à dignidade, o intérprete pode entender ser este, um atributo somente humano.” Mas não é dessa maneira que deve ser interpretada a carta magna, isso porque no artigo 225, caput, diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” e no inciso VII, § 1º do referido artigo diz que são proibidos os maus-tratos aos animais. Assim, percebe-se que de certa forma foi reconhecido que a vida, mesmo que não humana, deve ser respeitada e tratada com dignidade.

Nessa lógica, surgem casos em que se busca proteger a dignidade animal por meio das garantias constitucionais. O habeas corpus é a mais famosa das garantias constitucionais da tutela de liberdade, é considerado um direito fundamental e o texto constitucional utiliza o vocábulo “alguém” para indicar o sujeito. Surgiram então discussões sobre a possibilidade dos animais terem personalidade jurídica e para estar em juízo, sendo reconhecidos como “alguém” para serem titulares de direitos fundamentais.

Em 2017, na Argentina, se reconheceu Habeas Corpus para uma Chimpanzé chamada Cecilia que vivia no zoológico de Mendoza. O pedido foi feito por uma ONG argentina à justiça do país sob o argumento que o chimpanzé é um

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sujeito de direito e não um objeto, e que o Cecilia se encontrava em condições de cativeiro muito ruins no zoológico que vivia. Após o reconhecimento do HC, Cecilia foi transferida para morar no Santuário dos Grande Primatas, em Sorocaba no Brasil.

Já no Brasil, em 2010, em caso semelhante com um chimpanzé chamado Jimmy, a história foi diferente. No Habeas Corpus que possuía 30 impetrantes, entre eles, ONGs, entidades protetoras de animais e pessoas físicas, foi pedida a remoção do chimpanzé para um santuário de primatas no Estado de São Paulo, perante a argumentação de que o animal necessita de espaço e da companhia de sua espécie. De acordo com o grupo, Jimmy viveria solitário há anos em uma pequena jaula no jardim zoológico de Niterói.

Por unanimidade de votos, disponível no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sob o nº 0002637-70.2010.8.19.0000, a 2ª câmara Criminal do TJ/RJ, sem resolução do mérito, não reconheceu o HC impetrado em favor do chimpanzé Jimmy. O desembargador José Muiños Piñeiro Filho foi o relator do caso, e na opinião dele, a lei determina que o HC unicamente é cabível para seres humanos e não para animais.

Ao longo do julgamento, o desembargador disse que pesquisou bastante sobre o tema e que, apesar de estudos concluírem que o chimpanzé é o parente mais próximo do homem, com 99,4% do DNA idênticos ao do ser humano, o mesmo não pode ser considerado como pessoa, ou seja, um sujeito de direito.

O desembargador observou também que:

O que cabe aqui é saber se o constituinte de 1988 quis permitir que um HC fosse possível ter como paciente um animal. O art. 5º da CF/ 88 só se refere à pessoa humana. Será que os animais não teriam qualquer proteção jurídica? Por isso, acho que a hipótese teria que vir em uma ação civil pública, por exemplo, porque aí sim se poderia fazer um juízo de cognição, se poderia até questionar eventualmente a inconstitucionalidade da legislação.

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Nos dois casos citados anteriormente, o principal argumento para a impetração de habeas corpus não é uma prisão ilegal, mas sim uma preocupação com a dignidade animal, com respeito ao mínimo que precisa para viver, assegurando que o mesmo não seja tratado como objeto. Por mais que ainda não exista casos de concessão de HC para animais no Brasil, é possível perceber que existe preocupação com a dignidade dos mesmos.

No meio disso, surge a polêmica do sacrifício de animais em cultos religiosos. Tanto a liberdade religiosa quanto a proteção à fauna tratam de assuntos ligados à dignidade. Parece, no entanto, que a dignidade da pessoa humana se sobrepõe ao reconhecimento da dignidade animal. Isso porque o Supremo Tribunal Federal reconheceu ser constitucional lei de proteção animal que autoriza o sacrifício de animais por motivos religiosos.

Como visto, a liberdade religiosa é capaz de abrir exceções em leis que visam a proteção animal. Isso ocorre porque é um direito fundamental assegurado pela Constituição brasileira de 1988 e está essencialmente ligado com a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, se faz necessário a análise sobre o tema no próximo capítulo deste trabalho.

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2 A LIBERDADE RELIGIOSA FRENTE AO SACRIFÍCIO DE ANIMAIS EM RITUAIS Para entender a liberdade religiosa, é necessário primeiro compreender o significado de religião. A palavra religião tem origem do latim religio que significa “respeito pelo sagrado” e de acordo com o dicionário de língua portuguesa AURÉLIO, religião representa Culto prestado à divindade; dever sagrado ou reverência, respeito.

O termo que indica esse culto à divindade, segundo Rafaela Cândida Tavares Costa, é conhecido como hierofania. No decorrer da história das religiões, existiram diversos graus de hierofania, sendo o sagrado manifesto em objetos, como pedra ou árvores, em animais ou ainda como a encarnação de Deus no próprio homem, como é o caso da visão católica de Jesus Cristo.

Diversos povos criaram seus próprios cultos e rituais. Na África, por exemplo, existiam diversos reinos e impérios com suas próprias religiões, que foram se erradicando até o cenário atual que prepondera apenas três religiões predominantes, o cristianismo, religiões autóctones e o islamismo. Mas para a liberdade religiosa, é importante entender o fortalecimento da Igreja Católica no Império Romano

Quando o catolicismo se tornou a religião oficial do império Romano, ainda no século IV, esta ganhou um expressivo poder, tornando os cidadãos que eram politeístas em monoteístas. Conforme Costa (2019), quando a Igreja Católica Apostólica Romana se tornou a única e oficial fé aceita pelos Estados em que a Igreja estava presente, não era mais viável o credo em qualquer outra religião, e quem praticava qualquer ato de manifestação religiosa diversa da oficial era considerado herege ou bruxo, tendo como castigo torturas ou até mesmo a morte.

Foi diante desses fatos que se deu início a Reforma Protestante, essa reforma, como veremos a seguir, foi de grande importância para a surgimento do direito à liberdade religiosa, já que o monoteísmo implementado pela Igreja Católica retirava a autonomia do indivíduo em se relacionar com o sagrado e,

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consequentemente, de crer em outras divindades que não as da religião oficial do Estado.

Neste capítulo, se busca entender se essa liberdade religiosa, que surgiu com o ideal de permitir que cada pessoa possa relacionar-se com o sagrado de forma independente, deve ser ou não limitada diante da possibilidade de ferir direitos alheios, em especial o direito dos animais, que é o tema deste trabalho.

2.1 Liberdade religiosa, formas de manifestação e cronologia nas constituições brasileiras.

A discussão sobre liberdade religiosa começa quando surge a noção de autonomia do indivíduo, no cenário da Reforma Protestante. Nas palavras de, Vladimir Brega Filho e Fernando de Brito Alves, a questão da autonomia do indivíduo, quanto à vontade pelo menos, já era vista por Santo Agostinho na idade média, porém foi com os reformadores Lutero, Calvino e Knox, que a individualidade alcançou os contornos de autonomia necessários para a posterior defesa da liberdade religiosa.

Essa ideia de autonomia seria oposta aos valores defendidos pela igreja católica na época, que valorizava a tradição, a mediação com a divindade e a mentalidade de rebanho, sendo que esses valores privavam as pessoas de ter liberdade de consciência e a oportunidade de relacionar-se com o sagrado de forma autônoma, sem a intervenção da igreja.

O primeiro documento que possibilita perceber a valorização da autonomia de vontade defendida pelos reformadores foi na Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, colonizada por protestantes puritanos que afirmavam que "todos os seres humanos [...] pela sua natureza, igualmente livres e independentes". Posteriormente, o direito da liberdade religiosa foi reconhecido pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa de 1789 que consignou no artigo 10º. que “Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões

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religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei”.

Com uma tendência de autonomia cada vez maior, surge os princípios da liberdade de consciência e da livre manifestação do pensamento que abrangem inclusive a liberdade religiosa. O primeiro dispositivo constitucional a consignar a liberdade religiosa foi a Primeira Emenda à Constituição norte-americana, de 1791,ao dispor que “Congresso não editará nenhuma lei instituindo uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos ; nem restringirá a liberdade de palavra ou de imprensa; ou o direito do povo de reunir-se pacificamente, ou de petição ao governo para a correção de injustiças".

A partir disso, começou uma progressiva laicização do Estado, conforme bem observa Filho e Alves (2008, p. 3-4).

Outro fenômeno que merece ser registrado é a progressiva laicização do Estado pela difusão da ideologia positivista atrelada aos ideais democráticos e republicanos, tanto que eles (os Estados republicanos e democráticos) podem, via de regra, serem enquadrados não confessionais. Ao passo que onde existe monarquia, governos maiscentralistas, ou autoritários, a confessionalidade estatal é uma premissa, via de regra, inegável.Isso decorre do fato do positivismo propalar como ideal uma espécie de religião cívica, como já havia sido preconizado no pensamento rousseaniano, em que o Estado é o deus visível cujas insígnias dever receber devoção e respeito sagrados. Nesse contexto, os Estados na medida em que foram adotando os ideais do positivismo filosófico (de Augusto Comte e seus seguidores) promoveram a separação do Estado e da Igreja, propiciando o surgimento de espaços de afirmação da identidade das minorias religiosas.

No Brasil, como bem nos orienta Filho e Alves (2008), a constituição de 1824 já assegurava a liberdade religiosa, mas não permitia fés ou templos diferentes da religião católica, já que esta era considerada religião oficial da época. A liberdade até então garantida constitucionalmente era limitada por causa do vínculo existente entre religião e Estado. Entretanto, no ano de 1889 houve a proclamação da república brasileira e a desvinculação do Estado com a religião, surgindo logo após

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a constituição de 1891 que vetava o estabelecimento ou embaraço a cultos religiosos.

A Constituição de 1934 não alterou a laicidade estatal. Também foi nesta constituição que acrescentou-se aos direitos individuais a liberdade religiosa e suas consequências. Quando surgiu a constituição de 1937 tais direitos foram mantidos e nenhuma novidade surgiu. Já a constituição de 1946, inovou permitindo a escusa de consciência e a garantia de assistência religiosa em estabelecimento de internação coletiva. A constituição de 1967 trouxe um grande avanço, que foi a proibição de discriminação em razão do credo, tendo como objetivo evitar a marginalização baseada em opção religiosa. Esse avanço foi mantido pela Constituição de 1969.

Em 1988 foi promulgada a atual Constituição brasileira. Esta Carta Magna, que ficou conhecida como constituição cidadã, ampliou os aspectos ligados à liberdade religiosa. No artigo quinto, inciso VI da referida lei maior, temos como direito fundamental a liberdade de crença e consciência sendo assegurado o seu livre exercício. Costa (2019) refere que esse é o principal artigo quando se trata da liberdade religiosa, dada sua força em proteger a liberdade de crença, consciência e o culto. Essa proteção deve ser observada sob dois aspectos, um positivo permissivo, ou seja, deixar que cada indivíduo escolha sua crença ou não siga crença nenhuma, e outro aspecto negativo, que é não interferir na escolha do indivíduo.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

(BRASIL, 1988).

As primeiras liberdades que o inciso anteriormente citado trata são as liberdades de consciência e de crença. É importante salientar que crença e consciência não significam a mesma coisa. Celso Ribeiro Bastos e Samanta

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Meyer-Pflug discernem que liberdade de consciência é a possibilidade de fazer uma escolha íntima de ter ou não uma crença, dando, portanto, proteção jurídica para os ateus e agnósticos. Liberdade de consciência pode também significar aderir a certos valores morais e espirituais que não fazem parte de sistemas religiosos, como, por exemplo, os pacifistas, que apesar de seguir um ideal de paz e banimento de guerras, não implicam em fé religiosa.

Já a liberdade de crença está ligada ao aspecto religioso, é a liberdade de escolher qual religião ou seita o indivíduo deseja seguir. É também a possibilidade de trocar de religião ou deixar de seguir uma crença. Como explica Filho e Alves (2008), liberdade de crença e consciência, apesar de não serem sinônimos, formam uma união indissociável, de forma que quando uma dessas liberdades deixa de ser protegida a força normativa da constituição fica comprometida.

Seguir uma religião ou seita vai além de adorar um Deus. Observa-se que na segunda parte do inciso VI, do artigo 5º da CF/88 é mencionado a “liberdade de culto”, permitindo aos crentes de determinada crença praticar suas liturgias sem qualquer óbice. A liberdade de culto implica no fato que praticas religiosas podem, em princípio, ser realizadas em qualquer lugar, mesmo fora de seus templos. Nessa lógica, o Estado deve garantir que todas as religiões possam praticar seus rituais, caso contrário não há sentido em permitir liberdade de crença mas proibir os rituais praticados, como acontecia no Brasil império. Bastos e Meyer-Pflug (2001, p. 988):

A liberdade religiosa, como de resto acontece com todas as demais liberdades de pensamento, não se contenta com a sua dimensão espiritual, é dizer, enquanto realidade ínsita à alma do indivíduo. Ela vai necessariamente buscar uma externação, que, por sua vez, demanda um aparato, um ritual, uma solenidade, que a manifestação do pensamento por si só não requer. Nesse sentido faz-se imprescindível afirmar que pode haver liberdade de crença sem liberdade de culto. Era o que acontecia no Brasil Império, onde só se reconhecia como livre o culto católico. As outras religiões deveriam contentar-se apenas em poder celebrar um culto doméstico, sendo vedada qualquer forma exterior de templo.

Porém, essa liberdade não é absoluta. É de suma importância saber que o cidadão é livre para manifestar sua crença, ou não seguir crença alguma, desde

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que a prática decorrente de sua escolha não resultar em pertubação à ordem pública, colocar em risco a dignidade e a igualdade das pessoas, afrontar à moral ou aos bons costumes ou ferir qualquer dos pilares do Estado Democrático de Direito. Caso alguma das hipóteses acima ocorra, suas ações não serão tuteladas pelo Direito Fundamental à Liberdade Religiosa. Ademais, não é qualquer culto que possui status de proteção constitucional, deve-se respeitar alguns critérios como bem observa Costa (2019, p.42) “ Vale observar que a proteção dispensada pela Constituição de 1988 deve ter como objeto cultos ligados ao esoterismo, ao sobrenatural, ou a qualquer prática ligada intrinsecamente à experiência religiosa”. Portanto, fazer algum sacrifício ou algo do gênero sem ter um objetivo exotérico ou experiência religiosa, não possui proteção constitucional ligada à liberdade ora estudada.

É assegurado ainda pela Constituição Federal de 1988 que templos de qualquer religião façam jus à imunidade tributária. Isso pode ser observado no artigo 150, VI, b, do texto maior. Costa (2019) trata do assunto dizendo que dessa forma é vedada à União, Estados, Distrito Federal e Municípios instituírem impostos sobre templos de qualquer culto, sendo que qualquer embaraço neste sentido, pode ser entendido como favorecimento, ou não, do Estado a algum culto em específico.

Ainda no entendimento de Costa (2019), a liberdade religiosa também resguarda o direito de que quando o indivíduo estiver em entidades de internação coletiva civis ou militares possa continuar praticando e manifestando sua fé. Sendo que o Estado deve proporcionar acesso daqueles que prestam assistência religiosa dentro destas entidades.

Outro ponto a ser mencionado é a garantia prevista no inciso VII, do mencionado artigo, do diploma constitucional, de assistência religiosa a ser prestada em entidades civis e militares, desde que destinadas à internação coletiva. O Estado deve, desta forma, permitir livre acesso nestas entidades, bem como a livre saída, daqueles que prestarão a assistência religiosa, o que se harmoniza com a laicidade estatal.

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Importante salientar o que conforme Bastos e Meyer-Pflug (2001) o caráter laico do Estado brasileiro não o compromete a ser o prestador de assistência religiosa nos estabelecimentos de internação coletiva, tal assistência será prestada pelas próprias entidades religiosas cabendo ao Estado tão somente proporcionar os meios para que tal assistência se concretize.

Para Costa (2019) para que efetivamente se concretize a liberdade de crença, liberdade de consciência e liberdade de culto, além dos demais direitos oriundos destas, se faz necessário que não haja nenhum embaraço por parte do Estado na criação de organizações religiosas. Dessa forma, a criação, organização e funcionamento destas organizações independe de autorização do Estado, sendo estas livres para se estruturar hierarquicamente, criando seu próprio ordenamento jurídico, podendo incluir e excluir seus membros sem interferência do poder público.

Importante ainda informar que às pessoas de direito público privado é vedado a criação de igrejas ou cultos religiosos, bem como manter relações de dependência ou aliança com seus representantes, ressalvada a hipótese de colaboração de interesse público, conforme previsto no art. 19 da Constituição Federal.

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público […].

A liberdade religiosa não é somente assegurada no direito interno, no plano internacional também existe proteção a este direito de primeira geração. Foi após a Segunda Guerra Mundial que proclamou-se o mais amplo direito à liberdade religiosa com Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, tendo como motivação a necessidade de evitar-se a repetição de atrocidades ante a obsessão anti-semita dos nazistas.

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Neste diploma legal pode-se encontrar no artigo XVIII a seguinte redação:

Artigo XVIII

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular. (Declaração Universal dos Direitos Humanos)

Outro diploma internacional que trata acerca da liberdade religiosa é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica de 1969:

Artigo 12. Liberdade de consciência e de religião

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. 2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.

3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas.

4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções. (CIDH, 1969).

Ainda segundo Costa (2019), diversos outros documentos internacionais tratam de liberdade religiosa, como a Declaração de Princípios sobre a Tolerância que tem como objetivo o alcance de uma sociedade tolerante e pluralista e a Declaração Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções que visa abolir a intolerância religiosa em todas as suas formas de manifestação, no esforço de prevenir e combater a discriminação por motivos de religião ou de convicção, dando proteção, por consequência, à liberdade religiosa.

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Como visto, a liberdade religiosa é tratada de forma ampla tanto na legislação pátria como na legislação internacional. As liberdades aqui tratadas compõem um complexo de direitos civis, humanos e fundamentais. Esses direitos deveriam ser respeitados de forma plena, porém isso não ocorre. Algumas religiões são reiteradamente discriminadas e criminalizadas tanto por parte da papulação em geral como pelo Estado, por meio de legislações que facilitam a marginalização de certos credos. Dessa forma, passa-se a análise de liturgias que são discriminadas e marginalizadas.

2.2 Intolerância religiosa, marginalização e preconceito contra liturgias de minorias e grupos vulneráveis.

Antes de entrar no assunto, se faz necessário entender o que são minorias e grupos vulneráveis que serão tratados neste trabalho. Para Valério de Oliveira Mazzuoli (2018) as minorias são aqueles grupos de pessoas que não possuem a mesma representatividade política que os demais cidadãos de um mesmo Estado. Estas pessoas têm em comum características que são essenciais a sua personalidade e são singulares no meio social, essas singularidades podem ser de etnia, língua, nacionalidade ou religião.

Quanto aos grupos vulneráveis, Mazzuoli os caracteriza da seguinte maneira:

Grupos vulneráveis, por sua vez, são coletividades mais amplas de pessoas que, apesar de não pertencerem propriamente às “minorias”, eis que não possuidoras de uma identidade coletiva específica, necessitam, não obstante, de proteção especial em razão de sua fragilidade ou indefensabilidade (v.g., as mulheres, os idosos, as crianças e adolescentes, as pessoas com deficiência, os consumidores etc.). (MAZZUOLI, 2018, p. 294).

Conceituado os dois termos, se faz necessário conhecer as minorias religiosas do Brasil para entender por estas podem também pertencer a Grupos Vulneráveis.

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Em um censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde 190.755.799 pessoas foram entrevistadas em todo o Brasil , 123.280.172 se declararam seguidores da religião Católica Apostólica Romana, representando a maioria religiosa no país, sendo cerca de 64,4% dos entrevistados. Os evangélicos representavam 42.275.440, sendo que foi a religião que mais cresceu no país, pois em 2000, eles representavam 15,4% da população, e em 2010, chegaram a 22,2%, um aumento de cerca de 16 milhões de pessoas (de 26,2 milhões para 42,3 milhões). Os espíritas seriam 3.848.876, representando 2% dos brasileiros. Esses eram os três maiores grupos religiosos do Brasil de acordo com o senso de 2010.

Já os praticantes da umbanda e do candomblé, religiões de matriz africana, seriam apenas 588.797 de praticantes, representando na época 0,3% dos entrevistados. Judeus eram apenas 107.329 de praticantes e islâmicos 35.167 praticantes, dentre outras religiões constatadas. Já aqueles que não seguiam qualquer religião representavam 15.335.510 pessoas. Entendeu-se por meio do censo realizado que aqueles que não eram seguidores das maiorias religiosas presentes no país, compreendiam, e ainda compreendem, grupos de minorias religiosas.

Em relação a essas minorias religiosas, apesar da igualdade prevista constitucionalmente, percebe-se que alguns grupos sociais demonizam e desrespeitam minorias, surgindo então a intolerância religiosa. Onde há desrespeito (aos fieis, aos rituais, sacerdotes e casas religiosas), agressões e violências de qualquer tipo, há intolerância religiosa. A intolerância, conforme descrito na Cartilha para Legalização de Casas Religiosas de Matriz Africana (2012), manifesta-se pela violência simbólica, física e psicológica e as agressões começam com palavras (insultos, humilhações, desmoralização) e ofensas aos fiéis e a seus deuses, passam pela destruição de casas e símbolos religiosos e chegam ao extremo com o assassinato dos seus membros.

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De acordo com Souza (2019), além do problema da intolerância religiosa, as liturgias africanas e islâmicas sofrem ainda por racismo, preconceito e xenofobia. Os praticantes do islamismo, por exemplo, são discriminados principalmente por ser uma religião com uma doutrina vinculada, de forma errônea, ao extremismo.

Em uma reportagem publicada pelo jornal Brasil de Fato (2019), representantes de uma pequena mesquita situada em uma favela de São Paulo, falam sobre os preconceitos que sofrem por serem seguidores do islamismo. César Kaab, brasileiro, ex-rapper, convertido ao islamismo e fundador da mesquita, diz que comumente é confundido com terrorista, além de sofrer ataques nas redes sociais por atentados terroristas que ocorrem fora do Brasil.

Já os seguidores de religiões de matriz africana, o preconceito é ainda maior. Pois, de acordo com dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Brasil teve 697 denúncias de intolerância religiosa entre 2011 e 2015, sendo o estado do Rio de Janeiro líder no ranking com maior número de denúncias de casos de discriminação, que têm como principal alvo as religiões afro-brasileiras.

Marcos Felix de Oliveira (2017) cita um caso interessante que envolveu neopentecostais e seguidores de religiões afro. Trata-se do ocorrido em abril de 1993, quando o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo por supostamente ter cometido crime contra o sentimento religioso, já que o acusado impulsionaria e orientaria os fiéis de sua igreja a invadirem os locais de culto afro com o intuito de combater a adoração ao demônio. A ação dos neopentecostais teria incorrido em destruição das imagens e agressão física contra os fiéis das religiões afro. Tudo isso se deu por ser parte de uma guerra santa contra os poderes das trevas.

Em sua defesa, o líder dos neopentecostais argumentou fazer uso de sua liberdade de expressão no que tange à livre manifestação de suas convicções religiosas. Disse ainda que estaria apenas orientando os fiéis da Igreja Universal naquilo que entende ser sua obrigação enquanto líder espiritual, que sua motivação

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foi a certeza teológica oriunda da interpretação que faz da Bíblia Sagrada e que outros líderes e teólogos não foram processados anteriormente ao se utilizarem do mesmo discurso. O magistrado acolheu os argumentos aduzidos e entendeu que não havia lastro probatório suficiente para a condenação, absolvendo o réu de todas as acusações que lhe foram imputadas.

Por mais que nesse caso o acusado tenha sido absolvido, foi noticiado pelo jornal Gazeta do Povo, neste ano, que a Rede Record de Televisão, de propriedade do bispo Edir Macedo, fez um acordo que ficou estabelecido que a referida emissora pagará para R$ 300 mil de indenização para o Itecab e a Ceert, totalizando um prejuízo de R$ 600 mil reais para a emissora, além de ter que vincular quatro programas de televisão na programação da Record News. Isso se deu em decorrência da ação ajuizada em 2004 pelo Ministério Público, o Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Itecab ) e o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (Ceert) contra a emissora, por transmitir diversos programas considerados ofensivos a imagens de religiões de origem africana.

Discorrendo sobre o tema, Oliveira (2017) encontra como principal responsável pelos ataques os evangélicos neopentecostais, já que a estes são atribuídos autoria pela maioria dos ataques nas denúncias realizadas na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência.

Mas não é só os neopentecostais que devem levar a culpa pela intolerância religiosa. Com bem explica Oliveira (2017, p.5) “a questão de intolerância religiosa no País é algo histórico e fatos mal investigados e esclarecidos podem redundar em preconceitos e discriminações.”, Deixar que um segmento religioso seja visto como intolerante hoje, pode lavá-lo a ser vítima de intolerância e preconceito no futuro.

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