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Criticalidade em terremotos, rupturas e quebras de bolsas

bolsas

Após a descoberta do (possível) mecanismo natural de auto-organização crítica, a SOC, surgiram inúmeras possíveis explicações para fenômenos complexos cujas origens são difíceis de determinar, como quebras de bolsas de valores, que se valeram desta premissa de criticalidade auto-organizada. Dentre os fenômenos estudados sob esta óptica, a seguir serão relatados três exemplos: terremotos, rupturas e quebras de bolsas de valores.

Uma das possíveis aplicações da SOC foi reconhecida pelos criadores da própria teo- ria, que publicaram trabalhos subsequentes ao da criação da SOC nos quais argumentam que terremotos são consequência da auto-organização crítica da crosta terrestre. Como consta em [21], supondo-se que terremotos surgem devido a deslizamentos da crosta terrestre ao longo de falhas geológicas, a crosta, sujeita à pressão devido ao movimento das placas tectônicas, pode ser vista como um sistema dissipativo e espacialmente “infinito” (com muitos graus de liberdade). Nesse sistema, o estado crítico seria aquele em que uma força local na crosta pode provocar, ou não (há um valor mínimo de força que provoca deslocamento), um deslocamento que se propaga na vizinhança; sempre que houver deslocamento, essa atividade é uma ava- lanche e caracteriza um terremoto (à medida que a pressão aumenta, as avalanches se tornam

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maiores, e os terremotos também). Nestas avalanches aparecem as características invariantes de escala pertinentes a terremotos, como a lei de Gutenberg-Richter5

e a estrutura fractal de falhas por onde se propagam os terremotos. Uma consequência disto, que os autores frisam neste trabalho, é que terremotos de grande magnitude são intrinsecamente imprevisíveis, já que o mecanismo que gera um pequeno terremoto é o mesmo que gera um grande terremoto.

Apesar da aparente adequação da SOC à explicação da dinâmica de terremotos, há opiniões divergentes sobre o tema. Alguns cientistas, como Sornette ([22]), alegam que terremotos são fenômenos críticos, como os tratados na Mecânica Estatística, por causa da constatação de que um fenômeno de ruptura é um fenômeno crítico, por exemplo. Outro fato que sugere este ponto de vista é o aumento do número de terremotos com magnitudes intermediárias que é observado sempre antes do acontecimento de um terremoto de grande magnitude, tal qual como ocorre em fenômenos na Física Estatística, como, por exemplo, o aumento do comprimento de correlação em um sistema próximo a um ponto crítico. Desta maneira, diferentemente do ponto de vista da SOC, terremotos são fenômenos passíveis de previsibilidade; o aumento da sismicidade (como um ajuste de parâmetro) leva à ocorrência de terrremotos enormes.

Como mencionado anteriormente, um fenômeno de ruptura, como propagação de rachaduras ou deslizamento ao longo de falhas, pode ser explicado como um fenômeno crítico. Portanto, rupturas obedecem a leis de potência, que são a distribuição de magnitude das rachaduras, a distribuição de magnitudes de terremotos, a distribuição de tempo de espera (tempo que leva de uma fratura, rachadura, terremoto, até a seguinte ocorrer), a distribuição espacial (estrutura fractal), dentre outras quantidades pertinentes.

Expoentes de escala, relativos a fenômenos críticos, são ditos universais, mas observa- se ([23]) que tais expoentes dependem sim das especificidades do sistema considerado, tendo seu valor alterado em algumas situações, como é observado próximo à ruptura, quando os expoentes decrescem de valor. Este decréscimo próximo a rupturas pode servir como um precursor para eventos de grande porte.

Por fim, um último exemplo, no qual algum tipo de criticalidade está presente, é o de mercado de ações ou mercado financeiro. O mercado financeiro frequentemente é marcado por períodos das chamadas crises financeiras, nas quais os índices de bolsas de valores têm seus valores mais baixos, evidenciando a desvalorização das ações na bolsa de valores. No

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Esta lei relaciona a quantidade de terremotos que ocorrem com magnitude maior do que m, que por sua vez está relacionada com a energia liberada nesta ocorrência; sua forma é: dN/dE = m−τ, em que N é o

contexto da Física, estes períodos de crise costumam ser considerados períodos críticos e, portanto, existem inúmeras tentativas de entender esta dinâmica utilizando as ferramentas da Mecânica Estatística e também dos formalismos da área de Sistemas Complexos.

Através da análise dos dados correspondentes às flutuações dos valores de índices, como feito em [24], pode-se reconhecer comportamentos do tipo lei de potência em quanti- dades como o tamanho das avalanches (queda dos índices), dentre outras, o que pode sugerir que o mercado de ações esteja em um estado criticamente auto-organizado, em que os cons- tituintes (os acionistas) se organizam de acordo com as informações que recebem de maneira a vender ou comprar ações levando o sistema, eventualmente, a uma situação crítica (na qual grande parte dos acionistas decidem vender suas ações baseados no comportamento de “vizinhos” levando a uma grande queda nos preços das ações).

Contudo, no modelo simples de SOC, o tempo laminar (ou tempo de espera entre avalanches) tem distribuição exponencial, e não em lei de potência (como surge no contexto do mercado de ações (ver [24])), o que significa que o agente externo (no caso da pilha de areia, a areia) atua aleatoriamente (a areia cai aleatoriamente em qualquer lugar da pilha). A distribuição em lei de potência deste tempo laminar sugere correlações temporais entre as avalanches (queda de preços de ações) que não podem ser explicadas com a SOC, mas as demais características deste modelo (estruturas livres de escala) parecem descrever razoavelmente o mercado de ações; então poderia-se utilizar um modelo de SOC modificado, para levar em conta tais correlações.

Outra abordagem para este problema é através da analogia com fenômenos de tur- bulência hidrodinâmica, utilizando o modelo de turbulência em cascata, porém este modelo não condiz com a invariância de escala encontrada no regime crítico, como mostrado em [25].

Pôde-se observar que, no mínimo, os três problemas citados acima, terremotos, rup- turas e quebras de bolsas de valores, carecem de explicação satisfatória de suas dinâmicas; no entanto, estudos utilizando os conceitos de Criticalidade Auto-organizada ou da Mecânica Estatística parecem promissores no sentido de caracterizar estes fenômenos e fazer inferências sobre o comportamento futuro dos sistemas estudados.

Precursores log-periódicos em fenômenos

críticos

5.1

Precursores log-periódicos em fratura

O fenômeno de ruptura é um fenômeno bastante presente no cotidiano e também bastante estudado, mesmo assim, ainda não há total consenso sobre o mecanismo subjacente a este evento. Contudo, resultados significativos foram obtidos do estudo sobre ruptura de materiais. Por exemplo, sabe-se1 atualmente que quanto mais heterogêneo o material for,

mais sinais precursores da ruptura ele apresenta. Também se observa que as rupturas nestes materiais heterogêneos se formam através de um processo de fusão de micro-rachaduras (micro-fendas). A fusão de micro-rachaduras num material heterogêneo que venha a se romper, é formada de acordo com a carga (peso) a que este material está submetido; esta pode ir crescendo de valor com o passar do tempo ou ser constante ao longo do tempo. Com o passar do tempo, esta tensão sobre o material é crítica e este se rompe.

De acordo com Sornette ([26]), e verificado por outros cientistas, as emissões acústicas do material, que são as ondas mecâncias provocadas pelo movimento brusco de sistemas sob tensão, ou, de maneira geral, a energia elástica emitida pelo material quando este está sob tensão, é função do tempo-até-a-ruptura (time-to-failure) e obedece a uma lei de potência com correções log-periódicas.

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Na referência [26] há uma revisão geral sobre o tema.

De fato, tais correções log-periódicas denotam a aceleração da taxa de emissão acús- tica. Em [26], Sornette mostra que próximo ao (suposto) regime crítico, no qual ocorre a ruptura do material2

, o melhor ajuste para as emissões acústicas é o de uma função que exibe log-periodicidade, que dá conta de descrever a aceleração da emissão acústica à medida que o valor da pressão exercida sobre o material aumenta até o valor da pressão-até-a-ruptura (pressão crítica), como pode ser visto na figura 5.1. Depois de feito os ajustes, foi feita predi- ção para o tempo em que ocorreu a ruptura através dos valores da pressão crítica, calculados com os ajustes dos dados. Comparando-se com os valores reais, que foram medidos no expe- rimento, o ajuste log-periódico forneceu valores próximos aos valores reais do tempo crítico (quando a ruptura ocorreu), mostrando, assim, o poder preditivo desta abordagem. Assim, o fato de a taxa de emissão acústica em materiais heterogêneos susceptíveis a rupturas crescer aceleradamente próximo às rupturas pode ser percebido como um precursor de ruptura.

Figura 5.1: Gráfico da energia liberada em um experimento de ruptura versus pressão apli- cada sobre o material e seu respectivo ajuste log-periódico. Disponível em: [26], p. 169.

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Neste trabalho, o material são tanques esféricos de fibra de carbono ou fibra kevlar numa matriz de resina com revestimento metálico de aço ou titânio.

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