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2 – A CRUZ DE CRISTO É LUZ PARA OS POVOS CRUCIFICADOS

O ponto central da fé cristã afirma que Jesus de Nazaré, o Filho de Deus morreu na

Cruz.“Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em busca de sabedoria; nós, porém,

anunciamos Cristo Crucificado, que para os judeus, é escândalo, para os gentios é loucura, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo poder de Deus e

sabedoria de Deus” (1Cor 1,22-25). Desde os primeiros escritos do Novo Testamento, bem

como nos primeiros séculos do cristianismo já encontramos as profissões de fé: “foi

crucificado sob Pôncio Pilatos” 101está na cruz à autêntica originalidade da fé cristã, pois

prega um “Deus crucificado.” 102

A morte de Jesus na cruz faz parte de nossa profissão de fé: “Padeceu sob Pôncio

Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado.” 103 Para compreendê-la melhor, vamos analisar os

motivos históricos da condenação de Jesus à morte de cruz e, levando em consideração a ligação histórica e os motivos teológicos presentes no Novo Testamento e as luzes desta na cristologia Latino Americana.

A cruz é o marco do Jesus Histórico, e umas das maiores características da teologia

latino americana é a afirmação decidida da humanidade de Jesus104. Nesse sentido a figura de

Jesus é mais do que exemplar, pois se de um lado, a valorização da história e do contexto permite refazer a compreensão da vida de Jesus, de outro a compreensão da densidade de sua humanidade permite re-situar a incidência de seu projeto. Busca-se uma compreensão do que significa a ação prática de Jesus, relendo-a internamente no contexto latino-americano. Sendo assim, compreende-se a ligação entre deixá-la como legado à Igreja nascente. Assim, afirma-

101 DENZINGER & HÜNERMANN, op. cit., n. 125-126, Nicéia; n. 301-302, Calcedônia. 102 Esta expressão foi usada por J. Moltmann em seu livro “O Deus crucificado”, 2011. 103DENZINGER & HÜNERMANN, op. cit., n. 125-126, Nicéia; n. 301-302, Calcedônia.

104 O ponto de partida da cristologia é o Jesus histórico, não se nega em absoluto a importância do Cristo da fé,

mas se privilegia a história de Jesus como fundamento para a fé. No cristianismo, aliás, criação, salvação e escatologia são eventos históricos, e é por isso que o cristianismo é afirmado como religião da história. Cf. MANZATTO, A. Cristologia latino-americana. SOUZA, Ney (org.). Temas de teologia latino-americana. São Paulo: Paulinas, 2007, p.34.

se uma possível articulação entre as libertações históricas experimentadas na sociedade e a salvação escatológica realizada por Jesus.

2.1-O significado da cruz e da morte de Jesus no Novo Testamento

A morte de Jesus na cruz é um dos fatos mais bem atestados do Novo Testamento. Além das fontes bíblicas, temos as informações de outras fontes históricas da época, por Tácito, Flávio Josefo, Plínio, o moço, Suetônio, contextualizando os motivos da morte de

Jesus na cruz ligados às tensões econômicas, sociais, políticas e religiosas.105 Através dos

textos, podemos constatar que Jesus morre como zelota, como revolucionário político (cf. Lc 23, 2-5; Mt 26, 63; At 10, 34-43), fruto de tensões econômicas, sociais, políticas e religiosas

da época (cf. Mc 2, 1 – 3, 6)106, pois a morte na cruz era reservada aos considerados

revoltosos pelo império Romano. Além disso, a morte na cruz revela também a dependência da Palestina em relação a Roma, pois os romanos chamavam a si o direito da sentença de morte.

Os motivos mostram também a interpenetração do religioso e do político, muito própria do contexto de liberdade cerceada em que vivia a terra de Jesus. Ligado aos grupos de resistência, também o grupo de Jesus não via com bons olhos a dominação romana, com a cobrança dos impostos, a escravização (cf. Lc 23, 2-5). Como profeta e líder popular, Jesus, como tantos outros profetas, tem sua vida ameaçada. Porém como é coerente com seu projeto, não tem medo de enfrentar os conflitos da época e vai até o enfrentamento final. “Sob esta ótica, a morte de Jesus se insere na lista dos profetas e líderes populares que lutavam pela

105FERRARO, B. Cristologia. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 122. 106 SOBRINO, J. Jesus, o Libertador. São Paulo: Vozes, 1994, p. 287.

liberdade do povo frente aos poderes dominantes.” 107 Ela se insere no drama histórico e tem causas históricas bem definidas.

Como se sabe, os evangelhos fornecem uma narração muito detalhada da paixão de

Jesus.108Os evangelhos mostram que Jesus foi progressivamente perseguido.109 Os que

perseguiam (os fariseus, os sumos sacerdotes, os escribas, os saduceus e os herodianos) exerciam algum tipo de poder. As causas desta perseguição são variadas (umas históricas e outras teologizadas, principalmente em João), mas no fundo, não são outras senão oriundas das “denúncias de Jesus contra o poder opressor, diretamente o poder religioso, em cujo nome

se justifica outros poderes.” 110 Para Boff, Segundo e Sobrino Jesus certamente tinha

consciência do conflito provocado e de suas prováveis consequências, sobre isto afirma Ferraro:

Sua morte é vista como conseqüência normal de sua missão. Por sustentar até o fim sua pregação que retrata e proclama a vontade de Deus, ele morre para realizar sua função de enviado de Deus. Assim, sua morte é aceita tanto por Jesus, como pela comunidade primitiva que transmite os seus anúncios, como uma marcha consciente, como algo previsto, livremente aceito e necessário. Mas, por outro lado, a morte de Jesus é considerada como crime e como uma injustiça cometida contra o enviado de

107FERRARO, B. 2011, p. 121.

108Marcos 14-15; Mateus 26-27; Lucas 22-23; João 18-19; Evangelho [apócrifo] de Pedro (fragmento de um

evangelho perdido em que se conserva o relato da paixão a partir da interpretação de Herodes). Até o momento ninguém apresentou uma teoria que explique de maneira convincente a relação entre estes escritos. De modo geral, reconhece-se a importância de Marcos como fonte de Mateus e de Lucas. Concretamente, Mateus o segue bem de perto, acrescentando alguns retoques. Lucas tem uma originalidade mais marcada, e por isso há quem opine que seu autor, além de utilizar Marcos, conta também com outra tradição particular. Discute-se se João representa uma fonte diversa de Marcos ou não. Recentemente J. D. Crossan reconstruiu, a partir do Evangelho [apócrifo] de Pedro, um texto breve a que dá o nome de Evangelho da cruz, e que seria, segundo ele, a fonte única de todos os relatos da paixão que conhecemos. Sua hipótese encontrou algum eco apenas entre os membros do Jesus Seminar. CROSSAN, J. Em busca de Jesus- debaixo das pedras, atrás dos textos. São Paulo: Paulinas, 2007.

109 São situações em que Jesus corre perigo de morte: “No relato sobre o pagamento do tributo a César (Mt

12,13-17), os fariseus e os herodianos são enviados “para o pegarem pela palavra”. No relato sobre a ressurreição dos mortos (Mc 12,18-23), os saduceus procuram desacreditá-lo. A passagem da expulsão do templo (Mc 11, 15-19), conclui com a delibaração dos sumos sacerdotes e escribas em matá-lo. Também a passagem da parábola dos vinhateiros homicidas (Mc 12, 1-12), conclui com a intenção de prendê-lo porque compreenderam que se dirigia contra eles. Por último, Marcos e Mateus intraduzem neste lugar a passagem sobre o mandamento principal (Mc 12, 28-34; Mt 2, 34-35) e apresentam a cena também como tentação insidiosa contra Jesus.” (cf. SOBRINO,J. A fé em Jesus Cristo, ensaio a partir das vítimas. Petrópolis: Vozes, 1999, 291).

Deus. Em outras palavras, se Jesus aceita sua morte como sendo a vontade de Deus, ele a sente também como uma injustiça dos homens que são incapazes, por causa da incredulidade, de ver em sua vida e mensagem a proclamação da vontade de Deus que oferece a salvação a todos. Assim, o maior pecado, a maior injustiça está no fato de recusa da salvação oferecida como um dom de Deus. 111

Sem pretendermos resolver a questão tão difícil da “consciência messiânica de

Jesus”112, queremos insistir no fato de que Jesus, através dos textos evangélicos, anunciou sua

morte e sua paixão. Através do próprio desenrolar de sua vida, sem excluir nele toda luz sobrenatural, deve-se reconhecer que sua simples lucidez humana poderia discernir a aproximação do drama: a hostilidade das autoridades religiosas de seu povo, a deserção das massas decepcionadas por suas exigências, a complicação da situação política da Palestina de

seu tempo, conduzindo-o normalmente à morte.113 Podemos saber o que ocorreu nos últimos

dias de Jesus? Um dado é seguro: Jesus foi condenado à morte durante o reinado de Tibério

pelo governador Pôncio Pilatos 114. Assim nos informa Tácito, o célebre historiador romano.

A mesma coisa afirma Flávio Joséfo, acrescentando dados de grande interesse: Jesus atraiu

muitos judeus e muitos de origem grega. 115 E quando Pilatos, por causa de uma acusação

feita pelos homens principais dentre nós, o condenou à cruz, os que o haviam amado não

deixaram de fazê-lo.116 Estes dados coincidem com o que sabemos pelas fontes cristãs.117

Ou seja:

Não devemos reter-nos apenas nos três anúncios clássicos da paixão (cf. Mc 8, 31; Mc 9, 31 e Mc 10, 33-34) para compreendermos a morte de Jesus, mas devemos perscrutar todo o comportamento de Jesus, através de várias imagens, parábolas e

111 FERRARO, 1977, p. 103-104.

112Sobre a “consciência messiânica de Jesus”, cf. BOFF, L. Paixão de Cristo Paixão do Mundo. Petrópolis:

Vozes. 2007, p. 60-72. SEGUNDO, J. L. A história perida e recuperada de Jesus de Nazaré. São Paulo, Paulo, 2011, p. 263-303. SCHILLEBEECKS,E. Jesus, a história de um vivente. São Paulo: Paulo, 2008, p.267- 314. SOBRINO,J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1983, p.191-244.

113 BOFF, L. Paixão de Cristo Paixão do Mundo. Petrópolis: Vozes.2007, p.60-72. 114 Cf. PAGOLA, J. A. Jesus uma aproximação histórica. Petrópolis:Vozes, 2011, p. 443. 115 Ibid.

116Ibid. 117 Ibid.

palavras que refletem uma tomada de consciência de Jesus diante de seu trágico fim.118

A morte violenta não lhe sobrevirá como um destino arbitrário, mas como algo que sempre esteve presente no horizonte. Jesus tem consciência de uma morte provável, mas manteve-se firme na perseguição. Isto confirma sua fidelidade a Deus e a sua misericórdia para com os homens. Por causa desse fato, sua morte foi interpretada como assumida com liberdade e, por isso, como expressão de amor. Porém, ela mostra também que Jesus conhece

e assume a luta dos deuses e a força negativa da história que aniquila o profeta. “O caminho

para Jerusalém, apesar da perseguição e através dela, é a tradução geográfica da fidelidade de

Jesus no meio da luta dos deuses. ”119

O processo do julgamento e condenação de Jesus à morte tem um aspecto religioso e outro político. Entre as autoridades houve uma percepção consensual de que era uma ameaça a ser eliminada. As autoridades religiosas conseguem convencer Pilatos, o governador romano, de que Jesus oferecia mais perigo político do que Barrabás e, consequentemente, Pilatos redigiu em termos políticos a condenação de Jesus. A qual podemos assim resumir: “Jesus foi executado numa cruz; a sentença foi ditada pelo governador romano; houve uma acusação anterior por parte das autoridades judaicas; só Jesus foi crucificado, ninguém se preocupou em eliminar seus seguidores. Isto significa que Jesus foi considerado perigoso porque, com sua atuação e mensagem, denunciava pela raiz o sistema vigente, mas nem as

autoridades judaicas nem as romanas viram nele “o cabeça” de um grupo de rebeldes; se fosse

assim, teriam agido contra todo o grupo. 120 Bastava eliminar o líder, mas era preciso fazê-lo

118 FERRARO, 1977, p. 101.

119 JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1990, p. 48.

120Assim aconteceu por volta do ano 45 com Teudas e seus seguidores, contra os quais o governador Fado

enviou esquadrão de cavalaria, provocando inúmeras mortes (Antiguidades dos judeus 20,98). Entre os anos 53 e 55, Félix mandou seus soldados contra um profeta popular chamado Egípcio, matando quatrocentos de seus seguidores (Antiguidade dos judeus 18, 85-89). Cf. PAGOLA, J. A. 2011, p. 444.

aterrorizando seus seguidores e simpatizantes. Nada podia ser mais do que sua crucificação

pública diante das multidões que enchiam a cidade.” 121

A crucificação122 é vista como consequência normal de sua missão. Por sustentar até o

fim sua pregação que retrata e proclama a vontade de Deus, ele morre para realizar sua função de enviado de Deus. Assim, sua morte é aceita tanto por Jesus, como pela comunidade primitiva que transmite os seus anúncios, como marcha consciente, como algo previsto, livremente aceito e necessário.

A compreensão neo-testamentária da cruz e da morte de Jesus originou-se num contexto

litúrgico.123 Para Leonardo Boff entre os temas usados no Novo Testamento para dizer o

significado do mistério da cruz, destacam-se o de Filho do Homem e o de servo sofredor124.

A diversidade desses títulos já justifica, no entender do teólogo brasileiro, o desenvolvimento de uma hermenêutica própria da América Latina. Segundo Leonardo Boff, Paulo apresenta o Cristo morto na cruz como a crise de todos os projetos humanos. Na carta aos Gálatas, o apóstolo diz: “Deus nos libertou da maldição fazendo nascer Jesus sob a condição de pecado e de maldição” (Gl 4, 4; 3,13). A fé em Jesus Cristo, que assumiu nossa situação e nos libertou, é o que nos salva (Gl 5,1). A liberdade para a qual fomos libertos nos leva ao serviço dos outros (Gl 5, 13), fazendo-nos produzir obras boas, fraternidade, alegria e misericórdia (Gl 5,6). Boff identifica aí uma nova dimensão no cristianismo: a do cristão liberto para a

121 Cf. PAGOLA, 2011, p. 444-445

122Crudelissimum teterrimum que supplicium (A Verres 2, 5, 165). A crucificação era praticada em muitos povos

da antiguidade. Persas, Assírios, Celtas, Germanos e Cartagineses a utilizaram de diversas maneiras. Roma a aprendeu de Cartago e fez dela o suplício preferido para castigar os piores criminosos. É impressionante o estudo de M. Hengel recolhendo minuciosamente os testemunhos e informações do mundo antigo sobre a crucificação. Cf. HENGEL, M. Crucifixion in the ancient world and the folly of the message of the cross. Filadélfia: Forteress Press,1997.

123Boff menciona o contexto cúltico-litúrgico para preparar o terreno que abre a possibilidade de se pensar de

outra forma o significado da morte de Jesus num contexto vital diferente. Cf. BOFF, L. Paixão de Cristo, paixão

do mundo. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 17-18.

124A teologia Latino Americana resgata a imagem do “servo sofredor”, ou “justo sofredor.” Este tema é bem

desenvolvido nas obras dos diversos teólogos Latino Americanos: BOFF, L. Jesus Cristo Libertador. 20 ed. Petrópolis: Vozes, 2009. FERRARO, B. A Significação Política e Teológica da morte de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1977. SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes. 1983. SEGUNDO, J. L.. A História Perdida e recuperada de Jesus de Nazaré – dos sinóticos a Paulo. São Paulo: Paulus, 2011.

SCHERER, Odilo Pedro. Justo sofredor – uma interpretação do caminho de Jesus e do discípulo. São Paulo: Loyola, 1995.

construção do mundo. A piedade, a oração e a religião são manifestações do amor de Deus já recebido e da salvação já comunicada.

A comunidade da Carta aos Hebreus está abatida e sem esperança, o autor escreve fazendo uma dupla argumentação:

“Crer inclui também o sofrimento e a morte como modos de entrar na plenitude celeste

(Hb 12)” 125; A salvação definitiva para todos veio com Jesus. O autor da carta apresenta

Cristo Sacerdote, não segundo a ordem de Araão, que foi estabelecida no templo, mas apresenta Cristo Sacerdote segundo a Ordem de Melquisedec, que está para além do Templo

(Hb7, 11-28). 126

Sobrino comunga do mesmo pensamento de Boff, pois segundo ele a morte de Jesus é consequência da sua própria missão, do tipo de vida que levou, do que disse e fez. Para responder à pergunta sobre o porquê da morte de Jesus, o Novo Testamento tem dois tipos de textos: os que tentam explicar e os que buscam compreender seu significado. O primeiro passo, o da tentativa de explicar, considera a cruz como o destino do profeta (1Ts 2,14s; Rm 11,3). Jesus morre como um profeta. O passo seguinte, o do tipo apologético, foi dado quando se afirmou que a cruz e a morte foram preditas nas escrituras. Mas como este passo não ofereceu luminosidade suficiente, entendeu-se que o significado, ou o porquê da cruz estaria escondido em Deus, ou seja, fazia parte do desígnio Divino. Para Sobrino, isso revela que o absurdo não é a última palavra sobre a história e que a esperança continua sendo uma

possibilidade, pois o sentido da história está em Deus.127

125BOFF, L. Paixão de Cristo, paixão do mundo. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 106.

126Leonardo Boff destaca então como principais elementos da compreensão neotestamentária da cruz e da morte

de Jesus os que emergem das categorias: Filho do Homem e Servo Sofredor, e as que são elaboradas por Paulo e pelo autor da Carta aos Hebreus. Tais elementos mostram a diversidade com a qual o Novo Testamento entende o mistério da cruz. Cf. BOFF, L. Paixão de Cristo, Paixão do mundo. Petópolis: Vozes, 2007, p. 106.

127Sobrino sustenta que, em última instância, a esperança não tem como fonte o “saber” do mistério, mas a “fé”

no Deus concreto com um desígnio concreto histórico. Cf. SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina. São Paulo: Vozes;Loyola, 1985, p. 321-323.

Destarte, Jesus foi perseguido ao longo de sua vida e punido com a morte porque ameaçava os interesses dos poderosos. No entanto, paulatinamente o significado mais profundo deste evento, aparentemente tão comum, começou a moldar-se na comunidade.

Jesus morre na cruz. O bem que Deus realiza através da cruz foi muito cedo caracterizado como “salvação”. Esta foi compreendida ao longo da história como “salvação do pecado”. Pois bem, para Sobrino esta concentração no aspecto espiritual desvirtuou o que

havia de escândalo na cruz de Jesus e as cruzes da história. 128

2.2 - A compreensão da cruz e da morte de Jesus na tradição teológica

“Sem a cruz a ressurreição é idealista; a utopia da ressurreição cristã só se torna real a

partir da cruz.” 129 Pois, como vimos anteriormente à morte de cruz de Jesus é um dos fatos

mais bem atestados do Novo Testamento, no entanto os textos do Novo Testamento são interpretações das comunidades primitivas do cristianismo, o como as comunidades compreenderam e viveram sua fé na pessoa de Jesus. É preciso retomar a história e, consequentemente, a tradição da Igreja e, nosso caso, a tradição teológica, onde podemos ver consignada esta compreensão de forma mais sistematizada. Isto requer de nós retomarmos a dinâmica da transmissão da fé que nos liga ao Jesus da história. Por isso é importante relembrar o que nos diz Boff: “O Jesus histórico só nos é acessível na mediação do Cristo de nossa fé. Em outras palavras: entre o Jesus histórico e nós existem as interpretações

interessadas dos primeiros cristãos.” 130

Mas é muito importante levar em consideração o que nos afirma J. Comblin:

128 Para Sobrino, todas as vezes que os fracos são injustiçados, se levantam mais cruzes na história. Ele usa

diversas expressões como: vítimas, o povo crucificado, etc. para descrever aqueles sobre os quais o anti-reino aparentemente triunfa. Na sua mediação sobre “o povo crucificado”, ele compara ao “servo sofredor” (Is 42, 1- 7), e diz: “a sorte do povo crucificado, portanto, participa hoje analogamente do destino do servo.” Cf. SOBRINO, J. Fora dos pobres não há salvação. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 23. SOBRINO, J. Jesus o

Libertador. São Paulo: Vozes, 1994, p. 287.

129 SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. 1983, p. 193. 130 BOFF, L. Paixão de Cristo, paixão do mundo. 1977, p. 92.

O ponto de partida do conhecimento de Jesus é a ação cristã de hoje. É a partir dela que os métodos teológicos de toda espécie vão à busca de Jesus, Mas o Jesus que irão encontrar será, necessariamente, projeção do Jesus atual. Neste caso, não se trata de uma deformação, mas de verdadeiro Conhecimento do Cristo pelo Espírito. O Cristo não pode ser separado de seu povo. De nada serviria conhecer um Cristo separado de sua ação atual em seu corpo total. 131

Com estas referências poderemos compreender as interpretações da morte de Jesus na tradição teológica, tendo sempre em vista que:

O vocabulário empregado para exprimir libertação de Jesus Cristo traduz situações sociais, trai interesses ideológicos e articula tendências de uma época. Uma mentalidade marcadamente jurídica irá falar em termos jurídicos e comerciais de resgate, redenção dos direitos de domínio que Satanás possuía sobre o pecador, de satisfação, mérito, substituição penal, etc. Uma mentalidade cúltica irá se exprimir em termos de sacrifício. Outra, preocupada com a relevância social e cultural da alienação humana, pregará a libertação de Jesus Cristo. Não basta repetir fetichisticamente as fórmulas antigas e sagradas. Precisamos procurar compreendê- las e tentar captar a realidade que elas tentam traduzir. Esta realidade salvífica pode e deve ser expressa de muitas formas; sempre tem sido assim no passado e também no presente. 132

2.3- Onde acontece a salvação, a redenção, a libertação?

Teologia na mentalidade grega: Uma teologia que se deixa influenciar pela mentalidade grega, acaba concentrando na encarnação todo o peso da salvação, da redenção, da libertação:

Pela encarnação irrompe no mundo a redenção porque, em Jesus Cristo, Deus imortal e infinito se encontra com a criatura mortal e finita. Basta a constituição

131 COMBLIN, 1982, p. 94. 132 BOFF, 1977, p. 108-109.

deste ponto matemático da encarnação para que toda a criação seja atingida e redimida. Não interessa tanto o homem concreto Jesus de Nazaré, seu caminho

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