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LEANDRO CARLOS PEREIRA A TEOLOGIA DA CRUZ NA CRISTOLOGIA LATINO AMERICANA

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PUC-SP

LEANDRO CARLOS PEREIRA

A TEOLOGIA DA CRUZ NA CRISTOLOGIA LATINO AMERICANA

MESTRADO EM TEOLOGIA

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

LEANDRO CARLOS PEREIRA

A Teologia da Cruz na Cristologia latino Americana

MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

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Agradeço a Deus pelo chamado, e a todos os que têm me dirigido suas palavras essenciais no percurso de minha caminhada, fazendo-me nascer no mundo.

“O Céu faz conosco o que nós fazemos com as

tochas;

Que não acendemos para elas mesmas; porque se nossas virtudes não irradiam fora de nós, é como se não as tivéssemos.

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RESUMO

A Teologia da cruz sempre teve profunda relação existente entre o povo latino americano com Jesus Cristo que sofreu e morreu na cruz, apontando os elementos de uma cristologia libertadora da cruz. Pois, os sofrimentos do Cristo crucificado hoje nos nossos pobres, nossos operários mal assalariados, nas crianças subnutridas, desamparadas e exploradas sexualmente, nos jovens desnorteados e explorados pelo tráfico de drogas e excluídos do campo da educação, do trabalho e das oportunidades, e dos idosos que são

descartados pela cultura do utilitário que os identifica com “sucata” a ser descartada.

Nosso estudo procura identificar a compreensão da cruz na cristologia latino americana a partir dos povos crucificados da história, pois inútil e infrutuosa seria a reflexão sobre a cruz do Cristo histórico, se não olhássemos e apontássemos para estes povos crucificados que prosseguem sua caminhada rumo ao calvário, em nossa querida e amada América Latina marcada pela exploração dos mais ricos em relação aos mais pobres. No entanto, se a cruz é símbolo que conduz para fora da Igreja e do anelo religioso para dentro da comunhão com os crucificados da história. Em sentido reverso, ela é símbolo que chama os oprimidos e os ímpios para a Igreja, e por meio dela, para a comunhão com o Deus crucificado que se fez o Deus conosco. Tornar a cruz presente em nossa cultura significa não se acomodar nesta sociedade aos seus ídolos e tabus, temores e fetiches, mas em nome daquele que no passado foi sacrificado pela religião, sociedade e Estado, se solidariza com as vitimas atuais da religião, sociedade e Estado, fazendo-se, tal como Jesus crucificado, irmão e libertador delas.

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ABSTRACT

The Theology of the cross has always had deep existing relationship between the Latin American people with Jesus Christ who suffered and died on the cross, pointing to the elements of a liberating christology of the cross. Because the sufferings of Christ crucified today in our poor, on our workers poorly paid, in malnourished children, helpless and sexually exploited, in young people disoriented and exploited by the drug trade and excluded from the field of education, of the working and opportunities, and the elderly that are discarded by the culture of utility by identifying them with the "junk" to be discarded.

Our study seeks to identify the understanding of the cross in Latin American Christology from the crucified peoples of history, because would be useless and fruitless reflection on the cross of the historical Christ, if we do not look and point out to these crucified peoples which they pursue their pursuit towards Calvary in our dear and beloved Latin America characterized by the exploitation of the richest towards the poorest. However, if the cross is a symbol that leads out of the Church and religious yearning down into the communion with the crucified of history. In the reverse direction, it is a symbol that calls the oppressed and the impious for the Church, and through it, to communion with the crucified God who made himself God with us. Make present the cross in our culture means not accommodate this society to their idols and taboos, fears and fetishes, but in the name of him which in the past was sacrificed by religion, society and state, sympathizes with the current victims of religion, society and State, making himself as Jesus crucified, brother and liberating them.

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SUMÁRIO:

I A TEOLOGIA DA CRUZ NA CRISTOLOGIA LATINO AMERICANA

1.1 - A Teologia da Cruz no contexto latino americano: Vaticano II, Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida

1.2 - A morte de cruz de Jesus, a idolatria do mercado e os povos crucificados

1.3 - As reflexões cristológicas em contribuição à Teologia da cruz no contexto latino americano

1.4 - A teologia da cruz para os teólogos da América Latina: Jon Sobrino, Juan Luiz Segundo e Leonardo Boff

II – A CRUZ DE CRISTO É LUZ PARA OS POVOS CRUCIFICADOS 2.1 - O significado da cruz e da morte de Jesus no Novo Testamento 2.2 - A compreensão da cruz e da morte de Jesus na tradição teológica 2.3 - Onde acontece a salvação, a redenção, a libertação?

2.4 - Articulação das Imagens para exprimir a ação salvadora

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III - A IGREJA: SACRAMENTO DE CRISTO E SOLIDÁRIA AOS POVOS CRUCIFICADOS

3.1 - A Igreja na América Latina nos convida a contemplar os pobres e crucificados pela cruz de Cristo

3.2 - A Igreja na América Latina é Igreja Samaritana: comprometida com a cruz dos pobres e marginalizados

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INTRODUÇÃO

A Nossa pesquisa tem como objetivo examinar a compreensão da teologia da cruz na cristologia latino americana. Ao longo deste nosso estudo descobriremos que a cruz é instrumento que denuncia o sistema opressor que pratica injustiças e gera desigualdade, exclusão, todo tipo de discriminação e pobreza. A cruz nos convida não apenas a reflexão, mas à conversão.

Ela é símbolo que conduz, para fora da Igreja e do anelo religioso para dentro da comunhão com os oprimidos e perdidos. E no sentido reverso, ela é símbolo que chama os oprimidos e os ímpios para a Igreja, e por meio dela, para a comunhão com o Deus crucificado. A segunda metade do século XX foi um período muito fértil na teologia, foi um período de muita criatividade com um grande esforço para contextualizar o pensamento teológico, e assim poder dialogar com o mundo moderno. Dentro deste momento e deste movimento, é que a cristologia latino americana é situada e contribuiu muito com a teologia dando sua contribuição original. Vamos analisar um dos aspectos desta cristologia – a compreensão da teologia da cruz na Cristologia latino americana.

Nosso trabalho está organizado em três capítulos, e no primeiro capítulo procuramos compreender: qual a compreensão da cruz de Jesus Cristo na cristologia latino americana, ou seja, qual a compreensão da cruz de Jesus Cristo na cristologia dos documentos das Conferências Gerais do CELAM – Conferências influenciadas pelo Concílio Vaticano II – e qual o resultado desta compreensão na cristologia latino americana?

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e também de Aparecida, tais conferências foram necessárias para apresentar os desafios, no Continente latino americana.

A partir destas conclusões do magistério, a reflexão teológica desenvolvida em nosso Continente vai afirmando que a cruz sempre foi identificada como símbolo que denuncia a exploração e a opressão dos mais pobres e excluídos da sociedade. Dando origem a célebre

frase: “opção preferencial pelos pobres.”

Os teólogos que melhor desenvolveram a cristologia na América Latina forma: Juan Luiz Segundo, Jon Sobrino e Leonardo Boff. Estes teólogos buscam a fundamentação para suas reflexões nas Sagradas Escrituras, nos documentos do Magistério, sobretudo nos documentos das Conferências Gerais do CELAM, nas ciências sociais.

Para Juan Luiz Segundo, Jesus agiu como um bom político e seus adversários regiram politicamente eliminando-o. A vida de Jesus, sua morte e ressurreição, são vistas a partir deste binômio: a prática política e a libertação dos pobres. Para Segundo a vitória sobre a morte é vitória sobre as situações que produzem morte: injustiça, a opressão, a violência, a pobreza, a exclusão, a discriminação, etc. A fé na ressurreição incluía a fé na vitória sobre a morte, e nesse sentido é afirmada a ação política dos cristãos, seu agir para promover a libertação dos pobres.

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portanto, é vista como vitória sobre a morte e, sobretudo vitória sobre as forças que impedem a instauração do Reino de Deus. Portanto, o combate de Jesus é um combate contra o anti-reino, e esse deve ser o combate dos cristãos nos dias de hoje. O Reino de Deus, que é uma realidade presente na história, cresce em direção à sua plenificação com a prática da justiça dos cristãos. O sentido do Reino de Deus deve ser buscado na prática histórica de Jesus de Nazaré, com a libertação dos pobres. A salvação que Deus oferece em Jesus Cristo inclui a libertação dos crucificados de hoje: a libertação dos pobres das situações, e condições de injustiça. Os cristãos se comprometem com a transformação do mundo através das reivindicações e ações políticas, em favor dos pobres.

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possível compreender a direção que se deve ter a ação dos cristãos, transformando o mundo concretizará a utopia.

No segundo capítulo veremos que a teologia da cruz é uma realidade que vai se fazendo com a vida, partilhada de situações dolorosas. Todos os elementos da vida vão influenciando a teologia da cruz e, para a América Latina, não é uma teologia pela teologia, mas para ter uma incidência sobre realidade.

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arbitrário, mas como algo que sempre esteve presente no horizonte. Jesus tem consciência de uma morte provável, mas manteve-se firme na perseguição.

Quando olhamos a morte de Jesus como conseqüência de sua vida, de sua prática histórica e de sua mensagem do Reino, temos a firme convicção que sua vida desafiou a situação de injustiça, e seu caminho se torna um caminho teológico. A cruz de Jesus manifesta a presença de Deus misericordioso que quer vida plena para todos (cf. Jo 10,10; Mt 9, 36; 25, 31-46). Na medida em que Jesus se torna um estranho para a sociedade, a cruz corre o risco de ser dulcificada e desvinculada dos reais problemas que atingem os seres humanos e a própria natureza. Não é mais considerada como consequência de uma prática histórica concreta e passa a ser vista de forma abstrata, acarretando um distanciamento da história. Uma tal visão da morte de Jesus inviabiliza compreender que hoje a cruz real é o pobre, o excluído, que são eliminados por um sistema que continua matando para poder se manter. Toda tentativa de desvincular a morte de Jesus das causas e motivos históricos dificulta também compreender as causas e razões históricas das mortes de hoje, que são apresentadas como destino trágico, como determinismo ou como sacrifícialismo compulsório.

Ao aproximar a morte de Jesus das mortes dos mártires e excluídos de nosso tempo, tentamos tirar a legitimidade dos sacrifícios que se apresentam como inevitáveis e buscamos encontrar motivos para quebrar a legitimidade da lógica da exclusão. A morte de Jesus mostra que Deus não ficou indiferente às vítimas e sofredores da história. Por isso, ela deve se tornar motivo de esperança e de engajamento solidário na construção de uma convivência humana respeitadora de toda vida.

Jesus é apresentado como critério para a sociedade e para a Igreja, na medida em que o

crucificado é para elas um “estranho ou o Senhor.” (Puebla, 31). Aí se joga todo o sentido da

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própria sociedade, na medida em que respondem ou não ao seu projeto. A articulação entre a cruz e libertação mostra-nos alguns aspectos fundamentais que não podem ser ignorados.

No terceiro e último capítulo vamos examinar a partir da cruz de Cristo a Igreja como sacramento universal de salvação e solidariedade com os pobres e excluídos – os crucificados da história. Pois a partir da cruz de Cristo a Igreja nos convida a contemplar os crucificados da história e assim, nos solidarizarmos com estes pequeninos (cf. Mt 25, 40).

A cruz é instrumento que julga e denuncia as injustiças e todo tipo de exclusão, opressão e crucificação dos pobres e pequeninos; e ao mesmo tempo a cruz nos remete a um agir, ou seja, irmos ao encontro dos pobres e excluídos – os crucificados da história; a conseqüência será não partirmos sozinhos, mas como Igreja da misericórdia, servidora e solidária.

A partir da cruz de Cristo somos enviados como discípulos e missionários há seguir os passos do mestre Jesus e partindo do mundo da pobreza, indo aproximar-se do outro sem longos rodeios para evitar encontrar-se frente a frente com a injustiça e o sofrimento que os pobres sofrem, podemos compreender as diferentes dimensões da opção preferencial pelos pobres: espiritual, teológica e evangelizadora. Vivê-las, na sua complexidade e interação, pressupõe aquilo que o Evangelho da cruz chama de conversão, metanóia (At 2, 38).

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Os pobres, os excluídos da ordem econômica internacional atual são contados entre essas vítimas e são os crucificados de hoje. A Igreja na América Latina é enviada pelo seu Senhor a levar a esperança a todos os povos de nosso continente, sem restrição e sem exclusão, a aproximar-se do pobre, do excluído, do marginalizado, do crucificado e entrar em relação com ele e com o seu sofrimento. É necessário que exista amizade cotidiana com o pobre e uma valorização da diversidade de seus desejos e necessidades como ser humano, ou seja, conhecer melhor o que eles querem e do que eles necessitam.

Uma tarefa fundamental da Igreja na América Latina no anúncio do Evangelho da Cruz hoje é contribuir para dar sentido à vida, pois no momento presente, é necessário inquietar-se pelas bases mesmas da condição humana e da vida de fé, sobretudo, o compromisso com o

pobre, como opção central do amor gratuito de Deus, pois “o amor a Deus e ao próximo

resume a mensagem de Jesus, toda a lei e os profetas (cf. Mt 22, 37-40).”

A cruz nos remete a Deus; não aquele que está entre dois castiçais sobre o altar, mas ao que foi crucificado entre dois ladrões no calvário dos perdidos, diante dos portões da cidade. Ele não apenas convida a reflexão, mas à transformação do pensamento. A cruz é, portanto, um símbolo que conduz, para fora da Igreja e do anelo religioso para dentro da comunhão com os oprimidos e perdidos. E no sentido reverso, ela é símbolo que chama os oprimidos e os ímpios para a Igreja, e por meio dela, para a comunhão do Deus crucificado.

O propósito desta nossa pesquisa é, sem dúvida, muito amplo. De fato cada documento conclusivo das Conferências Gerais do Episcopado Latino Americano, bem como cada teólogo latino-americano citado, mereceria sem dúvida uma análise mais profunda. Procuramos desenvolver nossa dissertação na linha de pesquisa bibliográfica e pesquisa online, tendo como referência o método: ver, julgar e agir.

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agir, ou seja, irmos ao encontro dos pobres e excluídos – os crucificados da história; a conseqüência será não partirmos sozinhos, mas como Igreja da misericórdia, servidora e solidária.

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A TEOLOGIA DA CRUZ NA CRISTOLOGIA LATINOAMERICANA

I A TEOLOGIA DA CRUZ NA CRISTOLOGIA LATINO AMERICANA

Neste primeiro capítulo vamos verificar a influência das reflexões pré-conciliares do Vaticano II, suas conclusões, bem como os textos dos documentos conclusivos dos Bispos da América Latina e do Caribe nas Conferências Gerais deste Continente, ou seja, a compreensão da cruz de Jesus Cristo na cristologia destes documentos e qual o resultado desta compreensão na cristologia latino-americana.

Pois, como bem recordou Moltmann em sua obra “O Deus Crucificado”:

O símbolo da cruz remete a Deus; não àquele que está além de si. [...] O símbolo da cruz remete a Deus; não aquele que está entre dois castiçais sobre o altar, mas ao que foi crucificado entre dois ladrões no Calvário dos perdidos, diante dos portões da cidade. Ela não apenas convida a reflexão, mas à transformação do pensamento. A cruz é um símbolo que conduz, para fora da Igreja e do anelo religioso para dentro da comunhão com os oprimidos e perdidos. E no sentido reverso, ela é símbolo que chama os oprimidos e os ímpios para a igreja e, por meio dela, para a comunhão do Deus crucificado. Esquecida a contradição da cruz e sua inversão dos valores religiosos, ela deixa de ser um símbolo e se torna um ídolo que não convida mais à reflexão, mas que fomenta o fim da reflexão em uma auto-aprovação. Presentificar a cruz em nossa cultura significa não se acomodar nesta sociedade aos seus ídolos e tabus, temores e fetiches, mas, em nome daquele que no passado foi sacrificado pela religião, sociedade e Estado, se solidarizar com as vítimas atuais da religião, sociedade e Estado, fazendo-se, tal como o Crucificado, irmão e libertador delas. 1

Como afirmou acima Moltmann, O Deus crucificado não apenas nos convida a reflexão, mas à conversão que nos lança para fora da Igreja e do anelo religioso para o encontro com os crucificados da história: os oprimidos e perdidos, na pobreza e na miséria. Mas, a cruz no sentido reverso, ela atrai os crucificados da história: oprimidos e os ímpios para a comunhão com Ele na Igreja. Nesta perspectiva, vejamos a seguir a influência do

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concílio, das conclusões dos documentos conciliares e, as conclusões dos documentos das Conferências Gerais do CELAM sobre a teologia da cruz na cristologia latino-americana.

1.1- A Teologia da Cruz no contexto latino americano: Vaticano II, Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida

O ponto central da fé cristã afirma que Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, morreu crucificado. Foi este dado da fé cristã que desde o princípio marcou a diferença entre a nova fé em Cristo e as diversas concepções religiosas do mundo circundante. O apóstolo Paulo está consciente de que o anúncio de um messias crucificado foi e continua sendo loucura para

gregos ilustres e escândalo para os judeus ortodoxos (1Cor 1,23). “A cruz de Jesus constituiu

desde o princípio a linha divisória entre a existência cristã e qualquer outro tipo de religião,

mesmo quando entre elas existiam também crenças em deuses ressuscitados.”

Na América Latina a cruz se constituiu tradicionalmente no ponto central das festas populares. Em geral os camponeses e os oprimidos realizavam tradicionalmente sua festa cristã na sexta-feira santa e não tanto no domingo da ressurreição ou no dia de natal. Para Sobrino, o que aí existe de intuição profunda teve, por outro lado, sua contrapartida real na adoção da sexta-feira santa como substitutivo da responsabilidade libertadora.

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Jesus, se ela for realmente cristã.2 Ou seja, a cruz nos conduz para fora da Igreja e do anelo religioso e nos lança nas estradas da vida para o encontro com os crucificados: os violentados pela injustiça, os oprimidos, os excluídos, os pobres e miseráveis. Embora a violência tenha diversas modalidades e causas, mas uma delas é a “exclusão social dentro da sociedade e entre os povos.” 3Um sistema social e econômico injusto é uma forma de violência, “um mal embrenhado nas estruturas de uma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de

morte.” 4 A cruz de Cristo nos convida a experiência da mística do viver juntos, “misturar

-nos, encontrar--nos, dar o braço, apoiar--nos, pois a experiência do viver juntos se fundamenta

na mística da encarnação, “a verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom

de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros.”

5 Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à “revolução da ternura.” 6

Diante da reflexão anterior sobre a teologia da cruz podemos verificar que a partir da década de sessenta (60) emerge uma consciência social e eclesial em decorrência dos inúmeros desafios presentes na sociedade latino-americana.7Os documentos do CELAM podem nos ajudar a perceber qual foi o papel da Igreja em vistas destes desafios sociais e posteriormente apontar qual seria a conduta cristã para com os menos favorecidos de nossa sociedade, isto é os crucificados.8

Desta forma, dentro do contexto latino americano, a teologia da cruz nos serve como uma forma de reflexão teológica que nos pode nortear há uma consciência mais madura e dinâmica dentro da Igreja. Ao perceber o sofrimento dos mais necessitados, dos oprimidos e marginalizados, nos faz perceber que tal sofrimento corresponde com o sofrimento de Cristo

2SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 191-192 3 FRANCISCO.

Evangelli Gaudium. n.59 4 Ibid.

5 Ibid.. n. 88. 6 Ibid.

7 Cf. BOFF, Clodovis e Leonardo. Como fazer teologia da libertação. Petrópolis. Vozes, 1998.

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(cf. Lc 4,18-19). Não se pode negar que no momento da encarnação o Verbo se fez homem9 e sendo homem se fez solidário a humanidade mesmo na dor e no sofrimento.10 Da teologia da cruz brotam duas realidades: a primeira nasce da humanidade de Cristo feito homem, a segunda, da morte na cruz a humanidade conhece a salvação.11 Assim, dentro do contexto latino-americano torna-se necessário identificar quem são aqueles que sofrem, e levar até eles a boa-nova da salvação.

Como Cristo nos fez conhecer a salvação pela sua morte de cruz a Igreja, como sacramento de Cristo, tem o compromisso em anunciar a boa-nova levando a esperança para

quem não tem esperança: “Devemos apresentar Jesus de Nazaré compartilhando a vida, as

esperanças e as angústias do seu povo e mostrar que ele é o Cristo crido, proclamado e

celebrado pela Igreja”.12Achegar-se a Deus é achegar-se aos oprimidos (cf. Mt25, 46 et seq.),

pois “se Deus nos amou desta maneira, devemos também amar-nos uns aos outros” (1Jo 4,11)

e vice-versa.A teologia da cruz é uma teologia da esperança, pois Deus não fica indiferente aos crimes, não deixa a chaga ficar aberta até à manifestação de sua justiça no fim do mundo, com a encarnação do Verbo Deus intervém e justifica em Jesus ressuscitado a todos os empobrecidos e crucificados da história. Esperam-se pela dignidade, pela fraternidade, virtudes estas que só percebemos pelas ações de Cristo: “Ele sabe muito bem o que hoje tanto

se cala na América Latina: que se deve libertar a dor pela dor, isto é, assumindo a cruz e convertendo-a em fonte de vida pascal”.13

Não é de se admirar que na América Latina sufocada pelos “males do capitalismo” 14

fez com que surgissem movimentos que visavam à libertação sócio-política e à mudança do

9 DENZINGER-HÜNERMANN. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. Tradução de José Marino Luz e Johan Konings. São Paulo: Paulinas, 2007. n.125-126, para Nicéia e n.301-302, para Calcedônia.

10Cf. Gaudium et Spes, n. 1. 11Ibid.

12Ibid., n. 176, p. 95. 13Ibid., n. 228, p. 117.

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sistema econômico. Contudo, tais movimentos foram reprimidos com mão de ferro e as mudanças estruturais foram evitadas a custo de milhares de vidas humanas. O povo se via crucificado pelas injustiças e opressões causadas por forças maiores. Faltava-lhes esperança por uma vida mais digna e honesta.15

Diante deste movimento histórico de repressão, surgiram na América Latina uma práxis e uma reflexão teológica, que conseguiram revelar algumas significações ocultas daquele momento histórico.

O Cardeal Müller em sua obra recente, nos diz que:

A teologia da libertação, assim como está desenvolvida por Gutiérrez, não é uma sociologia vestida de teologia. A Teologia da Libertação é teologia em sentido estrito. Ela não prega a luta de classes, mas superação do antagonismo realmente existente entre classes e grupos de poder e também do racismo, elementos estes dos quais nascem à pobreza e o desprezo pela dignidade da maior parte da humanidade.16

Com efeito, o Cardeal Müller apresenta os fundamentos da Teologia da Libertação juntamente com alguns princípios metodológicos que podem nortear o desenvolvimento desta mesma teologia:

uma livre economia de empresa, de mercado, na qual as pessoas investem o seu trabalho e as suas capacidades cooperando para a edificação e o funcionamento de uma economia social, no contexto de um estado de direito constituído democraticamente. Diante do fracasso deste sistema capitalista em estado puro e da correspondente mentalidade de desprezo dos direitos humanos, a Teologia da Libertação continua com uma atualidade candente. O elemento que distingue fundamentalmente a Teologia da libertação do sistema marxista e do sistema capitalista é, ao contrário, exatamente aquele que une profundamente esses dois sistemas, mesmo com todas as contraposições que definem a sua relação. Ou seja, aquela concepção do homem e da sociedade comum a ambos, segundo a qual Deus, Jesus Cristo e o Evangelho não podem ter papel algum na humanização do homem, nem sob o aspecto individual, nem sob o aspecto social. Contudo, a Teologia da Libertação não morrerá enquanto houver homens que se deixem contagiar pelo agir libertador de Deus e que façam solidariedade com os sofredores, cuja vida é espezinhada, a medida da sua fé é a mola do seu agir na sociedade. Teologia da Libertação significa, em suma, crer em Deus como Deus da vida e como fiador de uma salvação entendida na sua inteireza, a qual resiste a deus e ídolos responsáveis por mortes prematuras, pobreza e degradação do

homem.” MÜLLER, G. L. Pobre para os pobres: a missão da Igreja. Tradução de Jaime A. Clasen. São Paulo:

Paulinas, 2014, p. 33-34.

15 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 14-37.

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O fundamento da Teologia da Libertação é a fé que Deus criou o homem à sua imagem e que, no seu Filho Jesus Cristo, se ocupa do homem a ponto de Jesus aceitar a morte à qual os seus adversários o condenaram. O objetivo é tornar Deus reconhecível como Deus da vida e como vencedor da morte em todas as dimensões da existência humana. A Teologia da Libertação supera todo dualismo que quer relegar a um além e reduzir a salvação à mera dimensão interior. Desse modo, resulta para a teologia um tríplice passo metodológico.

Primeiro: na fé e no seguimento de Jesus os cristãos participam ativamente na práxis libertadora de Deus pela dignidade pessoal do homem e pela sua salvação. Na análise da sociedade, a Teologia da Libertação utiliza-se também dos métodos das ciências humanas e sociais. Nisso se diferencia da teologia clássica, dialogando não só com a filosofia. Exatamente nesse ponto se justificam as observações feitas pela Congreção para a Doutrina da Fé (Libertatis nuntius, 1984). Como isso se quer evidenciar a necessidade de distinguir entre os resultados sociais, por um lado, e por outro, os desvios ideológicos provenientes deles. Como se sabe, a segunda instrução para a Doutrina da Fé (Libertatis consciência, de 1986) valoriza lato sensu uma teologia da liberdade retamente entendida.

Daí resulta como segundo passo metodológico, a análise social, ou reflexão crítica e racional à luz do Evangelho e da revelação sobre as causas nacionais, bem como sobre as dimensões históricas e estruturais da pobreza maciça.

Um terceiro passo, enfim, está dirigido a uma transformação ativa, pensada criticamente, da realidade empírica. Porque o objetivo é o domínio de Deus na terra assim como anunciado por Jesus. O domínio de Deus deve ser entendido aqui como princípio dinâmico que, na concretização da condição dos homens que sofrem os efeitos do estranhamento de Deus, se torna princípio transformador na vida humana, social e individual na terra. Daqui deriva a opção preferencial pelos pobres e pelas pessoas privadas da sua dignidade humana.

A opção pelos pobres não exclui os ricos. Porque também eles são destinatários do agir libertador de Deus, libertados da angústia de se sentirem obrigados a realizar a sua vida somente arrancando a dos outros para si. Tanto com respeito aos pobres como aos ricos, o agir libertador de Deus tende a uma transformação deles em autênticos sujeitos humanos, portanto, a serem libertados de qualquer forma de opressão e de dependência. 17

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O Concílio Vaticano II dava uma nova perspectiva na vida eclesial e esta novidade, que chegou até a América Latina, onde o Concílio fora muito bem recebido, sendo, nos anos subseqüentes sumas referência constante para a Igreja e, evidentemente, para a teologia, que se desenvolveu no contexto latino americano, e nesta a reflexão sobre a cruz.

Ao olharmos a história é possível a princípio percebermos as luzes do Concílio Vaticano II, pois a idéia conciliar teve como ponto de partida em 11 de setembro de 1962, quando os bispos latino-americanos faziam as malas para viajar para Roma, ouviu o Papa

João XXIII falar, pelo rádio, de alguns “pontos luminosos” 18 relativos ao Concílio. E, no

contexto de que “a Igreja sente o dever de honrar suas responsabilidades diante das exigências

e necessidades atuais dos povos” 19, ouviram-no dizer: “Outro ponto luminoso: diante dos

países subdesenvolvidos, a Igreja apresenta-se tal como é, e quer ser a Igreja de todos, mas, particularmente, a Igreja dos pobres”.20 Ora os pobres são vítimas do sistema injusto que os crucifica, são os que sofrem violência são desumanizados e ofendidos em seus direitos.” 21A

repercussão de maior impacto na aula conciliar sobre a “Igreja dos pobres” 22 foi à

intervenção do Cardeal arcebispo de Bolonha (Itália), Giácomo Lercaro, quando o Concílio ainda buscava seu rumo no final de sua agitada primeira sessão, exatamente no dia 6 de dezembro de 1962.

Em sua extensa intervenção, o Cardeal Lercaro reclamou que faltava ao Concílio “um

princípio vivificador e unificador” 23de todos os seus temas. E propôs um com estas três

dimensões: “O Mistério de Cristo nos pobres, a eminente dignidade dos pobres no Reino de

18ALBERIGO, G. (Org.). História do Concílio Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 2000, v. 2, p. 192. 19Ibid.

20 Ibid.

21 BOFF, L. Como pregar a cruz hoje numa sociedade de Crucificados. Petrópolis, Vozes, 1972, p. 127.

22LERCARO, G. Intervenção na Congregação Geral de 6 de novembro de 1962. In: Acta Synodalia Sacrasancti Concilii Ecumenici Vaticani II. v. I, periodus prima, pars IV, 327-330. Bologna: Centro Editoriale Dehoniano, 1985, p. 327-330.

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Deus e na Igreja e o anúncio do Evangelho aos pobres” 24. Discorreu teológica, eclesial e

histórica e disse: “Esta é à hora dos pobres, dos milhões de pobres que estão por toda a terra:

esta é à hora do Mistério da Igreja mãe dos pobres, esta é a hora do Mistério de Cristo no pobre.” 25 E pediu aos padres conciliares “que o centro articulador de todas as temáticas”26

fosse “o Mistério de Cristo nos pobres da terra e o Mistério da Igreja mãe dos pobres” 27.

Cobrou “prioridade para formular a doutrina evangélica sobre a eminente dignidade dos

pobres no Reino de Deus e na Igreja” 28e pediu que os padres conciliares estabelecessem “o

primado eclesial da evangelização dos pobres”.29

Os estudiosos, afirmam que o Concílio Vaticano II foi um concílio de preocupações pastorais, pois o próprio Papa Paulo VI afirma em seu discurso de encerramento do Concílio que a preocupação principal do mesmo é o homem contemporâneo e sua situação. 30 Apesar de não ter sido um concílio que buscava definições dogmáticas novas, o Vaticano II teve como pano de fundo o patrimônio teológico da Igreja, acumulado ao longo dos séculos. 31 E isto pode ser verificado nas questões cristológicas, pois as perspectivas cristológicas presentes nos textos do Vaticano II remetem às afirmações tradicionais da Igreja sobre a pessoa de Jesus Cristo, assumidas nos primeiros concílios da Igreja, como Nicéia (325 d. C.) e, sobretudo, Calcedônia (381 d. C.).32

Sobre o Concílio Manzatto escreve o seguinte:

Fiel à tradição teológica sobre o Cristo, o Vaticano II o apresenta, em primeiro lugar como o Salvador. A questão soteriológica é extremamente importante na cristologia,

24 Ibid. 25 Ibid. 26 Ibid. 27 Ibid. 28

Ibid. 29 Ibid. 30 Ibid. 31

Veja-se a monumental obra na atualidade de: GRILLMEIER. Le Christ tradicion chrétienne.Paris: Cerf, 1973-1976. 4 v. Veja-se também: SESBOÜÉ, B. (Dir.). História dos Dogmas. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Loyola. 2002. Tomo 1-4.

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não se podendo nunca separar a pessoa de Jesus de seu serviço à salvação da humanidade. Desde os primeiros textos conciliares nota-se essa preocupação dos padres: afirmar o Cristo como o Redentor da humanidade, como transparece, por exemplo, na grande constituição dogmática sobre a Igreja, Lumem Gentium (LG).

Esse Cristo Salvador, no entanto, não é simplesmente um mito, mas tem história. A presença do eterno na história humana é afirmada desde o Antigo Testamento, mas o Concílio quer lembrar que, em Jesus, essa presença se dá pela realidade da encarnação: ’O Verbo se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a sua glória’ (Jo 1,14).

A historicidade vivida por Jesus, isto é, seu contexto histórico concreto, passa a ser não apenas valorizada, mas vista como a maneira escolhida por Deus para realizar a salvação do gênero humano, e isso aparece claramente na grande constituição pastoral obre a Igreja no mundo de hoje, a Gaudium et Spes (GS). A história é lugar de salvação, e a história de Jesus a realiza. 33

O Concílio compreende Jesus como o Salvador34, pois Jesus Cristo é aquele que possibilita ao humano reencontrar o sentido de sua vida e de sua história em Deus, é aquele que restabelece a comunicação entre Deus e o humano, é o revelador de Deus ao humano, mostra-lhe seu desejo de salvação, assim como é também o exemplo do humano que aceita a proposta de Deus, afirmando o humano como possível de relacionamento com Deus.35“Mais

ainda, o Concílio se preocupa em dizer que a salvação não é apenas endereçada a indivíduos

isolados, mas constituídos em um povo.”36

Nesta mesma perspectiva afirma Manzatto, que:

33MANZATTO, A. O Paradigma cristológico do Vaticano II e sua incidência na cristologia latino-americana. In. GONÇALVES. Paulo Sérgio; BOMBONATTO, Vera Ivanise. Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004, p.209.

34 Veja-se: “a salvação não concerne apenas ao aspecto espiritual do homem, mas abrange toda a sua realidade, inclusive o material, nas suas dimensões política econômica e social, como bem precisa a Gaudium et Spes. ‘A pessoa deve ser salva e a sociedade, consolidada. [...] O ser humano na sua totalidade (GS, 3) é o destinatário da obra do amor de Deus. A salvação encontra o humano no centro de sua existência, e de lá o convida a ser mais (GS, n. 21 e 77), a reencontrar sua dignidade de ser humano amado por Deus.

35Ibid., p.211.

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Se a mensagem de salvação de Jesus é simbolizada na imagem do Reino de Deus (Mc 1,15),37 se ela é resumida no novo mandamento do amor, a Deus e ao próximo (Mc 12, 29-31), ela não pode ser entendida apenas como espiritual, mas deve tocar o homem todo e todos os homens, já que todos formam o novo Povo de Deus. Ultrapassa-se, assim, uma visão privatizante da fé para compreendê-la como profundamente relacionada ao concreto da existência. 38

Todavia, a cruz histórica de Jesus não é um desígnio arbitrário de Deus, mas é

conseqüência da opção originária de Deus: a encarnação. “A cruz é conseqüência de uma

encarnação situada num mundo de pecado que se revela como poder contra o Deus de Jesus.”39

No espírito do Concílio Vaticano II é que acontecem as conferências do CELAM em Medellín (1968) e Puebla (1979), tais conferências foram necessárias para apresentar os desafios na sociedade latino-americana. O sofrimento do povo de Deus, um povo crucificado com suas angustias e dores clamavam por uma vida mais digna. Não faltavam expressões que testemunhavam o empenho eclesial por uma sociedade mais justa. O povo crucificado pelos desafios sociais via sua esperança renascer pelos movimentos sociais. A direção do CELAM e

37 A teologia latino-americana busca retomar a idéia de Reino de Deus não apenas a partir da perspectiva apocalíptica, mas também em seu enfoque profético, já que ambos estão presentes no ensinamento de Jesus. Segundo esse pensamento, não é apenas este mundo que vai a Deus, mas é Deus que vem a este mundo, conforme a afirmação de Jesus, que a teologia latino-americana relembra. Não é apenas o mundo que vai ao céu, mas é o céu que vem ao mundo, ou seja, organizar o mundo segundo o governo de Deus. Ao buscar uma compreensão de Reino mais ampla, que não reduza ao mundo do além, ela aponta para as implicações sociais da pregação de Jesus e da Igreja, e também da prática dos cristãos. Compreenderá melhor a figura de Jesus, suas ações e os conflitos que ele viveu, assim como poderá melhor iluminar a prática dos cristãos no mundo atual, marcado pela divisão da sociedade. O grito em favor dos pobres será, assim, clara conseqüência da cristologia iniciada com o reconhecimento da humanidade de Jesus, sua historicidade e a concretude de seu anúncio do Reino de Deus, com suas implicações sociais. [...] O Reino comporta a idéia de mundo futuro, mas também presente, onde Deus realiza seu governo em benefício dos pobres. [...] O evangelho de Jesus, que é anúncio de salvação, é compreendido como Boa-Noticia para os pobres (Lc 4, 16 et seq.). Salvação passa a ser vista como ligada a um conceito bem mais histórico e concreto, o de libertação. [...] Jesus anunciava a vinda do Reino de Deus, mas mais que isso, ele queria implantá-lo, historicizá-lo, e por diversas formas: pelo perdão, pela acolhida dos pecadores e pagãos, pela a tenção com os doentes, pelo cuidado com os pobres. Sua pregação e sua ação apontavam para uma nova história, um novo começo do mundo, “novos céus e nova terra”. [...] A antiga aliança, afirmada no Sinai, inclui uma forma de relacionamento das pessoas com Deus e entre si; ela será substituída por uma nava Aliança, que ainda será Aliança, ou seja, comportará uma maneira de a humanidade relacionar-se com Deus e entre si, afirmada por Jesus nos dois principais mandamentos, o amor a Deus e ao próximo (Mc 12, 29-31). Cf. MANZATTO, 2007, p. 46.

(27)

o episcopado latino-americano no Concílio tiveram acolhimento e inspiração no Papa Paulo VI, que em seu primeiro discurso ao abrir a segunda sessão do Concílio, assim afirmou:

A Igreja, aberta ao mundo humano, olha com especial interesse os pobres, os necessitados; olha para toda a humanidade que sofre e chora. Esta lhe pertence por direito evangélico, e comprazemo-nos em repetir a quantos a

integram: ‘Venham a mim todos os que sofrem’ (Mt11, 28). 40

.

O próprio Papa Paulo VI,quando regressou a Roma, para a Assembléia Conciliar, dirigiu-se aos bispos latino-americanos, de uma forma incisiva, exortando-os em seu discurso

sobre a paz na ONU, em cinco de outubro de 1965: “A paz”, disse Ele aos bispos:

A paz, deve se fundar na justiça tornamo-nos advogados da justiça; de justiça tem o mundo grande necessidade, e de justiça quer Cristo que sintamos fome e sede. E nós sabemos que a justiça é progressiva, e que, à medida que a sociedade progride, torna-se mais profundamente consciente da sua imperfeita composição vindo, então, à luz, os gritos e os clamores suscitados pelas desigualdades que continuam a atormentar a humanidade. Não é o fato de verificarem-se desigualdades entre classe e classe, entre nação e nação, a mais grave ameaça feita à paz? Todas essas coisas são bem conhecidas. E, agora, elas nos convidam a reconsiderar o que podemos fazer para remediá-las. As condições em que se encontram as populações em vias de desenvolvimento devem ser objeto da nossa consideração – ou, digamos com mais propriedade, da nossa caridade [...] Possa o Senhor permitir que estejamos habilitados a fazer seguir ao testemunho da palavra o testemunho da ação. 41

Duas afirmações do Papa em sua alocução no encerramento do Concílio, em sete de dezembro de 1965, repercutiram nas duas seguintes conferências gerais do episcopado latino-americano:

40 PAULO VI, Discurso de 29 de setembro de 1963. In: VATICANO II. Mensagens Discursos Documentos. Tradução Francisco Catão. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2007, p.58.

(28)

Nunca, talvez, como no tempo deste Concílio, a Igreja sentiu-se na necessidade de conhecer, avizinhar, julgar retamente, penetrar, servir e transmitir a mensagem evangélica, e, por assim dizer, atingir a sociedade humana que a rodeia, seguindo-a na sua rápida e contínua mudança.E “no rosto de todo ser humano, sobretudo se si tornou transparente pelas lágrimas ou pelas dores, devemos descobrir o rosto de Cristo (Mt25,40). 42

Desta forma, vemos a preocupação da Igreja em vista das dificuldades dos mais necessitados, dos crucificados deste mundo. Suscitava-se no seio da Igreja o empenho por uma sociedade mais justa e fraterna. O sofrimento dos mais pobres, dos marginalizados e dos oprimidos pela classe dominante se assemelhava ao sofrimento de Cristo, o Cristo crucificado. A teologia da cruz começava a desenvolver-se dentro do contexto Latino Americano e aliviar a dor daqueles que sofriam era o mesmo que tentar aliviar as dores e o sofrimento de Cristo em seus momentos de angústia, sobretudo sua paixão e crucificação.

Com efeito, no décimo aniversário da criação do CELAM, em 24 de novembro de 1965 (duas semanas antes do encerramento do Concílio Vaticano II), o Papa Paulo VI reuniu a direção e as equipes do CELAM e todos os bispos latino-americanos que participavam do Concílio. E exortou-os a assumirem, como Igreja na América Latina:

Uma sociedade em movimento sujeita a mudanças rápidas e profundas, onde defender o que existe já não basta, porque a massa da população ganha consciência cada vez maior de suas difíceis condições de vida e cultiva um desejo irrefreável e bem justificado de mudanças satisfatórias. 43

Nessa exortação, lamentou-se o Papa Paulo VI por:

Aqueles que permanecem fechados ao sopro renovador dos tempos e mostram-se carentes de sensibilidade humana e de uma visão crítica dos problemas que agitam

42 Ibid., p. 124.

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ao seu redor. Disse aos bispos que a fé do povo latino-americano deve alcançar maior maturidade. E animou-os a orientar a evangelização para transformar as paróquias em verdadeiras e autênticas comunidades eclesiais, nas quais ninguém se sinta estranho e das quais todos sejam parte integrante e a passar à ação social: A súplica dolorosa de tantos que vivem em condições indignas de seres humanos não pode deixar de afetarmos, veneráveis irmãos, e não pode deixar-nos inativos, já que não pode nem deve ficar desatendida e insatisfeita. Devemos assumir um compromisso solene a fim de que a Igreja, movida e inspirada, sempre pela caridade de Cristo, que fecha a via a solução de desordem e violência, tome suas responsabilidades para a consecução de uma sã ordem de justiça social para todos. 44

Era evidente que a teologia da cruz se acentuava cada vez mais no contexto latino-americano em decorrência dos inúmeros desafios presentes na sociedade. Desafios estes que foram suficientes para a edificação de uma teologia que pudesse alimentar o desejo de uma libertação, de uma salvação ou até mesmo um resgate daquele povo de Deus, sofredor e crucificado pelas injustiças e pela exploração de uma classe que se considerava superior. 45

Dos pontos luminosos de João XXIII, de Paulo VI e do Cardeal Lercaro, que iluminaram a experiência eclesial e espiritual do Concílio Vaticano II em Roma, serviram para dar um novo alento às interpretações das conferências do Episcopado latino americano, vêem-se poucos vestígios nos documentos conciliares.46 Mas sua luz estende-se pelos documentos de Medellín, de Puebla, Santo Domingo e até o Documento de Aparecida. Esses

44PAULO VI. 1996, p. 773, n. 252.

45 “Já no Antigo Testamento, na experiência do êxodo, se mostra como a redenção é entendida como agir libertador. Deus não manda os israelitas escravizados para um além melhor, mas os conduz para a terra da promessa, que é a terra da liberdade. O agir libertador de Deus culmina na vida de Cristo. Jesus anuncia o Reino de Deus como evangelho para os pobres, para os excluídos, para os doentes. Além disso, demonstrou o agir libertados de Deus também diante da resistência dos pecadores, ao dar prova, até sua própria morte, do amor de Deus como fundamento da existência humana, na vida e na morte. Através da cruz e da morte de Jesus, Deus elevou o mundo à categoria de realidade, na qual vai se impondo a nova criação. Por isso a cruz é reveladora da opção de Deus por aqueles que sofrem, pelos deserdados, pelos torturados, pelos assassinados.” MÜLLER, 2014, p. 31-44.

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pontos luminosos concentram-se em muitas páginas dos documentos de Medellín, sobretudo

nos textos relativos à “Pobreza da Igreja”, “Paz” e “Promoção Humana”.47

No documento de Puebla, dão luz e força profética à “visão sociocultural da realidade

da América Latina” e “da realidade eclesial”; acentuadamente nos números 24-50, com os

rostos latino-americanos que são “traços sofredores do rosto de Cristo”, e até o n. 149. “E, sobretudo, a opção preferencial pelos pobres” (n. 1.134-1.165).

As reflexões de Santo Domingo vêem-se em “novos sinais dos tempos no campo da promoção humana”. Sobretudo, “empobrecimento e solidariedade” com os “novos rostos

sofredores” (n. 178-181). Também nos “desafios das culturas indígenas, afro-americanas e

mestiças” (n. 228-262). E nas “Linhas pastorais prioritárias”, de maneira particular em “Uma

promoção humana integral dos povos latino-americanos e caribenhos” e “Uma evangelização inculturada” (n. 296-301).

Por sua vez, no Documento de Aparecida seguindo a reflexão pós-conciliar de Puebla,

apresenta a Igreja também como “comunhão e participação” (n. 213, 368), “comunidade de

amor” (n. 159), como “Igreja comunhão” e como “comunhão de Igreja” (n. 156) e como

discípula de Cristo a Igreja se torna samaritana: “Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja samaritana (Cf. Lc 10, 25-37), recordando

que a evangelização vai unida sempre à promoção humana e à autêntica libertação cristã”.48

E assume “como Igreja a causa dos pobres” (DAp, n. 94), os bispos do CELAM em

Aparecida em sintonia com o Concílio Vaticano II, e os documentos anteriores do Episcopado Latino Americano procuraram dar ênfase a uma pastoral do seguimento de Jesus Cristo:

Conhecer a Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-lo é uma graça, e transmitir esse tesouro aos demais é uma tarefa que o Senhor nos chama e nos escolhe. Com os

47 PARADA, H. Crônica de Medellín. Bogotá: Indo-American Press Service, 1975, p. 237-238.

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olhos iluminados pela luz de Jesus Cristo Ressuscitado, podemos e queremos contemplar o mundo, a história, os nossos povos da America Latina e do Caribe, e cada um de seus habitantes. 49

Hoje temos diante de nós a situação econômica conduzida pelo mercado e o fenômeno da globalização, a qual:

Comporta o risco dos grandes monopólios e de converter o lucro em valor supremo, sendo assim como em todos os campos da atividade humana, a globalização deve reger-se também pela ética, colocando tudo a serviço da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus. 50

A injustiça e opressão, ainda estão presentes no documento de Aparecida que acentua a teologia da cruz pelo sofrimento humano (sobretudo a violência urbana), fazendo correspondência ao sofrimento de Cristo. Os pobres e sofredores não estão à margem do Documento de Aparecida, mas sim é um dos temas mais relevantes, pois:

Na globalização, a dinâmica do mercado absolutiza com facilidade a eficácia e a produtividade como valores reguladores de todas as relações humanas. Esse caráter peculiar faz da globalização um processo promotor de iniqüidades e injustiças múltiplas. A globalização, tal como está configurada atualmente, não é capaz de interpretar e reagir em função de valores objetivos que se encontram além do mercado e que constituem o mais importante da vida humana: a verdade, a justiça, o amor, e muito especialmente a dignidade e os direitos de todos, inclusive daqueles que vivem à margem do próprio mercado. 51

Diante disto, o discípulo e missionário seguindo os passos do mestre Jesus, segundo o documento de Aparecida, é chamado a ser sal e luz (Mt 5, 13-14), fermento na massa, pois:

49 Ibid. n. 11.

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Frente a essa forma de globalização, sentimos forte chamado para promover uma globalização diferente, que esteja marcada pela solidariedade, pela justiça e pelo respeito aos direitos humanos, fazendo da América Latina e do Caribe não só o Continente da esperança, mas também o continente do amor como propôs SS, Bento XVI no discurso inaugural desta Conferência. 52

Não encontramos nos referidos documentos fruto das Conferências Gerais do Episcopado Latino Americano e Caribenho, uma cristologia sistematizada sobre a cruz, mas percebemos que esta teologia se encontra de maneira difusa aí, pois a cruz nos remete à: violência, injustiça, opressão, sofrimento, abandono, exclusão, etc.

Sendo assim, à luz destes documentos fruto das Conferências Gerais do Episcopado Latino Americano e Caribenho vamos verificar o desenvolvimento da teologia da cruz e sua compreensão na cristologia em nosso Continente Latino Americano.

Quem lê os documentos dessas conferências gerais do episcopado latino-americano

percebe neles a mesma primazia dos “pobres e crucificados” 53 que se encontra no evangelho

de Jesus Cristo, e se constitui uma missão para a Igreja; encontra aquilo que o cardeal Lercaro

chamou de “o Mistério de Cristo e da Igreja nos pobres” 54 ou “a eminente dignidade dos

pobres no Reino de Deus e na Igreja” 55, o ponto luminoso que João XXIII apresentou ao

dizer que, “nos povos subdesenvolvidos, a Igreja de todos há de ser, particularmente, Igreja

dos pobres”.56 Em suma, algo sem o que a Tradição eclesial deixaria de ser a tradição da

Igreja de Jesus Cristo.

Tais eventos marcaram a práxis eclesial latino americana, exatamente neste mesmo espírito que se desenvolvem as comunidades eclesiais de base e a teologia da libertação,

52 Ibid.

53 A Teologia da Libertação nasceu do desafio que representa para a fé a maciça e desumana pobreza existente na América Latina e no Caribe. “Miséria desumana” (Medellín, Pobreza, n. 1), “pobreza anti-evangélica” (Puebla, n. 1159), “o flagelo mais devastador e humilhante que vivem a América Latina e o Caribe” ( Santo Domingo, n. 179).

54 LERCARO, op. cit., p. 327-330. 55Ibid.

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responsáveis por um florescimento eclesial nunca antes visto na história latino-americana. É no espírito do Concílio que a Igreja se compromete com os fracos, formulando a sua opção preferencial pelos pobres, e que ela contempla o aumento significativo do número de seus

mártires. O processo de teologização desta práxis teve o “humano” e o “histórico” como

chave hermenêuticas importantes.

A renovação instaurada pelo Concílio Vaticano II é a responsável pela afirmação dessa identidade teológica da Igreja latino americana:

Todos aqueles que são oprimidos pela pobreza, fraqueza, doença ou outras dificuldades, saibam estar unidos especialmente a Cristo, que sofre para a salvação do mundo. Unam-se também a ele os que sofrem perseguição por causa da injustiça e que o Senhor proclama bem aventurados no Evangelho. ‘Depois de sofrerem um pouco, Deus, fonte de toda graça, que os chamou em Cristo Jesus para sua glória eterna, os restabelecerá, firmará e fortalecerá’ (1Pd5,10). 57

A cristologia Latino Americana, por sua vez se desenvolve a partir dos desafios da sociedade latino-americana.58 De acordo com o contexto latino-americano, foi desenvolvida uma metodologia própria, um método59 já presente nos documentos do CELAM, é o método: ver–julgar–agir.60 Tal método facilita perceber os desafios sociais vinculados a uma teologia Bíblica, em que a partir de então podemos dar uma referência a uma prática pastoral. Têm também suas preocupações específicas, as do contexto latino americano, marcado pela violência, pela pobreza e pela fé. Dispõe a pensar, exatamente, a incidência dessa fé sobre a situação vivida e as possibilidades de sua mudança. Privilegia assim a ação dos cristãos,

57 DAp., n. 11.

58Sobre a história, método ou evolução da teologia da libertação, seus temas mais relevantes ver: BOFF, Clodovis e Leonardo. Como fazer teologia da Libertação. Petrópolis, Vozes,1998. LIBANIO, João Batista. Teologia da libertação: roteiro didático para um estudo. São Paulo: Loyola, 1987. RODRIGUEZ, Saturnino. Pasado y futuro de la teologia de la liberación. Estella: Verbo Divino,1992. COMBLIN, José; GONZALES FAUS, José I.; SOBRINO, Jon (Ed.). Cambio social y pensamiento Cristiano en América latina. Madrid: Trotta, 1993. RICHARD, Pablo. Força ética e espiritual da teologia da libertação. São Paulo: Paulinas, 2006.

59 LIBÂNIO, op. cit.

60“Em continuidade com as Conferências Gerais anteriores do Episcopado Latino-americano, este documento faz

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voltando-se para a prática da Igreja, e indicando caminhos, até de ação política, para que essa prática efetivamente transforme a realidade vivida e a aproxime da promessa do Reino de Deus.

A pessoa de Jesus diante deste contexto é mais do que exemplar. Se, de um lado, a valorização da história e do contexto permite refazer a compreensão da vida de Jesus, de outro a compreensão da densidade de sua humanidade permite situar no tempo presente, a incidência de seu projeto. Busca-se uma compreensão do que significa a ação prática de Jesus,

“relendo-a dentro do contexto latino americano.” 61

Novas luzes iluminam, então, a reflexão teológica: uma melhor compreensão da predileção pelos pobres e suas ações de libertação em favor deles; a ligação entre a prática de Jesus e sua morte, que já não é mais vista como querida por Deus, mas sim como imposta pela resistência à sua pregação sobre o Reino; a ligação entre a ressurreição de Jesus e sua prática, no sentido de confirmá-la e de deixá-la como legado à Igreja nascente; afirma-se, assim uma possível articulação entre as libertações históricas experimentadas na sociedade e a salvação escatológica realizada por Jesus.62

Assim, a teologia Latino americana tendo como base “a pessoa de Jesus, nutrindo-se das

pesquisas bíblicas e históricas,” 63 pode perceber a esperança se tornar a via de acesso ao

Reino de Deus. Mesmo com sofrimento humano refletindo nas diversas circunstâncias da vida, o homem espera em Deus e confia nele. Desta forma, a Igreja se torna aquela que manifesta a solidariedade de Cristo, leva o amor de Deus aos mais necessitados, aflitos e aos

61 MANZATTO, 2007, p. 40.

62Cf. FERRARO, Benedito. A Significação Política e Teológica da Morte de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 101.

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mais pobres. “A cruz de Cristo é também o nosso sofrimento.” 64 “Ser a luz de Cristo não é levar a dor e o sofrimento, mas sim a esperança por uma vida mais digna e fraterna”.65

Pois:

Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja Samaritana (cf. Lc10, 25-37), recordando que ‘a evangelização vai unida sempre à promoção humana e a autentica libertação cristã. ’Damos graças a Deus e nos alegramos pela fé, solidariedade e alegria características de nossos povos, transmitida ao longo do tempo pelas avós e avôs, as mães e pais, os catequistas, os rezadores e tantas pessoas anônimas, cuja caridade mantém viva a esperança em meio às injustiças. 66

Deus assume a cruz em solidariedade e amor com os que sofrem na cruz. A cruz não é amor, nem é fruto do amor, mas é o lugar onde se mostra aquilo do que o amor é capaz, ou seja, “a cruz não está para ser compreendida. Está aí para ser assumida e andar no caminho do Filho do Homem que a assumiu e por ela nos redimiu” 67 e, portanto, a cristologia

latino-americana não parte dos dogmas cristológicos como o fazem algumas cristologias tradicionais. Ela “parte da tradição primeira, o texto do Novo Testamento interpretado com a hermenêutica a partir dos povos crucificados,” 68

1.2- A morte de cruz de Jesus, a Idolatria do mercado e os povos crucificados

Em nossa profissão de fé há uma afirmação fundamental e que não podemos deixar de

lado sem comprometer o mistério da encarnação: “E por nós homens-mulheres

64DOCUMENTO DE PUEBLA. A evangelização no presente e no future da América Latina. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 1987. n. 278, 333, 339. A partir das próximas citações vamos usar a sigla: PUEBLA.

65 BOFF, LEONARDO. Paixão de Cristo Paixão do Mundo. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 158-162. 66 DAp, 2007, n. 26.

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(e para nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo, no

seio da Virgem Maria, e se fez homem (humano – humanatus est).” 69 Ora isto quer dizer que Jesus de Nazaré entra na conflitividade humana e sua vida e morte só podem ser compreendidas dentro do contexto sócio-histórico de sua época.

Como afirma a GS, 22:

Com efeito, por sua encarnação, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano. Nascido da Virgem Maria tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado.

Toda tentativa de tirar Jesus das implicações econômicas, políticas e sociais de sua época é um atentado contra a encarnação. É uma nova forma de docetismo que nega o fato de Jesus ter assumido verdadeiramente a história humana. Segundo os evangelhos, Deus não quer que o Filho morra para satisfazê-lo, mas que ele não se evada magicamente da condição humana, que seja coerente e que assuma a conflitividade de sua história até o fim, como

“conseqüência de sua opção pelos pobres, oprimidos, marginalizados e excluídos de seu

tempo.” 70 Portanto, desvincular a morte de Jesus das suas motivações humanas e causas

históricas é favorecer uma má compreensão do sentido desta morte, como se fosse um simples destino trágico ou determinismo que isenta todos de qualquer responsabilidade frente ao crime cometido que é a morte violenta na cruz.

O que significa a morte violenta de Jesus na cruz, para as autoridades romanas? A morte de Jesus é compreendida como manutenção da ordem do Império, ou seja, ordem sagrada e mantida pelos deuses e que não poderia ser, de modo algum, atacada. Eis como Flávio Joséfo mostra a impossibilidade de enfrentá-las, pois lutar contra os romanos seria lutar contra Deus:

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A fortuna, de fato, tinha de todos os cantos vindos para eles (romanos), e Deus, que percorrera a rota das nações, trazendo a cada uma o bastão do império, agora descansava sobre a Itália... Vocês não estão guerreando contra Deus... A divindade escapou dos lugares sagrados e assumiu Sua posição ao lado daqueles contra quem vocês agora estão lutando. 71

Para os dirigentes judeus, a morte violenta na cruz de Jesus é vista como cumprimento

da lei: “Nós temos uma lei, e conforme esta lei ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus”

(Jo 19,7). Na verdade é uma forma de sacrifício para purificar a cidade. É também uma forma

de manutenção do status quo favorável ao grupo dominante: “Vós nada entendeis. Não

compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a

nação toda?” (Jo 11, 49-50). Estamos diante da legitimação do sacrifício pela Lei e que

encobre toda e qualquer responsabilidade (cf. Lc 4, 22-30).

Para o mercado globalizado: hoje, estamos diante de uma sociedade que diviniza o mercado. Os dominantes de hoje fazem muitas promessas, tentando conquistar a cabeça e o coração das pessoas. Há um processo de divinização e sacralização do mercado:

Quando se pretende revalorizar a religião como instrumento de criação de confiança ou objetivos em vista do aumento da eficiência e, em última instância, da riqueza, está negando a religião o que lhe é mais próprio: a referência à transcendência e, portanto, a revitalização de todas as instituições humanas. Esta instrumentalização da religião ou a redução da religião a um instrumento de acumulação econômica só é possível e compreensível com a absolutização de algo que é exterior à experiência religiosa e que é inteiramente humano: mercado. A lógica do mercado, com sua lei da concorrência e a sobrevivência do mais eficaz, é elevada à condição de absoluto que sustenta todo sistema. 72

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Por isso os dominantes exigem a fé no mercado que por sua vez promete realizar a felicidade de todos. Proclamam que fora do mercado não há salvação! Tudo que possa contrariar o livre desenvolvimento do mercado é perigoso e deve ser imediatamente extirpado. Na verdade, é isso que estamos presenciando no Brasil e na América Latina:

Dentro dessa ampla preocupação pela dignidade humana, situa-se nossa angústia pelos milhões de latino-americanos e latino-americanas que não podem levar uma vida que corresponda a essa dignidade. A opção preferencial pelos pobres é uma das peculiaridades que marca a fisionomia da Igreja latino-americana e Caribenha. 73

Com a implementação do sistema neoliberal: crianças de rua, índios, favelados, presidiários, trabalhadores sem-terra, os idosos, são estorvo74e devem ser removidos, pois estão atrapalhando o livre desenvolvimento do mercado. Neste sentido é que podemos compreender que a morte destas pessoas é o sacrifício exigido pela dinâmica do mercado para resolver a crise econômica brasileira. A eliminação das crianças da Candelária, o massacre dos Yanomami, dos favelados de Vigário Geral, dos presidiários do Carandiru, dos sem-terra de Corumbiara e Eldorado de Carajás, segue esta lógica da lucratividade. Estas pessoas só dão prejuízo, e por isso não têm o direito de viver. Quem as mata está prestando um serviço à nação, pois está limpando a cidade e colaborando com a sociedade. As vítimas se tornam culpadas. Até as crianças entram na lógica da eliminação, pois ou são trombadinhas ou se tornarão! Sendo assim, é preciso eliminá-las imediatamente para preservar o futuro da sociedade! O mesmo se dá em toda a América Latina.

73 DAp., n. 391.

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Fazemos esta comparação da morte violenta de cruz de Jesus de Nazaré com a morte dos crucificados de hoje, exatamente para mostrar que desvincular a morte de Jesus de suas causas históricas podem nos levar à legitimação do sacrifício como algo inevitável. Ora, do mesmo modo, se desvincular a morte das crianças de rua, dos presos, dos índios, dos favelados, dos sem-teto e dos sem-terra dos motivos econômicos e políticos, estará também legitimando a lógica da eliminação. Ninguém se sente responsável por estes massacres e a própria sociedade nada faz para que os responsáveis sejam identificados. Há, na verdade, um acordo tácito, escondido, que se torna aceitação do sacrifício de inocentes e vítimas de uma organização social injusta e insolidária.

1.3- As reflexões cristológicas em contribuição a Teologia da cruz no contexto latino americana

Os anos que antecederam o Concílio Vaticano II e no período que imediatamente o sucedeu vislumbraram um grande fervilhar teológico. Na América Latina as reflexões cristológicas ganharam novos acentos, inclusive sobre o desenvolvimento da teologia da cruz. Ainda que, sem dúvida alguma seja um tema clássico e presente em outras escolas teológicas, sempre foi um tema preferido pelos teólogos do continente latino-americano exatamente porque através da cristologia, torna-se possível uma melhor articulação do tema central: profissão de nossa fé cristã “a morte de cruz, e a ressurreição de Jesus Cristo” 75, com as questões contextuais da vida, da história e da realidade cotidiana e concreta dos povos latino- americanos.

Os grandes temas de teologia latino-americana, tais como a eclesiologia, com a realidade das comunidades eclesiais de base; a soteriologia, como a questão da libertação e a

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opção preferencial pelos pobres, bem como a mística do reino de Deus, sempre giraram em torno da cruz e ressurreição de Jesus. Tais temáticas sempre estiveram presentes, no campo de reflexão teológica latino-americana, a partir do qual se situam as grandes contribuições de sua reflexão teológica para o conjunto da teologia de toda a Igreja.76

Grandes temas e categorias aprofundados pela reflexão teológica latino-americana contribuíram para o desenvolvimento da reflexão teológica realizados em outros continentes. Tais como: a afirmação da humanidade de Jesus, a opção preferencial pelos pobres, as comunidades eclesiais de base, as reflexões sobres estes temas iluminaram os trabalhos e reflexões sobre a fé em outros continentes, e isto coincidiu com a nova busca do Jesus histórico77, que é uma exigência, e característica para o trabalho cristológico em qualquer parte do mundo.

Não obstante, a noção de reino de Deus é de suma importância no desenvolvimento da teologia latino-americana, pois os seus teólogos, ao desenvolverem esta noção, contribuíram e

muito para que o tema “Reino de Deus” fosse também trabalhada, pesquisada, e desenvolvida

nos quatro cantos do mundo. O mesmo se deu com o tema seguimento de Jesus, e conseqüentemente os desdobramentos da mesma nos campos da moral e da espiritualidade. Tais temas foram também, muito desenvolvidos pelos teólogos da América Latina, a partir da cristologia, que transformou os respectivos temas em um valioso patrimônio de toda a Igreja. Somente a partir de uma sólida base cristológica vinculada a um soteriologia, é que podemos refletir uma teologia da cruz na sociedade Latino Americana.

Desta forma, as pesquisas cristológicas latino-americana tem se dedicado a estudar o Jesus histórico: sua vida, sua ação, ou seja, a compreensão de sua pessoa. E as, referidas

76 Cf. MANZATTO, 2007, p. 25-26.

Referências

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