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CAPÍTULO II COOPERAÇÃO SUL-SUL

2.4 CSS: MUDANÇA OU CONTINUIDADE

A CSS, como uma das alternativas para o desenvolvimento dos países do Sul, como visto anteriormente, foi forjada em Bandung para atender a uma necessidade dos países africanos, latino-americanos e asiáticos de se constituírem como atores coletivos internacionais na defesa de uma agenda comum e coordenada para a promoção de interesses mútuos e da cooperação e pela luta contra a colonização.

Bandung proporcionou o ímpeto e a inspiração para o desenvolvimento de várias alianças nos anos de 1960 e 1970. Entretanto, a política decorrente de Bandung não teve o condão de desarticular o cenário neoliberal da década de 1980 e seguintes e favorecer as nações do Sul. Essa agenda só começa a se concretizar no final da década de 1990 e início dos anos 2000 com o fortalecimento das economias dos países emergentes, mas mediada por seus interesses geoestratégicos.

Como sublinha Guimarães (2005), em que pese os princípios altruístas que norteiam a CSS, a atuação dos países emergentes pode continuar condicionada às estruturas hegemônicas de poder interna e externa. Ou seja, a CSS é também mediada pelas categorias de poder da cooperação internacional realizada pelos países do Norte.

Kabunda (2011), quando analisa a cooperação africana com os países emergentes para averiguar em que medida a mesma reduz as desigualdades entre o Norte e o Sul e contribui para o crescimento econômico e desenvolvimento duradouro do Continente, aponta que a África, para os novos atores do mundo multipolarizado como o Brasil, China, Índia e África do Sul, gera interesses em razão de seus recursos naturais e pelo acesso aos seus mercados. O autor ressalta que:

os sócios africanos do Sul, ao mesmo tempo em que expressam sua vontade comum de contribuir para o desenvolvimento africano, adotam na prática diferentes posturas ditadas por seus interesses e estratégias na região. Portanto, Brasil, China e Índia (...) veem antes de tudo a África como uma importante reserva de matérias primas e um mercado para a exportação de seus produtos (KABUNDA, 2011, p. 20).

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Não obstante reconhecer o apoio desses países para o desenvolvimento e transferência de tecnologia para a infraestrutura e dos setores produtivos, a UNCTAD (2010) adverte para os aspectos negativos da ajuda dos países emergentes ao Continente como a concentração das intervenções desses sócios nas atividades extrativas, ausência de tecnologia para a sua transformação local, concorrência entre produtos desses países e os produzidos localmente, falta de estratégia conjunta dos países africanos e identificação de seus interesses frente à política de cooperação desses novos atores. Essa conjuntura tem gerado um desequilíbrio entre os Estados africanos e os países emergentes que se beneficiam desse novo tipo de intercâmbio da mesma forma que o Norte se beneficiava da relação com a África.

O UNCTAD (2010) também chama a atenção para o nível de endividamento dos países de menor de desenvolvimento. A acumulação de dívida externa proveniente de empréstimos dos países do Sul, sem uma estratégia de investimento em projetos que proporcione uma capacidade de pagamento pelo Estado pode levar esses países para uma nova crise da dívida, como aconteceu na década de 1970.

De fato, quando examinamos os princípios norteadores da CSS tendo a solidariedade como seu núcleo fundante e analisamos algumas práticas da CSS podemos verificar um descolamento entre princípios e prática da CSS mediados pelos interesses econômicos e comercias dos países emergentes.

Na CSS a condicionalidade opera no campo da vinculação da cooperação a abertura de mercado no país que recebe a cooperação para produtos do país que coopera, assim como melhores de condições de compra de commodities. Esse tipo de condicionalidade também vem sendo objeto de debate na literatura da CSS que, por um lado vê essa vinculação como violação do princípio da não condicionalidade assim como questiona em que medida essas ações contribuem para o desenvolvimento dos países que se submetem a esse tipo de cooperação. Por outro lado, há analistas que defendem que a condicionalidade deve ser relativizada porque os países de menor desenvolvimento que se engajam nesse tipo de cooperação exercem sua agência e o fazem porque também perseguem a concretização de seus interesses nacionais de desenvolvimento e que dai haveria a concorrência do princípio do interesse mútuo.

Em linha com Kabunda (2011, p. 9), parece evidente que os países do Sul que não se encontram na categoria de emergentes nunca sairão do baixo desenvolvimento entrando, tal e como recomenda a cooperação Norte-Sul, na concorrência do livre mercado, a não ser com a construção de economias capazes de satisfazer as necessidades básicas de suas

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populações e de proteger os mercados locais e com o rompimento das relações de dominação através da integração regional e continental liderada pelos povos e da prioridade à CSS.

No que diz respeito à realização do princípio do interesse mútuo tão fortemente mobilizado no discurso dos países emergentes, é importante que os países de menor desenvolvimento construam seus próprios projetos de desenvolvimento que refletiam os interesses de sua sociedade e que a cooperação recebida dos países emergentes estejam alinhadas a esse projetos e ao fim e ao cabo a CSS de fato seja um contributo para o desenvolvimento desses países.

Por outro lado, como já sugerido pelo UNCTAD analisando o caso do Continente africano, mas que pode ser generalizado para os demais países, uma estratégia eficaz de CSS exige que os países de menor desenvolvimento explorem as complementaridades entre o comércio do Sul, o investimento e os fluxos oficiais. Ademais requer políticas a nível nacional para assegurar que a cooperação não reproduza o atual padrão de relações económicas com o resto do mundo, em que a África exporta commodities e importa produtos manufaturados (UNCTAD, 2010, p. 4).

Não podemos subestimar a voz dos países periféricos que se engajam na CSS com os países emergentes. Para estes países a CSS é uma forma eficaz de aumentar a sua voz e representação na economia mundial. Com efeito, a incapacidade dos países africanos de influenciar a agenda, o ritmo e as decisões nos sistemas internacionais de economia, de financiamento tem aumentado o interesse na CSS como mecanismo para aumentar o poder de barganha da região nos assuntos globais (UNCTAD, 2010). Da mesma forma, a CSS é atrativa para os países de menor desenvolvimento uma vez que diversifica as fontes de financiamento para o desenvolvimento, aquece a economia por meio da exportação de commodities e importação de produtos manufaturados e porque sua cooperação não vem condicionada a adoção de políticas como o fazem os doadores do Norte. Por fim, é necessário adicionar nessa equação que os países periféricos também se engajam em cooperação para atender ao seu interesse de desenvolvimento nacional.

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CAPÍTULO III O CAMPO DO DESENVOLVIMENTO EM GUINÉ-