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CAPÍTULO III O CAMPO DO DESENVOLVIMENTO EM GUINÉ-BISSAU

3.7 REFLEXÕES PRELIMINARES

Uma década de guerra pela independência, um sangrento processo de descolonização, o assassinato de Amílcar Cabral, o repúdio aos cabo-verdianos, lutas internas pelo controle estatal e militarismo deixou o país em uma prolongada instabilidade que se refletiu em golpes de Estado, uma guerra civil em 1998, acompanhado de várias instabilidades políticas causadas pelos militares, pelo “narcotráfico” e pela “etnificação” da política que culminou no último golpe de Estado de abril de 2012 (CASTRO, 2012).

O país foi administrado por um governo de transição e somente em 2014 conseguiu realizar eleição presidencial. Após um curto período de bonança política, com elaboração do documento Terra Ranka – programa de desenvolvimento do país – e do apoio da comunidade internacional materializado na Conferência de Genebra, em 2015 o presidente da República demite o Primeiro Ministro e o país mergulha novamente em um período de instabilidade política, mas dessa vez, sem a intervenção militar.

Toda essa trajetória sempre foi traçada a partir de uma total dependência da ajuda internacional que no pós-independência viveu seu apogeu, com apoio de países socialistas e capitalistas, e de agências das Nações Unidas e começou a entrar em declínio nos anos de 1980 em razão dos sucessivos momentos de instabilidade política, do fracasso do programa de ajuste estrutural e de redução da pobreza, do endividamento, agravados pelos sucessivos

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e ressignificados rótulos de Estado falido – seja pela instabilidade política, baixo desempenho econômico, seja pelo tráfico.

O que vimos nessas décadas foi um continuado processo de dependência externa que passou por vários momentos de metamorfose, mas que sempre teve a mesma finalidade: disciplinar o país nos termos das políticas neoliberais prescritas pelo Banco Mundial e FMI e seguida por grande parte da comunidade internacional.

As políticas podem ser entendidas como os programas de ajuste estrutural, de sua fase inicial na década de 1980 até os dias atuais, as representações negativas do país estabelecidas em índices e discursos de fragilidade e narcotilização e os programas de alívio da dívida.

As representações foram instrumentais para justificar os programas de ajuste e definir as formas de intervenção externa e se constituíram como uma das maneiras mais eficazes para a manutenção da dependência e de regulação social externa. Essa forma perniciosa de representar o país trivializou os processos políticos internos e ignorou as condições históricas e culturais do país no pós-independência e ao fim e ao cabo contribuiu para cristalizar a instabilidade originariamente identificada como a razão dos rótulos negativos.

Indicadores e estatísticas são organizados e posicionados para se adequarem a uma determinada finalidade e contribuir para contar ou sustentar uma determinada história – isto é, eles são cuidadosamente colocados de modo a favorecer uma interpretação particular de sucesso ou fracasso (MACAMO, 2003; CRAVO, 2011). É somente em relação às narrativas e discursos sobre fragilidade e fracasso que os eventos e as medições sobre Guiné-Bissau produzem significado.

Contudo, importa destacar que ser representado como estado frágil não significa que um país receba mais ajuda para o desenvolvimento. Antes, segundo nos revela o estudo de Ferreira (2014, p. 40) os estados frágeis recebem menos ajuda do que os países que não figuram nesse ranking. Demais disso, os fluxos de ajuda são menos previsíveis e mais voláteis, com a descontinuidade da ajuda, além do fato de que quase metade da ajuda destinada a esse tipo de pais é destinada ao alívio da dívida externa e para a ajuda humanitária.

A ajuda é concentrada em poucos países, no geral, os que oferecem maior risco para a segurança global. O mesmo sucede com o investimento direto externo que se restringe aos países produtores de petróleo que estão nessa categoria. Os outros países “frágeis” permanecem “órfãos da ajuda”. Nesse sentido, a pesquisa demonstra que o

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conceito de Estado frágil pode ter-se tornado um pretexto para a intervenção (do ponto de vista da segurança), mas também um pretexto para não afetação de fundos, a não ser para aqueles que registram bom desempenho e boa governança (FERREIRA, 2014, p. 41).

No caso de Guiné-Bissau, de fato se verificou a descontinuidade da ajuda externa nos momentos em que o país mais precisou – nas crises institucionais. Guiné- Bissau, apesar do rótulo de frágil e mesmo de narco país não se encontra no grupo de países que oferece mais risco tampouco possui recursos naturais estratégicos, razão pela qual também não recebeu um tratamento diferenciado da comunidade da ajuda.

O fato de ser 90% dependente da ajuda (OCDE, 2014) e o 6º mais frágil pela lista harmonizada de 2014 não significa dizer que receba mais ajuda em termos de volume de recurso, significa que o país depende da ajuda para pagar as despesas domésticas. Tanto isso é verdade que nesse mesmo relatório Guiné-Bissau figura em uma das últimas posições em parcerias prioritárias dos países do DAC. Em 2014, somente Portugal incluiu o país entre prioridade de ajuda enquanto países como Moçambique, Etiópia e Afeganistão figuraram na lista de interesse de quase todos os países do CAD.

Se considerarmos que para além de financiar os serviços públicos, o pagamento da dívida e a ajuda humanitária, a ajuda recebida se perde no que Action Aid denomina de ajuda fantasma (gastos em assistência técnica, condicionalidades, custo de transações e taxas administrativas), pouco sobra para o país.

A ajuda externa em Guiné-Bissau se tornou um dispositivo disciplinador tão eficaz que normalizou a situação de dependência no país e levou a Guiné-Bissau a um paradoxo: ao mesmo tempo em que necessita se descolonizar da ajuda externa, sem a ajuda o país não funciona.

É nesse contexto que se insere e que vamos analisar a cooperação entre a Guiné- Bissau e o Brasil que vem a seguir.

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CAPITULO IV A CSS PARA REORIENTAÇÃO DOS IMAGINÁRIOS E