• Nenhum resultado encontrado

ENTRE O CUIDADO E O ABANDONO: A POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE PARA A AMÉRICA CENTRAL

DESLOCAMENTOS HUMANOS

3. HISTÓRIA COLONIAL E DESCOLONIZAÇÃO

3.3 ENTRE O CUIDADO E O ABANDONO: A POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE PARA A AMÉRICA CENTRAL

Utilizando os mesmos marcos históricos que Toussaint (2007)32, Rojas e Solís (1993), afirmam que a relação entre Centro-américa e Estados Unidos desenvolveu-se desde o início do século XX, a partir do seguimento de grandes tendências históricas e obedecem a momentos de aproximação e intervenção e a ruptura como esquecimento e afastamento.

Estas posturas podem ser observadas em vários momentos, como nos primeiros conflitos do século XX na América Central, entre 1906 e 1907, em que se disputavam modelos divergentes de unionismo na região e os Estados Unidos intervieram, puxando para si um papel mediador, exatamente por compreender que a aproximação por via da solidariedade seria a porta de entrada para que as

32 Períodos observados por Toussaint (2007): início do século XX, para observar as questões

relativas às Conferências de 1906 e 1907; Os conflitos e outros distúrbios sociais tidos como antecedentes da Conferência de Washington (1923); Período das Guerras Centro-americanas, passando pelo processo de Esquipulas e culminando do Processo Contadora, na década de 1980.

82

relações se desenvolvessem a contento e se prolongassem, portanto, apoios que eram imprescindíveis naquele momento em que os Estados Unidos ainda buscavam consolidar sua hegemonia e iniciavam as abordagens à América Latina, cumprindo um papel supostamente cuidador do istmo centro-americano. Com a resolução do conflito, os Estados Unidos iniciaram seu primeiro momento de abandono, ao confiar na aplicação do Pacto de Corinto, que foi seguido pela institucionalização de canais comuns para que Centro-americanos pudessem decidir sobre temas centro-americanos. A inicial eficácia desses outros mecanismos fez o Pacto de Corinto33 perder um pouco de sua lógica, sendo paulatinamente esquecido ou mesmo não ratificado por alguns Estados.

A paz durou até a década de 1920, quando uma série de outros problemas substancialmente mais graves e mais violentos varreu a América Central. Desta feita, o que se verificou foi uma ação substancialmente mais agressiva dos Estados Unidos, agindo com desenvoltura no tratamento de conflitos internos, reativando o Pacto de Corinto e suas instituições.

Eram ações mais incisivas, condizentes com o momento de fortalecimento de sua hegemonia. Desta vez, a paz dura até a década de 1960, após cerca de quarenta anos de relações baseadas em uma ingerência tácita e uma solidariedade dirigida às elites dominantes e a uma nascente oligarquia, que acaba minando as estabilidades fictícias, assentadas no autoritarismo de governos financiados pelos Estados Unidos. Quando recomeçam os conflitos, a ingerência de fato volta a ocorrer e é nessa época que emergem os novos interesses estadunidenses na região e uma dependência política se consolida a partir do discurso da aliança natural por laços históricos e pela construção de uma atmosfera caótica resolvida apenas através da tutela norte-americana.

Rojas e Solís (1993, p.6) vão mais além e dizem que esses padrões já eram perceptíveis desde a independência centro-americana, em 1821, e que se desenvolveram, inclusive, antes disso,

33 O Pacto de Corinto previa além da criação da Corte Centro-americana de Justiça, a possibilidade

de adoção da mediação para a resolução de conflitos. Naquele contexto, como os Estados Unidos haviam proposto o Pacto, eles também eram o potencial mediador para questões de conflitos centro-americanos.

83

cuando las Trece Colonias iniciaron su ascenso hacia la continentalidad, una de las particularidades de este proceso es su carácter asimétrico, siendo Centroamérica la zona subordinada y los EEUU el centro hegemónico, desde donde la política ha sido impuesta o profundamente condicionada34.

Ademais da posição estratégica – inserida na Bacia do Caribe, encravada entre o Norte e o Sul, e natural território de trânsito transoceânico – a carência de recursos estratégicos, a escassa população e o fato de ter baixa pri oridade para os investimentos econômicos foram vulnerabilidades identificadas, exploradas e, quando necessárias, acentuadas pelos Estados Unidos. O que Rojas e Solís (1993) estão dizendo, basicamente, é que a América Central parece ter funcionado como uma espécie de laboratório disciplinador para o resto das Américas, ali estavam presentes conceitos contraditórios de solidariedade e cuidado. Os conflitos no istmo foram sempre menos tolerados e tratados praticamente sem exceções, como assuntos de segurança nacional estadunidense, fazendo com que as aproximações tivessem um caráter militar e não necessariamente político. Essa onipresença americana teve repercussões importantes para entender como a América Central desenvolveu seus laços com o mundo exterior: não houve vínculo significativo com outras potências econômicas a partir do século XIX, ou mesmo relações com países médios da região foram limitadas.

Após a Segunda Guerra Mundial, e principalmente, com o desenvolvimentismo dos anos 1960, as intervenções hegemônicas ficaram menos agressivas, não pela força, mas porque foram empregadas novas estratégias, como um discurso renovado que versava sobre a necessidade de construção de democracias viáveis, o que, obviamente, obedecia a modelos e vontades de Washington para a região.

A crise centro-americana dos anos 1980 acabou sendo um desafio para testar a elasticidade das boas intenções dos Estados Unidos para a região: como chegar à

34 Tradução livre: “quando as treze colônias iniciaram sua ascensão à continentalidade, uma das

particularidades deste processo é seu caráter assimétrico, sendo Centro-américa a zona subordinada e os Estados Unidos o centro hegemônico, de onde a política havia sido imposta ou profundamente condicionada.

84

dosagem ideal entre a imposição da hegemonia e a busca por articulações consensuadas? Neste contexto, tomou-se Centro-américa como um case test sobre a percepção internacional dos Estados Unidos e suas ações regionais.

Para Rojas e Solís (1993), os processos negociadores de Esquipulas acabaram reforçando/restaurando a hegemonia norte-americana no istmo35. O isolamento da guerrilha da Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN), em El Salvador, e da Unidad Revolucionaria Nacional Guatemalteca, as perdas eleitorais da Frente Sandinista para la Liberación Nacional (FSLN), na Nicarágua, e a saída da América Central como pauta prioritária da agenda de segurança nacional estadunidense e as mudanças ocorridas no Leste Europeu com o fim da Guerra Fria, permitiram aos Estados Unidos despreocuparem-se por atores extra- regionais, organizar os aliados e enfraquecer os outrora resistentes grupos de esquerda e reformistas do istmo.

No início dos anos 1990, o processo de resolução das guerras centro-americanas, através de articulações políticas principalmente da América Latina, mediadas pela ONU, poderia ter dado à região um primeiro e histórico momento de autonomia e afastamento voluntário dos Estados Unidos. No entanto, a dependência se acentuou e diziam Rojas e Solís (1993) à época que a tendência seria que pequenos países do istmo estariam mais vinculados e em variados aspectos, como o comercial e o tecnológico, por exemplo. Em contrapartida, com a ausência de países que pudessem competir por influência regional, na América Latina, a região passaria a ter uma importância marginal.

35 Os acordos de Esquipulas foram tentativas de resolução negociada das guerras centro -

americanas. Há dois acordos, Esquipulas I (1986) – cujo maior logro foi a reunião de todos os presidentes da região a fim de estabelecer pontos de ação comum e a afirmação de que se trabalharia conjuntamente para criar saídas para a restauração da paz – e Esquipulas II (1987), que estabeleceu passos a serem seguidos ou retomados para uma reconciliação nacional, como eleições democráticas, o fim de grupos paramilitares e esquadrões da morte, controle de armas e assistência a refugiados. Esquipulas II sentou as bases do Acordo de Oslo (1990), negociação preliminar entre a Comissão de Reconciliação Nacional da Guatemala e a Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca, levando ao fim trinta anos de um intenso conflito armado, instaurado como resposta à tirania do Estado da Guatemala e às ingerências estadunidenses. Esquipulas II também sentou as bases para o Acordo de Chapultepec (1992), que finalizou a guerra civil em El Salvador, após 12 anos de resistência também contra autoritarismos de Estado e ingerência estadunidense. A solução negociada dos conflitos tende a ser criticada por não ter levado em conta as motivações das guerras, o que se seguir, em períodos de paz, foram reformas nos sistemas judiciais e de polícia, mas as reformas sociais e econômicas ainda hoje seguem como tarefa incomplet a e pendente do processo (PARLACEN, 2016).

85