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5.2 Construção do saber em saúde

5.2.2 O cuidado é não facilitar com nada

Direcionando a análise para os cuidados apontados pelos participantes da pesquisa frente à HAS, observou-se que eles foram centralizados nas práticas de vida dos indivíduos, tais como: alimentação, uso de medicação, uso de terapias populares, práticas para manter equilíbrio emocional e acompanhamento com equipe de saúde. Evidenciou-se o predomínio significativo, nos relatos, envolvendo as práticas alimentares. Nesse aspecto, observam-se posicionamentos de adaptação tanto aos tipos de alimentos, como à

quantidade a ser ingerida. Associado às práticas alimentares, evidencia-se ainda o uso correto das medicações anti-hipertensivas, e ou prática de atividades físicas:

Os cuidados, tem de diminuir o sal, gordura, carne gorda, essas coisas. Quando vai fazer uma galinha, tira aquela pele. [...] não comer muito pão, massa. Comer bastante verdura. É na alimentação, que na alimentação ajuda tudo! (S

8, 65 anos)

[...] a gente não pode comer gordura, fritura. Então, aí, tem que cuidar a alimentação. Comer bastante fruta, verdura. [...] Comida muito temperada também não é bom! [...] Fazer caminhada [...] Tomar o remédio certinho, nas horas. Medicamento que eu tomo é só o hidro[hidroclorotiazida], que é para pressão, e o AAS para não dar infarto. Tem que ter todos esses cuidados. (S 5,

73 anos)

Os depoimentos enfatizam a importância das práticas alimentares para a manutenção da saúde dos portadores de HAS, na concepção dos sujeitos desta pesquisa. Entende-se que elas são visualizadas como forma de prevenir ou reduzir os danos decorrentes desse agravo. Observa-se que esse cuidado está intimamente associado com as práticas de vida das pessoas, nesse caso, às escolhas de alimentos tidos como mais saudáveis, frente à condição de HAS. Esse fato é explicado por Helman (2003), ao afirmar que, em algumas sociedades, as dietas especiais são vistas pelos indivíduos como “remédios” utilizados para certos tipos de doenças. Nesse aspecto, foi unânime, nos depoimentos, o destaque dado à redução de sal/sódio e de alimentos ricos em gorduras, nas dietas dos indivíduos portadores de HAS, justificando, com relação ao último, ser benéfico também para a redução da hipercolesterolemia. Além disso, sinalizaram para a importância de dar preferência aos alimentos menos calóricos, exemplificados pelas verduras e frutas, em detrimento aos ricos em carboidratos e gorduras.

A adesão ao tratamento medicamentoso foi vista em associação com as práticas alimentares, em grande parte dos relatos, como se essas ações estivessem numa relação de interdependência. A esse respeito, Helman (2003) refere que as medicações, principalmente as de uso contínuo, podem sem assumidas no cotidiano dos sujeitos como uma forma de alimento, como um nutriente vital e indispensável à sobrevivência. Nesse aspecto, cita as medicações hipotensoras, como exemplo dessa associação.

Vale destacar, no exemplo apresentado, o fato do participante relatar com clareza a função de cada medicação da qual faz uso. Entende-se que, por conhecer a indicação de cada medicamento, isso representa um fator positivo para a adesão ao tratamento, uma vez que realmente se compreende as razões e, dessa forma, a importância de usar tais

substâncias. Essa argumentação pode ser justificada pelas considerações levantadas por um estudo realizado por Contiero et al. (2009), quando as autoras afirmam que o fato de os usuários desconhecerem o processo saúde/doença da HAS e sobre o seu tratamento representa um fator prejudicial para cumprirem o tratamento, principalmente o medicamentoso.

A adesão ao tratamento medicamentoso também foi citada de forma isolada por alguns sujeitos desta pesquisa, como cuidado importante frente à HAS. Verificou-se que esses participantes atribuem o controle de sua pressão arterial principalmente ao uso das medicações, como se verifica na fala abaixo:

O cuidado, não pode facilitar com remédio! Sim, tem que usar o remédio certinho! Porque, na hora que ele falhar, já... Porque, senão, não adianta! Se ele não usar o remédio certinho, continua o sofrimento dele igual (S 2, 80 anos)

O uso das medicações, associado ou não às práticas alimentares, foi apontado pela maioria dos participantes, como cuidado mais eficiente para a redução dos níveis pressóricos. Em alguns depoimentos, evidenciou-se a responsabilização transferida às medicações anti-hipertensivas, por parte de alguns sujeitos desta pesquisa, no que se refere ao controle de seus níveis pressóricos. Nesse entendimento, a adesão ao tratamento medicamentoso garante, na concepção desses indivíduos, a estabilidade do quadro de hipertensão.

Entende-se que esse posicionamento é resultante da “conscientização sofrida” por eles, sobre a importância da adesão ao tratamento medicamentoso, como forma de prevenir as sequelas decorrentes do não controle da pressão e, ainda, afastar-lhes o risco de morte. Dessa forma, por mais transtornos que o uso diário desses medicamentos possa ocasionar, a maioria das pessoas deposita uma inabalável confiança na sua capacidade de proteção contra os eventos graves, como um suporte diante da constante ameaça de morte ou, mesmo, das complicações decorrentes. Com isso, a medicação proporciona uma importante segurança e tranquilidade para a vida dos usuários, percebida como uma prática de cuidado indispensável (VIEIRA, 2004).

Outro dado bastante presente nos depoimentos foi a influência do saber popular em relação ao que os sujeitos entendiam sobre cuidados quanto à HAS. Nesse sentido, apontaram as terapias populares, nesse caso o uso de plantas medicinais, como forma de auxiliar no controle da pressão arterial. Conforme comprovado pela seguinte fala:

Para pressão [tem] chazinho de cavalinha, de coronilha, de marcela, as folha da cana doce, do chuchu... Uns quantos chás que são bons para isso. Pendão do milho também regula [pressão] [...] a folha do capim cidreira [coloco] na garrafa de chimarrão. Até não dá para tomar muito, porque baixa muito a pressão, e o cidrozinho também. (S 5, 73 anos)

O depoimento supracitado traduz a importância das terapias populares no enfrentamento da HAS, no cotidiano desses sujeitos. Observou-se que são utilizadas com base em informações precisas quanto ao tipo de substância para cada indicação, a quantidade e frequência. Evidenciou-se, pelos relatos, que essas informações eram adquiridas de maneira informal, dentro da própria família, tendo forte influência cultural.

No entanto, constatou-se que essas terapias populares foram indicadas pelos sujeitos sempre em associação com o tratamento medicamentoso. Predominou, nessas falas, uso das plantas como coadjuvante no tratamento, permanecendo a maior responsabilidade pela estabilidade dos níveis pressóricos atribuída aos remédios alopáticos. Essa reflexão aproxima-se dos achados de alguns estudos semelhantes (PÉRES; MAGNA;

VIANA, 2003; CANESQUI, 2007b; SANTOS el al., 2005; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2007),

que apontaram o uso complementar das plantas medicinais no tratamento da HAS, de forma menos significativa que as medicações anti-hipertensivas. Ainda nesse contexto, os achados da presente pesquisa foram semelhantes ao estudo desenvolvido por Oliveira; Araújo (2007), em relação às plantas citadas pelos sujeitos entrevistados, como substâncias de ação hipotensora.

Um grupo de participantes reconheceu, como cuidados importantes para a hipertensão, ações para manter o equilíbrio emocional. Nesse aspecto, foram destacadas atividades de lazer como forma de controlar a pressão, tais como exemplificado nos relatos a seguir:

Se a pessoa é ansiosa, não se estressar, não se preocupar. Isso aí é cuidado! Não ficar ansiosa. (S 9, 68 anos)

É bom a gente sair, ter contato com outras pessoas. Conversar. Tudo isso aí é bom para pressão! É bom a pessoa sair, ver coisas diferentes. Ir nos encontros de idosos, participar de domingueiras, dançar... (S 5, 73 anos)

As argumentações apresentadas sugerem que atividades proporcionando o equilíbrio emocional estariam associadas ao controle dos níveis pressóricos. Nesse aspecto, entende-se que o mecanismo dessas ações estaria pautado na prevenção de estresse, ansiedade e outras situações de desequilíbrio emocional, entendidas pelos participantes como agravantes do quadro de HAS, conforme discutidos anteriormente.

Corroborando com essa argumentação, Canesqui (2007b) refere que as preocupações da vida cotidiana são fontes potenciais de desestabilidade da pressão arterial, da mesma forma que a redução dos níveis pressóricos está associada à diminuição dessas situações.

No mesmo sentido, Vieira (2004) refere que a percepção de muitas pessoas observadas em seu estudo é a de que o desenvolvimento da doença ocorreu devido alguma causa externa a elas, tais como problemas emocionais. Portanto, de idêntica forma deveria estar envolvida na cura desse agravo.

Nessa lógica, alguns participantes destacam atividades que promovam interação com outras pessoas e, ainda, de diversão e lazer, como ferramentas para alcançar o equilíbrio emocional. Para tanto, apontam o Grupo de Hipertensos (citado como “encontros de idosos”) como um espaço de descontração e convivência entre os participantes e, nesse entendimento, um meio eficaz de cuidado para a hipertensão.

O acompanhamento com a equipe de saúde foi visualizado por alguns participantes como forma de cuidado à HAS. Apontam ainda para a importância de ser seguido de forma séria e comprometida, exemplificado pela realização de consultas e exames periódicos. Além disso, o acompanhamento foi observado associado a outras formas de cuidado – adaptações das práticas de vida, como a alimentação:

Me cuido na alimentação, com os meus exames que eu tenho que fazer, em tudo! Porque tem gente que vai lá no médico quando estão morrendo! E aí procuram o médico [...] Mas antes disso eles não se lembram se cuidar, de se tratar, de evitar muitas coisas. (S 8, 65 anos)

Eu faço todos os anos um “check up” de exame. Que eu quero ver como é que eu estou de tudo! [...] o eletro é um exame que marca muita coisa, mas o que marca mesmo a doença do coração, das veias, a circulação por dentro é o ecocardiograma. [e o eletro] mais é a batida! [...] e nos exames de sangue a gente vê colesterol, triglicerídeo, essas coisa assim. [...] Só que eu tenho é o colesterol, o único que aparece nos exame. E eu sou muito de comer gordura. E a gente sabe que a gordura [faz mal]... (S 6, 78 anos)

Nessas falas, evidencia-se que, na concepção desses participantes, a assistência à saúde ainda está centralizada na figura do médico, como profissional de referência dentro da ESF, pelo acompanhamento à sua saúde dos usuários. Além disso, percebem-se concepções de cuidado intimamente vinculadas à prevenção de doenças ou mesmo de danos à saúde. Nesse entendimento, as consultas médicas e, principalmente, os exames estariam associados ao monitoramento da evolução da hipertensão, em seu processo saúde/doença.

Frente a essa argumentação, Helman (2003) menciona que o modo das pessoas perceberem seus próprios corpos é influenciado pela visão reducionista da medicina moderna, que visualiza o corpo em partes progressivamente menores, com auxílio da tecnologia. Assim, por estímulo da mídia, Internet e, principalmente, das consultas médicas, as pessoas assumem essa visão e passam a necessitar da comprovação de exames para sentirem-se seguras em relação à sua condição de saúde. Esses relatos exemplificam com propriedade essa argumentação, pois, mesmo tendo consciência de que seus níveis lipídicos elevam-se em consequência da alimentação, esses sujeitos precisaram ter a comprovação do exame para confirmar esse fato.