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5.1 A Hipertensão Arterial e o Processo Saúde/Doença/Cuidado: como vivenciam?

5.1.1 Saúde é a gente se cuidar

Ao serem solicitados para relatarem sobre os conceitos de saúde e falta de saúde, alguns participantes apresentaram uma concepção negativa de saúde, ao interpretá-la como a mera ausência de doença. Observou-se o predomínio de uma visão biologicista sobre o processo saúde/doença, ao considerarem apenas os fatores físicos, ou seja, apenas a visão da saúde do corpo, desconsiderando os demais determinantes envolvidos nesse processo. Nessa perspectiva, associaram o conceito de saúde com a adesão ao tratamento e com o acesso aos serviços de saúde:

Saúde é estar com os exames em dia. Tomar os remédios em dia. Ir ao médico regularmente também [...] as pessoas que, por exemplo, são hipertensas e não tomam o remédio certo, quando dá uma dessas doenças do coração, isquemia, essas coisas, eu acho que um pouco é que não se cuidam. (S 4, 47 anos)

[...] graças ao postinho, quantas pessoas já têm melhorado, como eu estou melhorando. [...] Para melhorar mais a saúde, tinha que ter um especialista, um psiquiatra, que pudesse atender o povo. [...] que pudessem fazer fisioterapia com pacientes em casa. [...] Tudo para não cair em cima de uma cama, amanhã ou depois. [...] Tudo que o povo tem direito, tem que ter! [...] No momento que tiver tudo isso aí, vão ter menos doentes, amanhã ou depois. (S 3, 50 anos)

Os relatos apresentados elucidam uma visão medicalizada sobre o processo saúde/doença/cuidado, ao reduzi-lo como resultado de atos biomédicos e da adesão ao tratamento medicamentoso. Nesse sentido, a saúde foi visualizada como um desfecho de ações de prevenção e reabilitação, logo, numa perspectiva negativa: a saúde como ausência de doenças. Ficou evidente, nessas falas, a importância e a responsabilização frente à condição de saúde, que parte da população deposita nessas ações, desconsiderando os demais determinantes socioambientais envolvidos nesse processo. Percebe-se que o acesso aos serviços de saúde e a adesão ao tratamento, mencionados pelos sujeitos como “cuidar- se”, foram apontados como fatores determinantes para assegurar a saúde. A preocupação é que essa visão seja absoluta, no sentido de que, para esses sujeitos, o acesso aos serviços

de saúde seja suficiente e/ou superior aos múltiplos fatores envolvidos no processo saúde/doença (WENDHAUSEN; REBELLO, 2004).

A compreensão de acesso foi apresentada por esses sujeitos como garantia de atendimento e tratamento adequados e de qualidade, de forma equânime para toda a população. Entende-se que essa argumentação vem ao encontro de uma visão de saúde menos reducionista, pois elucida uma concepção de “saúde como direito da todos”, o que se aproxima do preconizado pela legislação vigente (BRASIL, 1990). No entanto, ao esperar como produto final apenas a ausência e/ou melhora de doenças, reitera a visão negativa e medicalizada sobre o processo saúde/doença/cuidado.

Somando-se a isso, evidenciou-se nas falas a responsabilização imputada ao indivíduo pela sua condição de saúde, pois interpretaram a saúde como um resultado de “querer ou não se cuidar”. Entende-se que a concepção de cuidado, nessa perspectiva, reduz-se às práticas de vida das pessoas, como fruto de escolhas individuais e descontextualizadas. Com isso, apresentaram um posicionamento de culpabilização ao indivíduo, pela sua condição de saúde e/ou doença. A esse respeito, Wendhausen; Rebello (2004, p. 247) afirmam que a concepção de saúde veiculada nos meios de comunicação, e mesmo nos serviços de saúde, à qual a população tem acesso, “é aquela que impõem aos indivíduos a responsabilidade pela manutenção da mesma”. Essa argumentação pode servir de justificativa para o posicionamento desses sujeitos.

O fator emocional foi associado ao processo saúde/doença/cuidado, principalmente, para contextualizar o adoecimento. Alguns participantes mencionaram o fator emocional como determinante para a causalidade das doenças, ou mesmo para a piora da condição de saúde física, evidenciado nas falas a seguir:

Tinha uma colega, que deu isquemia, deu infarto, tudo junto! Por causa de muita incomodação que ela tinha com a filha dela. Era muito nervosa! (S 4, 47

anos)

Porque tem pessoa que bota muita coisa errada na cabeça. Começa a pensar naquilo: “Ah, eu tenho isso, ah eu tenho aquilo.” [...] E a gente, quando aparece alguma coisa, agente tem que pensar: Ah, eu não tenho nada e vou seguir em frente! E aquilo desaparece, parece do corpo da gente! (S 8, 65 anos)

Entende-se que a concepção do processo saúde/doença/cuidado desses sujeitos está embasada na visão biologicista, uma vez que conceituam a doença, ou a piora da condição de saúde, como uma resposta física aos problemas emocionais dos indivíduos. Ao mesmo tempo, observam-se posicionamentos na relação inversa, pois, ao alimentar pensamentos

positivos, o indivíduo estaria contribuindo para a manutenção da sua saúde. Percebe-se que o conceito de cuidado, nessa lógica, estaria associado à prática de cultivar bons pensamentos, no sentido de melhorar a saúde física.

Vários estudos na área da saúde comprovam a associação entre os fatores emocionais e o desenvolvimento de doenças (MARCELINO; CARVALHO, 2005; GIANNOTTI, 2005; TEIXEIRA, et al., 2006; PÉRES; MAGNA; VIANA, 2003). Para Teixeira et al. (2006), as fortes emoções, como situações de tensão, desencadeiam inúmeras reações somáticas no organismo humano, como, por exemplo, alterações cardiovasculares, trazendo repercussões biofísicas para os sujeitos. Nos casos de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, estudos afirmam que os fatores emocionais podem atuar tanto na etiologia da doença, no seu agravamento, como também no seu controle e, consequentemente, na prevenção de complicações (MARCELINO; CARVALHO, 2005; TEIXEIRA, et al., 2006).

Um aspecto bastante observado nos relatos dos participantes desta pesquisa, sobre o processo saúde/doença/cuidado, foi a relação deste com o trabalho. Verificou-se, nos relatos, uma variação acerca da influência que o trabalho teria nesse processo. No entanto, predominou, nas argumentações, a associação com as funções laborais que envolviam principalmente as atividades físicas, reiterando uma visão biologicista desse processo. As falas selecionadas expõem essa reflexão:

Eu sempre trabalhei. Eu costurava muito [...] trabalhei muito para fora. Nós éramos plantadores. Eu fui muito do serviço! Por isso que hoje eu não posso nem plantar um pé de folhagem [...] e já não costuro mais, por causa da coluna. Horrível da coluna! (S 6, 78 anos)

[...] acho que não devia nunca ter parado de trabalhar em obra, porque dali que começou a complicar! [...] que eu podia seguir trabalhando, porque eu me aposentei foi por idade, não foi por deficiente de nada. Então, nunca me faltou vontade de trabalhar! Eu sempre estou lutando com uma coisa e outra! E não pode é parar mesmo! (S 2, 80 anos)

O trabalho foi apontado por alguns participantes como agente causador de doenças, principalmente pela exigência de esforços físicos para o desempenho das funções. Logo, a doença seria uma repercussão física relacionada ao excesso de trabalho. Esse achado vem ao encontro do estudo realizado por Vieira (2004), quando relata que, em sua pesquisa, a instalação de doenças, principalmente a hipertensão, foi frequentemente associada às atividades laborais, quando essas atividades eram consideradas “pesadas”.

Já, para alguns informantes, o trabalho agiria como fator de proteção à saúde, o que pode ser interpretado pelo fato de manter-se e sentir-se ativo fisicamente e em movimento, logo, conferindo saúde às pessoas. Nesse aspecto, Denardin Budó; Gonzales; Beck, (2003, p.45) referem que “o trabalho é um valor fundamental” para os sujeitos, pois o avaliam como “uma fonte de renovação e saúde” em suas vidas. Além disso, em sua pesquisa, as mesmas autoras mencionam que, para os sujeitos investigados, “trabalha-se para ter saúde, mas também fica-se doente de trabalhar” (DENARDIN BUDÓ; GONZALES; BECK, 2003, p. 46), fato que vem ao encontro dos achados do presente estudo.

Observou-se também a argumentação sobre a capacidade para trabalhar representando uma evidência da condição de saúde, pois uma pessoa que apresenta disposição e energia para executar as atividades laborais não poderia ser ou estar doente. Nesse aspecto, essa argumentação se aproxima dos achados de outra pesquisa, realizada por Budó, et al. (2007), cujos sujeitos definiram-se como saudáveis, pela capacidade de exercerem determinadas atividades, como cuidar da casa e trabalhar.