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CUIDADORES COMO FACTORES DE RISCO

PARTE I – ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

3. CUIDADORES COMO FACTORES DE RISCO

Conhece-se a relação direta entre o fator da dependência física ou psicológica da pessoa idosa e a ocorrência de violência e maus tratos na velhice (Yan, Tang, & Yeung, 2002). Estudos envolvendo a perspectiva de cuidadores de idosos com demência destacaram a complexidade da situação enfrentada por membros da família que necessitam avaliar e reavaliar opções e estraté- gias que melhor resolvam desafios contínuos envolvendo circunstâncias que se alteram constan- temente (Chung, Elis-Hill e Coleman, 2008).

Há muito o que se explorar no tocante a compreensão sobre a violência contra o idoso praticada por membros da família. A estrutura da família está em mudança. Não é apenas o idoso que precisa se adaptar aos desafios da idade, mas também outros familiares que se vêm diante de situações novas pelas quais apenas a necessidade de enfrentá-las não garante o aprendizado da lição. A dinâmica das relações entre indivíduos e por vezes, gerações e suas diferenças, resultam numa instituição familiar com um alto nível de conflito o que pode em parte, explicar os altos índices de violência familiar (Sacol e Zappe, 2011; Straus, 2008).

Cuidar das pessoas que cuidaram de nós enquanto jovens, tem seu próprio e único signi- ficado. A literatura ressalta o comprometimento da saúde física e mental de familiares em stress devido a prestação intensiva de assistência a pessoas idosas alertando para a necessidade de que “os cuidadores familiares sejam também cuidados, já que constituem uma componente funda- mental nos cuidados de saúde do idoso dependente” (Figueiredo e Sousa, 2008, p. 22).

Pesquisas revelam que a identidade dos agressores são filhos e cônjuges de idosas vítimas de violência (Wanderbroocke e Moré, 2012; WHO, 2011a; Faleiros e Brito, 2007; Reay e Brow- ne, 2001; Willianson e Shaffen, 2001). O perfil do abusador familiar costuma ser, em primeiro lugar, os filhos do sexo masculino mais que os do sexo feminino seguindo por, noras e genros e, esposos (Ortmann, Fechner, Bajanowski e Brinkmann, 2001).

Em seu trabalho sobre violência e envelhecimento, Herrera (2004) ressalta a relação de invisibilidade estabelecida com o idoso por seus familiares não reconhecendo seu papel social, político e pessoal, desrespeitando sua individualidade, capacidade de decisão, participação e exi- gência de seus direitos (Herrera, 2004). Também há indícios sobre a figura do agressor como um indivíduo com falta de responsabilidade e de interesse nos cuidados com a pessoa idosa, irritação com frequência, hostilidade e alto grau de estresse laboral (Gondim e Costa, 2006).

Estudos apontam ainda as seguintes situações de risco para ocorrência de algum tipo de abuso em pessoas idosas: coabitação entre agressor e indivíduo agredido, problemas financeiros, envolvimento do abuso de álcool ou drogas por algum membro que reside na família, isolamento social e dificuldades emocionais ou de relacionamento entre o idoso e o membro familiar inclu- indo histórico de violência doméstica e existência de algum comprometimento na saúde mental (Zink et al.,2006; Reay e Browne, 2001;Willianson e Shaffer, 2001; Sanmartin, Torner, Marti, Izquierdo, Solé e Torrelas, 2001).

O aparecimento de patologias que requerem assistência por longos períodos de tempo, não só de caráter físico como também as de comprometimento da saúde mental, requer assistên- cia integral e continuada de cuidados que obrigam o deslocamento do idoso para instituições hospitalares ou, aos chamados, lares de idosos. Esses são, por sua vez, de imagem negativa, as- sociados à atitudes de abandono da família e maus tratos por parte dos profissionais de saúde (Vieira, Gomes, Fialho, Silva, Freitas e Moreira, 2011;Creutzberg, Gonçalves e Sobottka, 2011). Os profissionais da área de saúde que também se colocam no papel de cuidadores têm a oportunidade de detetar o problema da violência no idoso que chega às diversas instituições con- siderando especialmente, a pessoa que o traz. Considerando o fato de que pode-se deparar com o idoso vítima de violência, deve ser oferecida a oportunidade de escuta e discussão tendo em vista a importância do que estes têm a dizer.

Estudos realizados demonstram que a população idosa, particularmente vítimas do sexo feminino, necessita mais cuidados médicos em consequência da violência sofrida em compara- ção com vítimas mais jovens (Bachman e Meloy, 2008). Acreditando-se que trabalhadores da área de saúde podem ser os primeiros indivíduos a terem acesso a sinais de abuso e, tendo como referência seu dever em realizar notificação compulsória, a preocupação sobre o que esses pro- fissionais pensam acerca a violência sobre o idoso parece por si só, justificável.

O estudo de Hirst apontou para diferenças de opinião ente administradores que negaram a existência de abuso nas intuições em que atuavam, e enfermeiros cuidadores de idosos que iden- tificaram o fenómeno como acontecimento constante. Duas razões principais foram destacadas para tamanha discordância: o medo das consequências em termos de reações da família e socie- dade devido à exposição negativa da instituição e a falta de informação e ou treinamento especia- lizado já que apenas duas enfermeiras numa equipa de dez, tinham participação em treinamento sobre o assunto (Hirst, 2002). Já o artigo de Jogerst, Daly, Brinig, Dawson, Schumuch e Ingram

(2003) aponta para uma associação direta entre a divulgação e registo de casos de violência con- tra idosos e a conscientização sobre o fenómeno, existência de políticas de intervenção e conhe- cimento dos profissionais sobre leis e regulamentações.

Um outro relatório aponta para dificuldade em coletar dados que comprove indícios de violência institucional devido ao temor de retaliação por parte dos idosos e familiares em recla- mar sobre serviços prestados por profissionais, devido principalmente a falta de privacidade e anonimato (NRC, 2003).

Questões éticas foram exploradas no estudo realizado por Solum, Slettebø e Hauge (2008) envolvendo diálogos de profissionais de saúde que envolvia direitos de utentes enquanto institucionalizados. Os resultados demonstraram que apesar dos profissionais sentirem-se famili- arizados com valores éticos tais como respeito e determinação pessoal, esse conhecimento, no entanto nem sempre é refletido em ações. Por conseguinte, os utentes não possuíam determina- ção pessoal ou qualquer influência em ações que de uma maneira ou de outra os afetava como consequência de não serem ouvidos. A privação do direito de estabelecer condutas e estratégias que se relacionam com seu próprio destino e vida, também são uma forma de maus tratos.

Trata-se assim, da escolha entre silenciar a fala ou de permitir que se escute o que nem sempre está presente no discurso. Acredita-se que a familiaridade com o fenómeno da violência contra idosos seja imprescindível no trabalho de prevenção primária constituindo portanto, parte da assistência que se presta.

Nesse sentido conhecer os pensamentos de indivíduos cuidadores, sejam eles familiares ou profissionais de saúde acerca da violência contra o idoso e, a partir deles compreender o sen- tido dinâmico dos relacionamentos é também uma ação de combate à mesma, já que o contrário desse comportamento, ou seja, dificultar a discussão do assunto, pode ser percebida como uma

forma de tolerá-la, permiti-la e até mesmo, glorificá-la. A tarefa de promoção da comunicação acerca do fenómeno é possível através do constructo teórico das representações sociais. Essas são definidas por Jodelet como

“uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e compartilhado, que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto soci- al” (Jodelet, 1989, p. 36).

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