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DISSENSOS E CONSENSOS NOS TRÊS GRUPOS NOS DOIS PAÍSES

PARTE IV APRESENTAÇÃO DOS DADOS

1.2 ANÁLISE LEXICAL DO CORPUS TEXTUAL

3. DISSENSOS E CONSENSOS NOS TRÊS GRUPOS NOS DOIS PAÍSES

Na tentativa de se responder à segunda questão de investigação, buscou-se na análise dos resultados, características de divergências e convergências produzidas pelos grupos participantes. Na formulação de Soares “a constituição e a transformação das representações sobre a realidade não se reportam diretamente aos objetos ou situações a que se refere, mas sim aos pro- cessos de comunicação que são estabelecidas em torno deles” (Soares, 2005 p. 544). Assim, ape- sar das especificidades sociais e culturais dos dois países, observaram-se dissensos e consensos entre os três grupos entrevistados produzidos pela análise do Alceste e ilustrados no gráfico 3.

No campo da equivalência das características das representações sociais acerca da violên- cia contra idosos, observa-se que os entrevistados, ainda que inseridos em contextos e culturas diferentes, objetivaram a violência sobre o idoso como um fenómeno que assume diversas for- mas referentes ao ato ou ações explícitas e/ou ocultas de expressão de violência, abuso ou quei- xa. São ancoragens físicas de machucar, causar dano ou maltratar a pessoa do idoso que inclui um sofrer mental ou psicológico. Apesar das especificidades dos diferentes termos, destaca-se que esses foram usados, na construção das representações sociais da violência contra idosos, pe- los três grupos nos dois países, como sinônimos de violência.

Percebe-se também que a violência contra idosos é refletida a partir da construção de um problema centrado na família, ancorada nas figuras de mãe, pai, avó percebidas como vítimas agredidas por um filho, marido, irmão com poder de decisões. Essas pessoas de idade são, de uma forma geral, apresentadas como vítimas fáceis, coitadas. Pessoas que sofrem ao experiencia-

rem a violência física ou mental em suas próprias casas, em instituições ou ainda, como mem- bros da sociedade.

Houve consenso entre os grupos dos dois países também em relação ao reconhecimento da violência contra idosos como um fenómeno de relevância mundial sem hegemonia entre cul- turas ou contextos geográficos, que precisa ser refletido devido às suas consequências para a sa- úde e economia já que afeta um grupo que, em breve, será a imagem do cartão postal da popula-

ção mundial.

Identifica-se ainda uma ancoragem psicossocial do fenómeno, centrada em aspectos só- cio afetivos ao reconhecer o aspecto de fragilidade e dependência do idoso e consequente neces- sidade de cuidados. Estudos anteriores realizados com base na Teoria do Apego (Bowlby, 1979; Ainsworth, 1989) discutiram razões por trás do cuidar de pessoas idosas, arguindo sobre o factor obrigação versus laços afetivos como motivação central (Ciccirelli, 1991; Bradley, 2001). Tais estudos podem contribuir para a análise de respostas suscitadas pelos idosos em relação à expec- tativa de assistência que, na presente investigação, constituiu-se aspecto onde se observaram di- vergências.

Os participantes de Portugal, ao reprovar ações violentas contra a pessoa do idoso, indica- ram descrença em habilidades relacionadas ao seu próprio papel como grupo social ativo para enfrentar o problema.

Os discursos evocam uma atitude de paralisia diante do fenómeno, com expectativas de que o governo ou, ainda, uma força divina acabe com a violência contra idosos. São conteúdos discursivos associados, em geral, a práticas de tercerização quanto a execução de ações face à violência contra idosos na espera que o Estado, a polícia, as leis, Deus ou um “poder” mágico, possa enfrentar e combater o problema. Apresentam-se alguns enunciados retirados das entrevis- tas que ilustram essa análise:

“...não vejo como ela (a violência) acabar...(suj_001); “...é um problema do dia a dia e não vejo solução”(suj_039); “...queria que o governo ou a polícia fizesse algo para punir o mal comportamento”(suj_005); “...(queria que) as nossas leis não fossem tão fracas porque nossa justiça para os cri- minosos são fracos e condena mas, quando eles saem da prisão, eles fazem o mesmo” (suj_026); “....não somos nós que escolhemos porque Deus es- creve direito por linhas tortas” (suj_032); “...havia de haver um poder para acabar isso” (suj_070).

Por outro lado, a amostra Americana, apesar de reconhecer a complexidade do fenómeno, não apresentou uma expectativa exterior ao contexto do próprio grupo fosse o grupo de idosos, famílias ou profissionais de saúde, indicando crença em suas habilidades em mudar a situação, como também, o direito de demanda por serviços. Eis alguns recortes de entrevistas que demons- tram tal observação:

“...porque uma coisa dessas não pode acontecer e, se acontecer não pode ficar imune. Como é que se detém a violência se as pessoas ficam caladas? Não pode” (suj_196); “...Cada hospital tem uma política sobre a ética e as- sédio no trabalho. Cabe a nós (profissionais de saúde) mantê-los. Mas, os pacientes também têm o direito de reclamar e acompanhar as providências através de suas queixas ao ponto em que podemos perder a nossa licença profissional” (suj_160); “...o treinamento de funcionários que prestam os cuidados é crucial como também é importante que a família seja educada, treinada, preparada para situações como essa”(suj_189).

Há de se esperar diferenças nas normas de conduta dos grupos, considerando as diferen- ças culturais entre os dois países. No entanto, o postulado de que a prática social depende da percepção que os sujeitos sociais possuem da interpretação da realidade em que vivem nos faz refletir sobre a motivação dos sujeitos, como indivíduos ou grupo, em responder ao fenómeno da violência contra idosos.

Esse é um aspecto preocupante diante da realização, com bases nas análises de investiga- ção, de que as representações sociais da violência contra idosos se constroem fortemente em tor- no da imagem negativa do idoso e do envelhecimento.

A dinâmica entre relações familiares e o processo de envelhecimento onde o idoso é re- sumido à imagem de declínio e dependência pode resultar numa convivência pouco harmoniosa. Pode-se afirmar que a coexistência com um indivíduo visto através de um olhar estigmatizador potencializa situações de violência. Para os profissionais de saúde, estereótipos negativos sobre a pessoa idosa são capazes de influenciar esforços profissionais e limitar opções de tratamento. Para o idoso, acreditar na própria responsabilidade individual em melhorar condições de saúde e segurança pode favorecer o endosso à recomendações de hábitos saudáveis associados ao concei- to de qualidade de vida. Caberia aqui relembrar as projeções demográficas acerca do número crescente dessa população à nível mundial e a oportunidade em explorar a valorização de sua própria identidade transformando condutas e, quiçá, práticas sociais que possam prevenir o fe- nómeno da violência contra idosos.

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