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SUMÁRIO

4 PERCURSOS DA PESQUISA

4.2. CUIDADOS ÉTICOS

Atualmente, questões que envolvem a ética nas pesquisas linguísticas têm sido bastante discutidas, especialmente para refletir acerca do papel do pesquisador e os princípios éticos que devem ser observados sempre que uma investigação se inicia. Liberman (1999, p.48) diz que há três obrigações éticas que precisam ser seguidas: (a) integridade do fenômeno social que está investigando; (b) Integridade da própria pesquisa e (c) integridade dos sujeitos que se está pesquisando. Essas responsabilidades são essenciais, com destaque para o cuidado com o fenômeno social que se está investigando, para saber fazer um distanciamento e não se deixar manipular os dados de acordo com os objetivos a serem alcançados, pois quando se escolhe trabalhar com sujeitos “reais” em contextos “reais” não se pode dissociá-los das pesquisas realizadas. Duranti (2000) afirma que a relação entre o investigador e investigado não pode ser uma relação hierárquica, onde

15 Busca convergência e correspondência de resultados de diferentes métodos. 16 Busca esclarecimento de resultados de um método com os resultados do outro. 17 Busca usar os resultados de um método para ajudar a informar o outro. 18 Busca novas perspectivas a partir de um método com perguntas ou resultados de outro.

19 Busca entender a amplitude da investigação ao usar métodos diferentes. (GREENE et al, 1989 apud GRAY, 2012).

somente o investigador impõe seu planejamento, pois os participantes da pesquisa têm suas próprias ideias, planejamentos e objetivos, por esse motivo, é fundamental que haja uma relação de respeito.

Nesta pesquisa, adentramos em um campo delicado de investigação, onde a pesquisadora ouvinte, usuária da Língua Portuguesa como primeira língua, elege um grupo de surdos, usuários da Língua Brasileira de Sinais como primeira língua para participarem de um estudo que envolve o aprendizado da Língua Portuguesa como segunda língua. No entanto, a presente pesquisa não pretende tratá-los como meros informantes e produtores de dados, mas, sobretudo, fazê-los refletir acerca do seu papel como aprendizes dessa segunda língua e reconhecê- los como pertencentes a um grupo constituído por língua e cultura própria.

Esse posicionamento é essencial, pois há muitos pesquisadores que olham para as pessoas surdas sob a lente da incapacidade, comparando-as apenas com ouvintes e enfatizando as intervenções comportamentais relacionadas à surdez. Dessa forma, negligenciam os fatores culturais e linguísticos dos surdos, apresentando uma interpretação negativa da surdez (SINGLETON et al, 2015). Definitivamente, esse não é o objetivo desta pesquisa, por outro lado, buscamos explorar as particularidades do aprendizado da Língua Portuguesa por aprendizes surdos, de tal forma, que esse processo seja visto sob o ponto de vista de um ensino de segunda língua em uma perspectiva bilíngue e bicultural.

Sendo assim, o planejamento de uma pesquisa deve prever os cuidados necessários e recomenda-se a adoção de algumas práticas nas pesquisas com participantes surdos a fim de que os padrões éticos sejam assegurados. Para Singleton et al (2015), os pesquisadores devem: a) incorporar a consciência cultural e linguística dos surdos nas pesquisas científicas; b) tornar as pesquisas e práticas acessíveis para os surdos (língua de sinais e escrita); c) disponibilizar os resultados do estudo para qualquer participante que demonstre interesse e d) reformular os modelos de colaboração entre surdos e ouvintes. Harris et al (2009) abordam algumas questões a serem consideradas pelo pesquisador nos estudos que envolvem a comunidade surda:

Quais são as diretrizes de pesquisa culturalmente mais apropriadas para esses grupos? O que incluímos nas diretrizes para indicar respeito e mostrar sensibilidade em relação à sua cultura? Como abordaríamos a importância de diretrizes de

pesquisa culturalmente apropriadas dentro dessas populações? (HARRIS et al, 2009, p.112).

Pollard (1992) também reflete acerca das questões éticas nos estudos envolvendo surdos e afirma que é possível realizar pesquisa na área da surdez com alta qualidade ética e científica que responda às prioridades e perspectivas da comunidade surda, produzindo conhecimento novo e válido e que tragam benefícios significativos para os pesquisadores e membros do grupo investigado. Nesse sentido, a presente tese busca teorizar acerca do ensino de Língua Portuguesa como segunda língua, a fim de contribuir para a consolidação de uma proposta educacional que respeite as singularidades dos surdos quanto ao aprendizado de uma segunda língua.

Nesse sentido, como pesquisadora e professora de Língua Portuguesa como segunda língua para surdos, a autora desta tese coloca- se como aliada da comunidade surda, sem desconsiderar os procedimentos científicos e éticos necessários para uma pesquisa acadêmica. É fundamental que o distanciamento e a aproximação oscilem nesse percurso; o distanciamento para não influenciar os resultados obtidos e a aproximação, de tal modo que desperte na comunidade surda a confiabilidade com aquilo que deverá ser compartilhado a respeito desse grupo.

Para alcançar tal propósito, fez-se necessário assumir e respeitar o uso da língua de sinais como primeira língua dos surdos. Dessa forma, as duas etapas do estudo que trazem o ponto de vista dos surdos – entrevista20 e questionário21 – foram realizadas na Língua Brasileira de Sinais, a fim de garantir a integridade e validade dos dados a serem veiculados.

Outra grande preocupação nas pesquisas com seres humanos é a necessidade de garantir a integridade e os direitos individuais das pessoas envolvidas. Por isso, os termos de consentimento livre e esclarecido se configuram como um documento indispensável nesses tipos de estudos. Os pesquisadores precisam estar cientes que uma prática baseada na ética profissional, exige que todos os participantes do estudo estejam cientes de seu papel e, principalmente, saibam para quais fins os dados coletados serão utilizados.

20 A pesquisadora realizou a coleta de dados em Língua Brasileira de Sinais. 21 O questionário foi elaborado pela pesquisadora e traduzido por um profissional tradutor-intérprete.

A elaboração de um consentimento formal é fundamental para informar os objetivos da pesquisa, as implicações da participação, os benefícios e desconfortos que podem ser gerados, bem como as circunstâncias da coleta de dados. No caso dos surdos, é essencial que esse documento seja disponibilizado na primeira língua dos sujeitos surdos e na Língua Portuguesa para garantir que todos os procedimentos estejam esclarecidos para o participante.

Além disso, os responsáveis pelo estudo devem se preocupar com o anonimato dos envolvidos na pesquisa e para alcançar esse objetivo, os nomes dos participantes e de terceiros, muitas vezes são completamente modificados ou omitidos (KNIGHT e ADOLPHS, 2011). No caso das línguas de sinais, outras dificuldades estão envolvidas na questão do anonimato, uma vez que estamos trabalhando com dados audiovisuais. Os participantes precisam estar de acordo que os dados coletados serão utilizados para fins de pesquisa e que os dados somente serão disponibilizados para outros estudos com a permissão dos pesquisadores responsáveis por determinado projeto. Nesta tese, esses tipos de dados foram utilizados somente pela pesquisadora e não serão disponibilizados para outros estudos, conforme previsto no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido22.

Nesse sentido, os cuidados com as questões éticas foram providenciados com a submissão deste projeto ao comitê de ética, via Plataforma Brasil e sua respectiva aprovação. Além disso, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi disponibilizado em Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa para os surdos participantes da pesquisa.

4.3 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS

Conforme explicitado anteriormente, esta pesquisa busca analisar as implicações do contexto bilíngue no processo de aprendizagem da Língua Portuguesa como segunda língua para surdos. Para dar conta do objetivo central da tese e dos objetivos específicos, foi necessário recorrer a diferentes procedimentos para a coleta de dados, sendo eles: entrevista, questionário e duas avaliações

No quadro abaixo, é possível visualizar de que forma os mecanismos adotados estão implicados com os objetivos desta pesquisa:

22 O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em Língua Brasileira de Sinais está disponível (link) juntamente com o documento em Língua Portuguesa.