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Cuidados Pós-Ressuscitação

No documento Artigos Volume - ABC Cardiol (páginas 173-177)

Cardioversão e Marca-Passo Transcutâneo

C) Torção das pontas

6. Cuidados Pós-Ressuscitação

6.1. Introdução

A lesão cerebral e a instabilidade cardiovascular são as principais determinantes de sobrevida após PCR. A Modulação Terapêutica da Temperatura (MTT) tem como finalidade conter a síndrome pós-PCR, diminuindo o consumo de oxigênio cerebral, e limitando a lesão ao miocárdio e os danos sistêmicos. Pelo fato de a MTT ser a única intervenção que demonstrou melhora da recuperação neurológica, ela deve ser considerada para qualquer paciente que seja incapaz de obedecer comandos verbais após o RCE.399-404 No entanto, lesões cerebrais podem se manifestar como convulsões, mioclonias, diferentes graus de défice cognitivo, estados de coma e morte cerebral.

6.2. Síndrome Pós-Ressuscitação

A síndrome pós-ressuscitação abrange o dano cerebral, a disfunção miocárdica, a isquemia sistêmica facilitada pelo mecanismo de isquemia-reperfusão e também as causas precipitantes do evento. A instalação e a gravidade da lesão causada pela síndrome pós-ressuscitação são consequências diretas das causas desencadeantes da PCR, do local do evento, do tempo de RCP e das condições de saúde pregressas do paciente.401

6.3. Cuidados Pós-Ressuscitação

6.3.1. Via Aérea e Ventilação

Alguns pacientes evoluem no RCE conscientes e com padrão respiratório adequado. Essas situações clínicas podem

Atualização

Atualização da Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019

Arq Bras Cardiol. 2019; 113(3):449-663

ser observadas em sobreviventes de PCR de curta duração, mas parcela considerável necessita de suporte de oxigênio, que deve ser oferecido quando não houver saturação na oximetria de pulso de 94%.405 Não entanto, aos pacientes com sinais clínicos de desconforto ou rebaixamento do nível de consciência, deve, sim, ser oferecido oxigênio suplementar e a via aérea segura deve ser ponderada. Durante a ventilação, a hipocarbia deve ser evitada, já que pode desencadear vasoconstrição cerebral.406 Sedação, nesta fase, é necessária, para viabilizar a ventilação e diminuir o consumo de oxigênio cerebral. Nos pacientes que serão submetidos a MTT, deve ser considerado o uso de bloqueadores neuromusculares.407,408

6.3.2. Circulação

A lesão coronária aguda atinge 59 a 71% dos pacientes que evoluem para PCR sem etiologia cardíaca evidente.

Desta forma, um ECG deve ser prontamente realizado e, se indicada, a terapia de reperfusão coronária deve ser iniciada.

Entre aqueles nos quais a presença de uma causa cardíaca como desencadeante não permanecer clara, ou na ausência de fatores de risco predisponentes, ou na falta de um diagnóstico determinante provável (exemplo de embolia pulmonar e acidentes vascular cerebral), e considerando a incidência de doença coronária em séries de óbitos, recomenda-se a obtenção de um cateterismo coronário diagnóstico nas 2 horas iniciais após o RCE.409 Medidas adicionais, como MTT, podem ser continuadas durante esta fase, não podendo retardar o diagnóstico e nem o tratamento do fator desencadeante. 6.3.3. Manejo Hemodinâmico

Frequentemente, após o RCE, há instabilidade hemodinâmica, distúrbios de ritmo consequência do baixo Quadro 5.11 – Resumo das indicações para abordagem terapêutica de bradicardias e taquiarritmias398

Recomendação Classe de Recomendação Nível de Evidência

Atropina para bradicardia com sinais e sintomas de instabilidade IIa B

Dopamina, epinefrina ou marca-passo transcutâneo para bradicardia sintomática refratária à atropina IIa B Cardioversão elétrica imediata para taquicardia com instabilidade. Sedação se paciente consciente I B

Adenosina para taquicardia supraventricular regular estável IIb C

A dose recomendada de energia bifásica para cardioversão de fibrilação atrial é 120 a 200 J IIa A A dose mínima de energia monofásica recomendada para cardioversão de fibrilação atrial é 200 J e deve ser

aumentada caso não haja sucesso IIa B

Repetir choque com carga maior de energia caso cardioversão sem sucesso IIb C

Verapamil e diltiazem, para taquicardia supraventricular refratária à adenosina ou à manobra vagal, ou recorrente, após administração de adenosina, ou quando administração de adenosina ou manobra vagal

revelam fibrilação atrial ou flutter IIa B

Betabloqueadores para taquicardia supraventricular refratária à adenosina ou manobra vagal, ou recorrente após administração de adenosina, ou quando administração de adenosina ou manobra vagal revelam fibrilação

atrial ou flutter IIa C

Não usar agentes que bloqueiam o nó atrioventricular (adenosina, bloqueadores de cálcio, betabloqueadores e

digitálicos) em pacientes com pré-excitação em fibrilação atrial ou flutter III C

Soco precordial para TV instável em pacientes monitorizados, mas com desfibrilador indisponível IIb C Para taquicardia com QRS largo monomórfica de etiologia indeterminada, o uso de adenosina é seguro,

podendo servir para diagnóstico e tratamento IIb B

Adenosina não deve ser utilizada para taquicardias de complexo largo irregulares ou polimórficas III C Verapamil não deve ser usado para taquicardias de complexo largo, a menos que haja certeza de origem

supraventricular III B

Amiodarona e sotalol para taquicardias de complexo largo monomórficas IIb B

Procainamida para taquicardias de complexo largo monomórficas IIa B

Sotalol e procainamida devem ser evitados em pacientes com QT longo. Se administrados, ponderar uso de

próximo antiarrítmico, fazendo-o somente com consulta a especialista III B

Na falha de antiarrítmicos para taquicardica com complexo largo monomórfica, cardioversão elétrica IIa C Betabloqueadores e bloqueadores do canal de cálcio não diidropiridínicos por via endovenosa para fibrilação

atrial de alta resposta ventricular IIa A

Na ausência de QT longo, isquemia é a principal causa de taquicardia ventricular polimórfica. Nessa suspeita,

amiodarona e betabloqueadores poderiam reduzir o risco de recorrência da arritmia IIb C Magnésio não é efetivo na prevenção de taquicardia ventricular polimórfica sem QT longo, mas amiodarona o é IIb C

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Atualização da Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019

Arq Bras Cardiol. 2019; 113(3):449-663 débito cardícao. Nos pacientes com instabilidade, há

indicação para uso de drogas vasoativas. Usualmente, os resultados mais efetivos são obtidos associando-se reposição de fluidos e drogas vasoativas. Na persistência da instabilidade, podem ser considerados suportes circulatórios, como Balão Intra-Aórtico (BIA) e ECMO (Figura 6.1).

6.4. Modulação Terapêutica da Temperatura

Os estudos desenvolvidos em Hipotermia Terapêutica (HT) iniciados na década de 1980 e 1990 apresentaram limitações principalmente relacionadas a dificuldades no controle da temperatura, sangramentos e infecções. Este cenário apresentou mudanças com o surgimento de dispositivos e cuidados que permitem controlar a temperatura com segurança.410-412

Dois estudos multicêntricos desenvolvidos ganharam repercussão em publicações no início de 2002.399,400 Em 2010, o ILCOR estabeleceu a HT dentre os cuidados após o RCE de eventos extra-hospitalares e manteve a recomendação para o controle de temperatura ideal de 32 a 34°C. O método ganhou  aceitação, e seu emprego se estendeu para outros ritmos de PCR e para o ambiente intra-hospitalar.406,407

Nielsen et al. publicam dados do estudo randomizado TTM Trial (Target Temperatura Manegement) com corte composta por 950 indivíduos que evoluíram comatosos após o RCE extra-hospitalar e foram submetidos à hipotermia com temperaturas-alvo de 33°C ou de 36°C.408-410

Com isso, criou-se o conceito de “modulação terapêutica da temperatura”, em que as evidências apontam que

adultos que permanecerem comatosos no RCE após PCR no ritmo de TV/FV fora do ambiente hospitalar devem ser  resfriados  a  32°C  a  36°C  por  12  a  24  horas  (Classe  de Recomendação I; Nível de Evidência B). A MTT pode beneficiar sobreviventes de PCR fora do hospital a partir de outros ritmos, como assistolia ou AESP, ou PCR intra- hospitalares (Classe de Recomendação IIb; Nível de Evidência B).402,404,413-418

O tempo ideal da fase de manutenção é, atualmente, de 24 horas.414-422

6.4.1. Quando e como Realizar a Modulação Terapêutica da Temperatura

A MTT mostrou-se intervenção capaz de oferecer melhora na recuperação neurológica e deve ser considerada para os pacientes comatosos, ou seja, incapazes de atender ordem verbal após o RCE (Quadro 6.1).399-413

Pacientes que atingirem estabilidade hemodinâmica após o RCE, à custa de inotrópicos e vasoconstritores, podem iniciar o tratamento.401,410

6.4.2. Fases da Modulação Terapêutica da Temperatura: Indução, Manutenção e Reaquecimento

Indução: a temperatura central deve ser monitorada continuamente por termômetro esofágico, cateter vesical ou cateter de artéria pulmonar. O uso de termômetros convencionais (axilares, retais ou orais) não se mostrou adequado e seguro.399,400,423,424

Figura 6.1 – Abordagem após o retorno a circulação espontânea. TC: tomografia computadorizada; CATE: cineangiocoronariografia; ATC: angioplastia coronária; UTI: unidade de terapia intensiva; ECG: eletrocardiograma; IAMCST: infarto agudo do miocárdio com supradenivelamento do segmento ST; PCR: parada cardiorrespiratória; MTT: modulação terapêutica da temperatura.

Considerar TC crânio e/ou angiotomografia do tórax

ECG com IAMCST?

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Quadro 6.1 – Critérios de seleção para modulação terapêutica da temperatura (MTT)399-413

Critérios de inclusão Limitações para o início da MTT: nritérios de exclusão Idade: 18 a 75 anos Portadores de coagulopatias – exceto as induzidas PCR presenciada terapêutica − uso crescente de doses Choque cardiogênico refratário à

de drogas vasoativas Tempo de manobras de reanimação

< 45 minutos Choque séptico

Ausência de resposta adequada aos

estímulos Discrasias sanguíneas

Acesso ao atendimento primário entre

5 e 15 minutos após o início da PCR Recorrência de PCR prolongada após admissão Intervalo de tempo pós-PCR de até

12 horas Pacientes conhecidamente em fase de doença terminal Gestantes (relativa) PCR: parada cardiorrespiratória.

O resfriamento deve ser iniciado prontamente, preferencialmente no local do evento ou até 6 a 12 horas após o RCE. Objetivo é atingir a temperatura-alvo o mais rapidamente possível, recomendando-se associação de métodos.425-427

Frequentemente, após o RCE, há queda da temperatura corpórea (35°C e 36°C). Se a temperatura-alvo de 36°C for  escolhida, pode-se permitir reaquecimento passivo lento para  36°C.  Se  o  objetivo  for  temperatura-alvo  de  33°C,  o resfriamento inicial pode ser facilitado por bloqueio neuromuscular e sedação, o que impede os tremores (Quadro 6.2).426-432

Manutenção: esta fase se inicia ao se atingir a temperatura- alvo e se estende por 12 a 24 horas. Os cuidados são direccionados a fim de se evitar o hiperresfriamento (temperatura < 32°C). A infusão de soluções geladas deve ser  interrompidas nesta fase. A queda nos níveis de temperatura pode induzir à bradicardia e à poliúria, contribuindo para deterioração do estado hemodinâmico, facilitando hipovolemia e distúrbios hidroeletrolíticos.431,432,434

Mioclonias e convulsões devem ser prontamente identificadas e tratadas. O diagnóstico diferencial deve ser feito com Eletroencefalograma (EEG), e não há evidência para sustentar o uso preventivo de anticonvulsivantes.399,400,401,420-423,427,432-439

Reaquecimento: as manobras que sinalizam o início

desta fase não implicam na descontinuidade imediata dos dispositivos de resfriamento, já que o ganho de temperatura deve ser gradativo, idelamentemende de 0,25°C a 0,5°C a  cada hora. Alterações hemodinâmicas, hidroeletrolíticas e nas taxas metabólicas são esperadas nesta fase, e atenção deve ser dada à conteção da hipertermia rebote, que está associada à pior evolução neurológica.440-443

Adicionalmente, o reaquecimento ativo deve ser evitado naqueles que, espontaneamente, desenvolvam um leve grau

Quadro 6.2 – Principais métodos de indução e manutenção de hipotermia432-435

Método Cuidados

Resfriamento de superfície

Pacotes de gelo Rodiziar locais: axilar, virilha e pescoço Prevenir lesões de pele Mantas térmicas Atender especificações do fabricante Dispositivos de aplicação cutânea: capacetes, coletes e perneiras Atender especificações do fabricante Resfriamento por sonda gástrica Solução salina a 4°C, em bólus de 250 mL por

sonda gástrica, volume final 30 mL/kg

Verificar posição da sonda gástrica Aspirar conteúdo gástrico inicial

Resfriamento endovenoso

Solução salina a 4°C, infusão por via endovenosa, volume final

de 30 mL/kg

Empregar perfusor para otimizar o tempo de infusão Suspender infusão de volume se

oximetria de pulso < 94% Limitar uso em pacientes com

congestão pulmonar Cateter endovascular de

resfriamento contínuo

Necessita de punção femoral ou venosa central. Risco de

complicações: mecânica, sangramento, infecção e

trombose

de hipotermia (> 32°C) após o RCE e durante as primeiras 48  horas (Classe de Recomendação III; Nível de Evidência C).444

O controle posterior da temperatura deve se estender ao menos por 72 horas para a prevenção ativa da ocorrência de febre.433,436

6.4.3. Contraindicações para a Modulação Terapêutica da Temperatura

Incluem infecção sistêmica grave e coagulopatia preexistente. Terapia fibrinolítica não é contraindicação à hipotermia induzida leve.445

6.5. Estado Atual da Modulação Terapêutica da Temperatura

O uso de hipotermia atua como supressor das vias facilitadoras da morte cerebral e da apoptose celular.

Há uma diminuição de 6% na taxa de metabolismo cerebral de oxigênio na redução da temperatura corpórea a cada 1 °C.

Existe evidência de uma diminuição dos radicais livres durante o controle da temperatura.

Há um bloqueio à ação intracelular da exposição às excitotoxina (acionadas pelo aumento do cálcio e do glutamato), reduzindo a resposta inflamatória na síndrome pós-PCR.

O Advanced Life Support Task Force do ILCOR sustenta as seguintes orientações:

• O termo “modulação terapêutica da temperatura ” passou a ser preferível ao termo “hipotermia terapêutica”, anteriormente empregado.

Atualização

Atualização da Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019

Arq Bras Cardiol. 2019; 113(3):449-663 •  Manter faixa de 32 a 36°C quando a MTT for indicada. 

• Em algumas subpopulações, o benefício associado a baixas temperaturas com faixas de 32 a 34°C, ou a temperaturas  mais elevadas de 36°C, permanece incerto, e novos estudos  devem ser realizados.

• Recomenda-se MTT para adultos sobreviventes de PCR extra-hospitalar com ritmo inicial FV/TV e que permanecem em coma após o RCE.

• Sugere-se MTT para adultos sobreviventes de PCR extra-hospitalar com ritmo inicial não chocável e que permaneçam em coma após o RCE.

• Sugere-se MTT para adultos sobreviventes de PCR intra- hospitalar em qualquer ritmo inicial e que permaneçam arresponsivos após o RCE.

• Bradicardia durante HT leve pode ser benéfica, presumivelmente porque a função autonômica é preservada.446

6.6. Perspectivas

A divulgação do conhecimento ao público, favorecendo o reconhecimento das situações de PCR e da necessidade do início das manobras de RCP, associada a estruturas que ofereçam atendimento rápido, trouxe melhora da sobrevida e da qualidade de vida aos pacientes que evoluíram com RCE. Apesar disto, na prática, a partir dos critérios de inclusão, fica evidente que o número de pacientes elegíveis para MTT é significativamente inferior ao total dos admitidos pós-PCR nos serviços de emergência.

A terapia da MTT certamente é um dos tópicos que deve ocupar mais espaço no tratamento de pacientes sobreviventes a PCR. A valorização de um parâmetro simples, a temperatura corpórea, deve ser incorporada nos cuidados médicos a pacientes críticos pós-PCR, em busca da redução da mortalidade e de qualidade de vida na alta hospitalar.

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