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MATOPIBA: SEMENTES DA PROSPERIDADE E DA RUÍNA

2- Cultivando o futuro: o papel da Escola do Acampamento

A escola do acampamento, segundo Carla, “é o coração do acampamento” e representa para os moradores a possibilidade de futuro, pois sabem que o acesso à educação, além de um direito constitucional, é necessário para instrumentalizá-los na luta pela efetivação de outros direitos que lhes foram negados ao longo do tempo. Consideram também que a educação tem o potencial de emancipá-los, pois, para eles a “escola é mais que escola” (Caldart, 2004), ou seja, tem função pedagógica e humana.

Deste modo a instituição escolar representa a única presença do Estado na comunidade e é, também, o local usado para reuniões, onde são debatidas questões ligadas ao acampamento e são formuladas as agendas de luta do movimento social. Além disso, de acordo com Lia:

a escola representa algo de muito especial pra gente, porque é dali que as crianças começou a aprender a estudar, a escrever, até mesmo as pessoas adultos muitos tiveram vantagem aí né, então eu acho que de qualquer forma a escola aqui seria um grande investimento, seria uma coisa ótima aqui. (Depoimento de Lia, roda de conversa, agosto de 2017)

Essa instituição tem, portanto, importância vital para os agricultores e devido a isso é que de acordo com a professora Lorena:

Ali, no momento em que foi feita à ocupação, o primeiro passo do movimento social, do movimento MST, é a construção da escola… seja ela itinerante ou permanente. De baixo de uma árvore… Primeiro passo: “as famílias entraram, vamos construir a escola”. Até mesmo para acomodar as crianças e que os pais possam dar continuidade ao seu trabalho. E ali foi uma junção, foi um processo tanto de quem estava acompanhando no início a comunidade e, após, entrou os municípios, com os contratos dos professores. E assim se deu. (Entrevista da professora Lorena, outubro de 2017).

O depoimento da professora se comprova na prerrogativa de Caldart (2004) que expressa:

a escola passou a fazer parte do cotidiano e das preocupações das famílias sem-terra, com maior ou menor intensidade, com significados diversos dependendo da própria trajetória de cada grupo mas, inegavelmente, já consolidada como sua marca cultural: acampamento e assentamento dos sem- terra do MST têm que ter escola, e de preferência que não seja uma escola qualquer, e a escola passou a ser vista como uma questão também política, quer dizer, como parte da estratégia de luta pela Reforma Agrária, vinculada

ás preocupações gerais do Movimento com a formação de seus sujeitos. (p.225-226).

A preocupação do MST com a escola se deve a compreensão de que é esta instituição que oportuniza as crianças, jovens e adultos terem acesso aos saberes sistematizados de maneira ressignificada, permite que sejam diminuídos os índices de analfabetismo e baixo nível de escolaridade dos sujeitos do campo, permitindo a estes, ter uma escola e educação em suas terras que respeite suas tradições, que seja específica e que tenha um projeto voltado à realidade deles.

Neste sentido é que a escola 1º de Maio foi erguida pelos moradores em madeirite e lona e começou a funcionar, segundo relato de Aline, secretária do setor de Educação do Campo da Secretaria de Educação de Barreiras, “em junho de 2012 e por terem iniciado as aulas neste período nem entraram no censo escolar”. Ou seja, esta instituição escolar foi construída praticamente junto com o acampamento, posto que iniciou os trabalhos cerca de um mês depois. Percebe-se assim um imbricamento entre luta por terra e por educação.

Até o ano de 2016 a escola oferecia o ensino fundamental I, atendendo 16 crianças e também ofereceu até o ano de 2015 a Educação de Jovens e Adultos em uma turma com 8 estudantes, ambas organizadas pelo sistema de multisseriação, que mesmo não sendo uma organização ideal, segundo relatos dos pais de alunos da comunidade, era a maneira de garantir o acesso à educação para as crianças, jovens e adultos. Já que a gestão pública municipal argumentava que o baixo quantitativo de alunos inviabilizava a organização em anos/séries. Por trás desta justificativa estava o real motivo, a redução de custo com várias turmas e turnos.

No início de 2017, a Secretaria de educação do município de Barreiras anunciou, por meio da Portaria nº 002, a nucleação de 14 das 28 unidades escolares do campo que funcionavam em regime de multisseriação, dentre as quais a escola do acampamento Zequinha Barreto.

Cabe mencionar que a nucleação não foi debatida com as comunidades, pois não era interesse dos moradores do acampamento a retirada da escola, que para eles, é mais que um espaço de escolarização. Mesmo contando com infraestrutura precária, ela se constituía em um espaço de resistência e sociabilidade. Era o lugar onde eles discutem e planejavam suas estratégias, seus projetos comunitários, e reafirmavam a identidade de camponês. Este entendimento do papel da escola é corroborado por Caldart (2004) que menciona:

[...] a escola é um lugar fundamental de educação do povo, exatamente porque se constitui como um tempo e um espaço de processos socioculturais, que interferem significativamente na formação e no fortalecimento dos sujeitos sociais que dela participam. E se constitui assim muito mais pelas relações sociais que constrói em seu interior do que exatamente pelos conteúdos escolares que veicula, embora os conteúdos também participem desses processos, especialmente do que se refere á produção e á socialização. (p.91).

Considerando a relevância da escola do acampamento na formação política, humana e na construção de processos de resistência e luta pela terra é que faremos uma caracterização mais detalhada desta instituição no próximo capítulo, trazendo relatos acerca do papel desta instituição para os moradores da comunidade, também discutiremos como se deu a nucleação e abordaremos os impactos dele para os educandos e para a comunidade.

CAPÍTULO IV

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