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MATOPIBA: SEMENTES DA PROSPERIDADE E DA RUÍNA

1- Germes históricos e caracterização do território do MATOPIBA

Considerada a mais recente fronteira agrícola do Brasil, inicialmente chamada, “de MAPITO” (PAULA JUNIOR,2015) que, agregando o estado da Bahia, passou a ser conhecido como MAPITOBA nos idos dos anos 90” (p. l) e BAMAPITO. Recentemente intitulada de MATOPIBA8. Todas dizem respeito ao acrônimo das iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia que se caracterizam pelo emprego de tecnologias modernas e de alta qualidade”, (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária- EMBRAPA, 2015)

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Neste trabalho optamos pelo uso do termo MATOPIBA, por ser mais recente e por ser esta a nomenclatura usada no decreto presidencial nº 8447/2015.

Figura 3- Mapa MATOPIBA

(Fonte: EMBRAPA-Nota técnica- Delimitação MATOPIBA)

Este arranjo territorial foi forjado pela modernização agrícola que vem ocorrendo nas áreas de cerrado desde a década de 1970 quando o governo, por meio de diversos programas, incentivou o povoamento destas áreas para o desenvolvimento da agricultura em larga escala. Já que nesta região havia grande disponibilidade de terras mecanizáveis, a maior reserva de gás natural do país, grande diversidade de minérios, além de grande potencial hídrico. Segundo Magalhães e Miranda (2014):

São três as bacias hidrográficas no MATOPIBA: Bacia do Rio Tocantins (ocupando 43% da área do MATOPIBA), Bacia do Atlântico – Trecho Norte/Nordeste (com 40%) e Bacia do Rio São Francisco (com 17%) (Tabela 6 e Figura 8). Nestas Bacias correm os principais rios da região: Araguaia, Tocantins, São Francisco, Parnaíba, Itapicuru, Mearim, Gurupi e Pindaré. (p.21)

Outros fatores que favoreceram e tornaram esta região atrativa foram, o clima tropical com grande incidência de sol e os incentivos financeiros do governo. Este território se consolidou como polo da produção de grãos para a exportação.

Tais fatores contribuíram para a delimitação deste arranjo territorial feito por meio de análises elaboradas pelo Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE), concebido por meio de acordo entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (MIRANDA ET AL, 2014, p.7). A região do MATOPIBA foi então delimitada e abarca segundo os mesmos autores:

[...] cerca de 324.326 estabelecimentos agrícolas que ocupam uma área de 33.929.100 ha, além de 46 unidades de conservação (8.334.679 ha), 35 terras indígenas (4.157.189 ha) e 781 assentamentos de reforma agrária e áreas quilombolas (3.033.085 ha) num total de 13.967.920 ha de áreas legalmente atribuídas, excluídas as sobreposições (MIRANDA ET AL, 2014 p.10).

Há predominância de áreas ocupadas com a agricultura em larga escala, o que significa concentração de terras e recursos naturais nas mãos dos empresários do setor agrícola, sendo as outras formas de ocupação e uso do solo menos recorrentes.

No tocante a esta demarcação, outros critérios foram utilizados, o primeiro deles foi às áreas de cerrado existente nos quatro estados supracitados, que abarcam, cerca de “91% do território (66.543.540,87 hectares). Contudo, devido sua extensão, engloba também remanescentes do bioma Amazônia (~7,3% ou 5.319.628,40 hectares) e Caatinga (~1,7% ou 1.203.107,22hectares) na noroeste e leste” (MAGALHÃES E MIRANDA, 2014, p. 4).

Outro critério de delimitação, apontado por Miranda et al (2014): “foi a dimensão socioeconômica, principalmente os dados relativos à produção agropecuária e florestal das pesquisas anuais do IBGE” (p.10). Ainda de acordo com o mesmo autor, foi considerado também “a infraestrutura, além dos dados sobre a malha viária e logística na região, foram utilizadas informações do banco de dados de monitoramento das obras do PAC sob coordenação do GITE”. Tais análises tiveram o propósito de verificar se esta região apresentava potencial agrícola e se dispunha de logística para escoar a produção.

Destarte a realização de todo este estudo feito pela EMBRAPA, em entrevista com o professor Rafael relatou:

A gente tem o domínio do agronegócio, ele está presente na última etapa da ocupação. Está presente no Oeste da Bahia, no Sul do Piauí, no Sul do Maranhão e praticamente em todo o estado do Tocantins. Os empresários que atuam no setor e as grandes cooperações são as mesmas e estão nos mesmos lugares. E ainda que não sejam todos, o modus operanti é o mesmo, então

eles têm redes de articulações, que são redes corporativas, redes racionais de reprodução econômica e isso meio que antecedeu a própria formação do MATOPIBA. Então já existia de fato um processo de regionalização econômica nesses 4 subespaços desses estados que eu citei, e aí aconteceu que em 2014, o estado brasileiro resolveu legitimar, a existência dessa regionalização, criando um arranjo territorial, por meio de um estudo realizado pela Embrapa, empregando um modelo teórico chamada, inteligência territorial, que não é muito conhecida no Brasil, foi aplicado exclusivamente no MATOPIBA. (Entrevista de Rafael, agosto de 2017).

Este arranjo territorial foi idealizado pelos empresários do setor agropecuário, o governo representado pela bancada ruralista somente legitimou, quando autorizou a realização do estudo e posteriormente institui o Plano de Desenvolvimento do MATOPIBA que visava aumentar a produção agrícola da região, as condições socioeconômicas das pessoas que ocupavam as áreas de cerrado, desenvolvendo projetos ou dando continuidade aos existentes, de modo a ampliar frentes de trabalho e diminuir as taxas de miséria social dos estados de abrangência.

Levando em consideração os propósitos supracitados, mas tentando ter uma visão mais abrangente que extrapolasse a determinação legal do decreto presidencial, solicitei que o coordenador da agência 10envolvimento, Juarez, analisasse, a partir de suas leituras e engajamento nesta ONG os objetivos desta nova fronteira agrícola. Para ele:

Na realidade, pela conjunção da AIBA dá ainda pra quase dobrar a área de cultivo aqui, por causa de tecnologias que permitem assim estender a mais pra cá ainda um pouco a fronteira, segundo assim, mitigar os riscos climáticos através de uma forte expansão de projetos irrigados e isso é uma das nossas principais preocupações se isso é possível, mas eles afirmam que sim, e terceiro é impulsionar pelo menos o processamento primário das culturas para depois exportar daqui a soja crua. (Entrevista de Juarez, agosto de 2017).

Segundo o entrevistado, os objetivos de acordo com a visão da AIBA principal responsável por essa delimitação territorial, é a expansão da atividade agrícola. Na análise deles é possível dobrar a área produtiva. Entretanto, para isso terão que desmatar ainda mais, além de necessitarem de mais fontes energéticas no cultivo como, água e energia para a irrigação, tudo isso implica em impacto ambiental de diversas naturezas e eles não têm sido considerados, pois a lógica do capital é somente o lucro.

Ainda tratando dos objetivos do MATOPIBA o professor Rafael mencionou:

Na minha opinião, é garantir a solidariedade organizacional, que existem entre esses entes que atuam, esses agentes econômicos que atuam na região. Então é para garantir as condições, para que eles continuem reproduzindo as suas atividades, isso com o apoio cada vez mais intenso com estado, na medida em que o estado é fornecedor de infraestrutura e política de financiamento, então esse modelo de regionalização, meio que legitima a

atuação do estado em favor da iniciativa privada. (Entrevista de Rafael, agosto de 2017).

Constata-se que o agronegócio é realmente uma rede de atores nacionais e internacionais muito bem articulada que tem o único propósito de acumular renda, terra e recursos naturais, tendo a chancela do estado brasileiro que legitima este setor quando concede empréstimos vultosos para a ampliação da agricultura em larga escala, investe em melhorias da malha ferroviária para escoamento desta produção e quando instituiu o Plano de Desenvolvimento do MATOPIBA, que tem as seguintes diretrizes:

I - Desenvolvimento e aumento da eficiência da infraestrutura logística relativa às atividades agrícolas e pecuárias;

II - Apoio à inovação e ao desenvolvimento tecnológico voltados às atividades agrícolas e pecuárias; e

III - Ampliação e fortalecimento da classe média no setor rural, por meio da implementação de instrumentos de mobilidade social que promovam a melhoria da renda, do emprego e da qualificação profissional de produtores rurais. (BRASIL, DECRETO 8447/2015)

A operacionalização das diretrizes do PDA-MATOPIBA pressupõe a cooperação de órgãos federais e setores privados e da sociedade civil (BRASIL, 2015) para tornar este projeto exequível.

Todas as diretrizes deste Plano de desenvolvimento são pensadas para um público específico, a classe média do setor rural, este é um núcleo formado por fazendeiros e empresários do agronegócio. Restando a população formada por agricultores, camponeses-familiares, povos tradicionais em sua diversidade, que habitam este espaço geográfico, sofrer com as consequências deste modelo econômico que exauri a terra, expropria as pessoas, eleva a pobreza material e vulnerabilidade social dos povos do campo.

É por terem este aval e financiamento do estado brasileiro que o capitalismo agrário vem se territorializando ainda mais nesta nova fronteira agrícola. Exemplo disso é a microrregião de Barreiras, lócus de nossa pesquisa. Nela há somente a valorização e o incentivo a moderna agricultura centrada na produção de grãos, um fato que comprava isso é que mesmo havendo pequenos produtores agrícolas, que plantam banana, manga, mamão, café e desenvolvem outras atividades como a piscicultura, são silenciados pela mídia e invisibilizados pela gestão pública local, pois eles se concentram em disseminar “as benesses” da produção de soja, milho e algodão.

Esta extrema valorização da agricultura moderna não permite que certas questões sejam sequer debatidas em esfera pública, talvez por isso é que este projeto da

região do MATOPIBA não foi discutido com a população que compõe este arranjo territorial. Incluindo aqui os moradores do Acampamento Zequinha Barreto, os quais demonstraram, em conversas informais, desconhecimento acerca da temática supracitada.

Assim, somente o dirigente do acampamento mencionou ter algum conhecimento sobre esta nova fronteira agrícola:

Já, assim na verdade, uma das metas do MST no Oeste é ir pra cima do MATOPIBA que pega aqui da região do Tocantins, Piauí e essa região aqui e uma das metas do MST não é confrontar com o agronegócio com o latifundiário é nós tentarmos debater sobre isso. (Entrevista de Caio, agosto de 2017).

Fica evidente que esta fronteira agrícola já tem sido debatida pelo MST e que eles já incorporam esta questão como uma de suas pautas de luta, pois entendem que é necessário ampliar o debate público e analisar cuidadosamente o que este arranjo territorial representa, de modo a entender melhor seus propósitos e possíveis consequências.

Ao que parece, não tendo o propósito aqui de generalizar esta questão, o debate acerca desta delimitação territorial ficou restrito ao domínio do agronegócio, do estado e da academia representada por pesquisadores que tem se debruçado acerca desta questão. Deste modo, solicitei a Juarez que explicasse quando iniciaram os debates acerca do MATOPIBA aqui no município de Barreiras.

Na realidade quem falou um pouco sobre ela foi a Aiba na realidade aplaudindo essa política. No ano passado o conceito MATOPIBA foi muito presente na Bahia Farm Show9no ano passado foi muito forte, mas não lembro discussão disso não, a sociedade civil é muito fraca, não temos muita coisa nesse sentido. O que falta também, muito nesse sentido seria uma mídia crítica o que se projeta e começa equivocado, começa a se questionar. (Entrevista de Juarez, agosto de 2017).

O conhecimento acerca do MATOPIBA está centrado entre os latifundiários e empresários do agronegócio. Prova disso é a esfera onde este projeto foi amplamente divulgado, uma das maiores feiras de negócios ligadas à moderna agricultura. Este arranjo territorial foi divulgado como sendo a “salvação da lavoura”, somente

9 A Bahia Farm Show ocorre anualmente e é a maior vitrine do agronegócio do Norte e Nordeste do

Brasil e hoje está entre as três maiores do país em volume de negócios. Dela fazem parte as maiores empresas de máquinas, implementos, insumos, aviação e serviços. [...] Esta feira também é palco de tomada de decisões para o setor, já que faz parte dos compromissos dos governantes, executivos públicos, CEOs de empresas, e muitos outros. Na edição de 2017, a feira atingiu a marca histórica de R$ 1.531 bilhão em volumes de negócios. (Fonte: Site oficial da Bahia Farm Show).

evidenciando os aspectos positivos, ou seja, maior produção, aumento do Produto Interno Bruto, do número de empregos. Entretanto, suponho que nenhum dos aspectos negativos foram pontuados.

Ainda acerca da questão, o entrevistado criticou a ínfima participação da sociedade civil nas questões que direta ou indireta pode afetá-los. Atrelado a isso crítica a mídia como sendo um suporte que, ao invés de apontar os fatos como eles realmente são, tendem a tomar partido e sempre do lado dos capitalistas, são, portanto, parciais e disseminam informações que o capital hegemônico relata como sendo verdades absolutas.

O fato é que os debates em torno desta temática são ainda ínfimos, como pude comprovar durante a III Semana Científica do Departamento de Ciências Humanas- Formação Profissional e Trabalho: Saberes e Sentidos e I Simpósio Internacional Educação, Sociedade e Trabalho, realizado na Universidade do Estado da Bahia- UNEB- Campus IX Barreiras-Ba em setembro de 2016, o qual contou com a participação do professor Rafael, levando isso em consideração, pedimos que ele nos dissesse se havia um grupo que estudava este tema e em que momento essas discussões tomaram vulto na região. O entrevistado nos fez o seguinte relato:

Não, na verdade, aquele evento ele foi pontual, não existe nenhuma rede de pesquisadores, que pensam sobre isso. Eu tenho alguns colegas que são curiosos como eu, pelo tema. Inclusive eu tenho colega que atuou aqui, conosco aqui no curso de geografia, que foi para o Maranhão e a gente está tentando colaborar e ajudar em algumas coisas, mas enfim, a gente não tem conseguido sentar e conversar, então ainda é uma pesquisa pouco sistematizada. Na verdade, se você parar, para pensar na escala de tempo, a gente ainda está no olho do furacão. A lei é de 2014, nós estamos em 2017 e nada de concreto, talvez pela crise econômica, nada aconteceu ainda, de questão de materialização do MATOPIBA. (Entrevista de Rafael, agosto de 2015).

Este tema não tem tido a devida atenção por parte tanto da população, universidades e gestão pública local, pois acredito que, para além dos benefícios divulgados pela mídia e pelo agronegócio, é preciso também analisar os impactos ambientais e sociais gerados por este arranjo territorial e esta questão será por nós discutida na seção seguinte.

2- Frutos amargos da expansão agrícola: as externalidades ambientais geradas

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