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2 CORPO, CULTURA E ESCOLA

2.2. Contexto da Educação Infantil

2.2.2 Cultura corporal na Educação Infantil

Na Educação Infantil, ainda é preciso que se defenda a escola como um direito da criança, pois todos os cuidados assistenciais, como alimentação e até sono, são atendidos em suas dependências, sob a responsabilidade do professor (MACEDO, 2010). Fica à margem em importância a consciência de que muitas vezes a escola é o único espaço que pode contemplar a brincadeira e socialização da criança, bem como a construção da solidariedade e democracia dentro das especificidades infantis. Toda experiência humana, desde os primeiros tempos de vida, é vivida corporalmente. O corpo é o caminho de significação do mundo para a criança, seu canal de comunicação e aprendizado. É o canal de construção de suas aprendizagens, seus valores e da configuração desse processo de socialização. A importância de um olhar específico para essa questão é indispensável.

No entanto, o trabalho que envolve a cultura corporal vem carregado de concepções diversas, contemplando desde objetivos de repressão ao movimento até propostas de movimentação para gasto de energia e diminuição da agitação.

Galvão (1992), por exemplo, afirma em suas pesquisas que muitas vezes a educadora infantil vê o movimento em sala de atividade como prejudicial ao aprendizado; ao mesmo tempo, ao ar livre, não há um investimento nessa manifestação. Filgueiras (2006) corrobora essa constatação, ao reforçar que as práticas corporais são um campo pouco explorado na Educação Infantil e desconsidera-se a iniciativa das crianças, com prioridade para movimentos dirigidos e mecânicos.

Na tentativa de ampliar a gama de possibilidades, jogos e brincadeiras têm ganhado cada vez mais destaque nos espaços de formação docente e no dia a dia de trabalho na Educação Infantil; mas ainda assim sua relevância não é totalmente assimilada e, muitas

vezes, são consideradas atividades secundárias, que ajudam apenas no gasto de energia, desvinculadas de atividades concebidas como intelectualizadas, como a leitura e a escrita (SOUZA; LIMA, 2003).

Apesar de serem elementos privilegiados no trabalho corporal (e nas diversas áreas), principalmente nessa faixa etária, tanto pelo prazer quanto pela tensão e pelo desafio da proposta, as ciências e os idiomas modernos ainda se destacam em detrimento das humanidades, das artes, etc., o que muitas vezes contribui para que as necessidades dos indivíduos fiquem em segundo plano. As dimensões social, afetiva, estética e até mesmo ética perdem espaço para a dimensão intelectual na cultura escolar.

O que observamos, no contexto das unidades de Educação Infantil, é que as práticas corporais aparecem descoladas do planejamento e da intervenção dos professores, e têm seu espaço e olhar garantidos apenas no local destinado ao parque. É esse o espaço encontrado pelas crianças para uma relativa liberdade de expressão e, consequentemente, de atravessamento a todo esse sistema de reprodução, colocando a cultura dominante em conflito.

No ambiente escolar, é no parque que a resistência dos pequenos ganha maior ênfase, corpo e espaço de manifestação, uma vez que acreditamos na escola como um lugar de encontro cultural. Entretanto, isso não ocorre porque as ações dos professores se modificam no espaço, mas sim pela sensação de liberdade que o espaço propõe às crianças. Se a escola tem sido utilizada como mecanismo de normalização, o parque também se engloba, com práticas de restrição, falta de mediação e de legitimidade desse momento.

Ainda que os professores de Educação Infantil sejam denominados “polivalentes”, por terem uma formação mais generalista, no que se refere às diversas áreas de conhecimento, e não trabalharem com a obrigatoriedade de um planejamento dividido por disciplinas, nem sempre as áreas de conhecimentos dialogam e atravessam umas às outras, trazendo o conhecimento na sua totalidade. Na concordância desse retrato, apesar das práticas disciplinadoras voltadas para o corpo nas mais diferentes situações escolares, faz-se necessário pensar as práticas corporais na Educação Infantil também do ponto de vista de uma rica experiência, produtora de muitos conhecimentos a serem partilhados.

Questionar essas funções e prioridades não significa abrir mão de responsabilidades e necessidades das crianças, mas sim questionar seu quadro atual para termos de fato uma educação de qualidade (MACEDO, 2010).

Acreditando que outra configuração das relações sociais é essencial no atual contexto mundial, nas características da sociedade contemporânea, e entendendo a escola como espaço de conflito entre a mudança e a manutenção, bem como a necessidade de novos olhares para as práticas culturais, especialmente as corporais, fica evidente a reflexão quanto aos encaminhamentos da função escolar. Assim como afirma Sayão (2002), a construção e reconstrução dos aspectos que norteiam a cultura corporal são muito relevantes. Possíveis atravessamentos podem ser encontrados nessas discussões, quando são propostas, por exemplo, formulações que tragam a cultura no centro da ação, como os currículos culturais.

Essa ação pode se dar pela valorização das diversas linguagens, manifestações artísticas e maior liberdade para a brincadeira, pensando estratégias que tragam elementos da cultura corporal invisíveis no contexto, valorizando a perspectiva educacional da cultura como centro das relações. Na Educação Infantil, esse processo é ainda mais específico, em razão das necessidades e características da faixa etária, ainda que os valores colocados em xeque sejam os mesmos já mencionados.

Vale lembrar a ausência de estudos sobre o currículo multicultural na Educação Infantil, o que é uma discussão relativamente nova. Na busca de uma unidade de valores, porém com respeito a essas especificidades, todo o contexto de vivência das crianças precisa ser aproximado, em parceria com a família, com a comunidade e com as teorias mais próximas das necessidades e dos interesses das crianças.

Apesar de não ter documentado um currículo rígido com conhecimentos obrigatórios a serem trabalhados, existem documentos, analisados mais à frente, que trazem referenciais para as áreas de conhecimento nesta faixa etária e que enfatizam a questão da formação de identidade. Trazer esse olhar diverso e multicultural na primeira infância pode contribuir para a quebra de preconceitos e paradigmas, por tratar da questão quando os principais valores individuais e humanistas começam a se firmar. Já na Educação Infantil, os grupos se deparam com conflitos de valores, religiosos, de gênero, status social, dentre outras, e essas tensões necessitam de visualização e debate.

Nas diversas áreas do currículo, as várias linguagens de expressão da criança precisam ser contempladas. O corpo deve ser visto como uma delas e ser potencializado como um portador de significados e não como um instrumento de disciplina e reprodução a ser moldado. Para tanto, o espaço para a brincadeira e o jogo simbólico deve ser garantido, bem como o de manifestações esportivas, teatrais e artísticas, com base num olhar menos rigoroso da corporeidade, no que se refere à disciplina.