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2 CORPO, CULTURA E ESCOLA

5.3 O Projeto de Formação com as Professoras

5.3.1 O trabalho de formação em parceria

A realização de um projeto de formação coletivo implica e promove debates, ações conjuntas, compartilhamento de experiências que podem ou não gerar a formação de um

grupo, no sentido de elos e ações verdadeiramente partilhadas. Tal aproximação nas relações

pode ou não criar vínculos, diminuir o individualismo dentro da escola, abrir espaços de troca e auxílio, enfim reverberar para outras instâncias além do espaço de formação. É, prioritariamente, uma experiência.

Para alguns autores, quando isso acontece, há muitos benefícios para o desenvolvimento profissional do professor e, consequentemente, para todo o contexto escolar.

As investigações apontam o papel dos próprios professores como formadores de seus pares. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009).

Neste projeto, essa não foi a perspectiva adotada, mas o princípio de apoio profissional mútuo foi um elemento norteador do trabalho formativo. Por meio da discussão sobre as práticas corporais e o parque, objetivava-se ainda que as professoras pudessem explorar a teoria, planejar e arriscar-se na prática e receberem um feedback legítimo de imediato.

Parente (apud ZABALZA, 1998) salienta a diferença de qualidade de observação entre parcerias e a observação individual. Segundo ela, a observação tem suas próprias especificidades e deve ter sua concepção construída de acordo com os valores do projeto político pedagógico, de modo a tornar essa construção mais legítima e rigorosa ao ser debatida e compartilhada.

Ao relatar as experiências educacionais da cidade italiana Reggio Emilia11, Gandini (1999, p. 81) enfatiza a importância do que chama de coensino, que representa para ele o rompimento da solidão e do isolamento profissional, apesar das dificuldades:

Recordo, entretanto, que o arquétipo de um professor em cada classe estava tão vigorosamente enraizado, quando iniciamos o trabalho, que nossa proposta de pares de educadores na sala de aula, o que deveria ter vindo como uma diminuição bem- vinda do estresse excessivo, não encontrou inicialmente uma fácil aceitação entre os professores. Aqueles que aceitaram a ideia, contudo, logo descobriram as vantagens evidentes, e isso eliminou a incerteza. O trabalho em pares, e então entre os pares, produziu tremendas vantagens, tanto em termos educacionais quanto psicológicos, tanto para os adultos quanto para as crianças.

Essas vantagens foram logo percebidas pelas professoras da EMEI, e a formação em parceria não foi problemática para as professoras Sandra e Sônia. Acredita-se que tenha sido mais natural, em razão da convivência de ambas há bastante tempo na unidade. A relação profissional positiva pode ter contribuído para a adesão do processo partilhado de formação.

De qualquer forma, foi possível observar que as parcerias de trabalho fazem parte da cultura organizacional daquela unidade. Como alguns momentos da “linha do tempo” são pensados para duas turmas concomitantemente (parque, pátio, refeição), as professoras estão acostumadas a trabalharem em dupla. Nas palavras delas, “é bom ter alguém para dividir, para trocar, para dar opinião, até para discutir porque é um olhar de quem está fora da situação, mas situado na realidade...”.

11 Reggio Emilia é uma cidade localizada no norte da Itália, que conta com um conjunto de escolas para a Educação Infantil caracterizadas pela inovação pedagógica e administrativa.

Entretanto, quando as relações entre os professores estão sob uma observação mais próxima, pode-se questionar o que é chamado de parceria. Durante a observação das práticas, notei que há uma variação de postura no trabalho em parceria, e que é necessário avaliá-los separadamente.

Nos horários de PEA e atividade coletiva, por exemplo, as professoras procuravam dividir igualmente as tarefas, auxiliavam-se quando necessário, inclusive no preparo de atividades, registros e partilhavam modelos de aulas, atividades, sugestões de projetos, etc. A coordenadora pedagógica também tinha o costume de promover momentos de troca, como nomeava, em que apresentava trabalhos, projetos, ou modelos de procedimento (como relatórios escritos, por exemplo), desenvolvidos pelas colegas da unidade.

Mesmo com esses modelos de troca e cooperação, não se observava nenhum trabalho de fato construído em parceria, com decisões importantes partilhadas e abertura ao debate, reflexão conjunta ou construção de documentação pedagógica. Segundo Hargreaves (2001, p. 217): “Culturas de colaboração são incompatíveis com sistemas escolares nos quais as decisões sobre o currículo e a avaliação são fortemente centralizados”; portanto, esses aspectos precisariam ser levados também em consideração, para que todos os elementos de interferência no processo pudessem ser compartilhados.

Para o desafio de um verdadeiro projeto de formação em pares, todas as etapas foram realizadas pelas professoras juntas: estudo teórico, entrevistas, registros escritos, construção da proposta que foi vivenciada com o grupo de crianças, desenvolvimento, observação e registros dessas práticas, e a avaliação de todo o percurso.

As professoras envolvidas debatiam opiniões e negociavam possibilidades que fossem coesas com a teoria estudada. Durante os encontros, procurava-se fazer com que as divergências enriquecessem as conversas e argumentações, tornando-se elementos para novas reflexões e para o aprimoramento da construção. Tal ponto apareceu em nosso encontro final de avaliação, na primeira semana de dezembro de 2011, na fala da professora Sônia:

E uma coisa que vale a pena falar e que não é pra elogiar nem nada é que a Natália conduziu muito bem a discussão. Você é professora como nós e ao invés de fazer as coisas de cima, de trazer uma verdade, você questiona, argumenta e depois abre as possibilidades para a melhora. E respeitou muito o jeito de cada um, a cultura que já tínhamos aqui. Aprendemos muito, veio tudo com muita delicadeza e mostrando que era realmente possível de fazer e ficamos muito à vontade. Foi muito bom ver que a gente não precisa pensar só no nosso grupo, o quanto esta troca é rica, eu achei que trabalhar assim em trio, porque na verdade você também ficou com a gente o tempo todo, muito interessante. (informação verbal, dez. 2011)

Um dos reflexos dessa formação pode ser acompanhado na análise da proposta realizada no próprio parque com as crianças e nas mudanças de conduta das professoras em relação às práticas corporais e, ainda que timidamente, em relação à documentação, ambas presentes nas análises de todo o contexto.