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1.1 Mobilidades: Definindo o Conceito

1.1.2 Cultura da Mobilidade e as Transições no Jornalismo

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“If the internet is the medium of media, the cellphone has done one better than the internet and is becoming the medium of media on the move”. (LEVINSON, 2004, p. 106, tradução nossa).

Na seção anterior observamos que mobilidade se trata não apenas de movimento físico, mas também do movimento de informações, do fluxo de culturas e do contato com o outro, com o diferente do habitual. Destarte, entendemos que o jornalismo sempre esteve diretamente ligado à mobilidade.

Desde as primeiras práticas relacionadas a levar notícias aos cidadãos através de placas afixadas com informações do império romano, a intenção era, apesar da imobilidade do suporte, permitir a comunicação sem a necessidade de emissor e receptor estarem juntos fisicamente e, assim, gerar mobilidade pela desterritorialização alcançada através do pensamento (DELEUZE; GUATTARI, 1995).

O movimento do jornalismo está diretamente relacionado à mescla de culturas de diferentes sociedades, que, como prega o conceito de nomadismo, redescobrem-se no contato com o diferente. A mobilidade de notícias, por aproximar culturas, pode ser considerada um impulso externo para tirar povos da inércia causada pelo isolamento. Um corpo em repouso tende a permanecer em repouso… uma sociedade inerte tende a permanecer assim até que uma força externa a tire dessa condição. O aumento de fluxo informacional causado pela propagação do jornalismo foi uma das forças que deram movimento a sociedades menos fluidas por causa de seu isolamento24. Se hoje vivemos em fluidez líquida por causa do fluxo de informações e conteúdos (BAUMAN, 2001), o instinto de desenvolvimento do jornalismo através do movimento foi parte irrefutável para fluidificar sociedades através dos séculos.

Portanto, a evolução de técnicas e tecnologias de profusão de informação foi primordial para a caminhada do homem rumo a ser o nômade do século XXI (MAFFESOLI, 2001; URRY, 2000). Na década de 20 do século XX o rádio surge permitindo não só a disseminação de informação em tempo real, mas também o consumo. O telégrafo transmitia informação em tempo real, mas para uma redação; o público só teria acesso à informação após a publicação do jornal. Agora o público também poderia se informar em tempo real. Mais adiante surge a TV também oferecendo conteúdo em tempo real com o adicional de imagens em movimento. Nesse ínterim o telégrafo foi substituído pelo telefone, que atuou por muito tempo como apoio para outras mídias em transmissões, em tempo real ou não.

Como o fez diante dos grandes impactos gerados na sociedade pelo surgimento de novas tecnologias, o jornalismo se moldou aos novos paradigmas da comunicação surgidos

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Até o século XIX a divulgação de notícias era feita com inevitável delay, visto que era necessário esperar que os relatos chegassem de uma viagem feita a cavalo ou navio. Esperava-se dias, semanas ou até meses para receber algumas notícias. Em 1844, o telégrafo surgiu para revolucionar o mundo. A invenção de Morse tornou possível comunicar-se de forma instantânea através de grandes distâncias. A partir de então o mundo passou a ter um fluxo informacional como jamais fora visto. A rede de conexões entre povos aumentou de forma considerável e a velocidade com que as informações trafegavam passou a ter o ritmo da vida cotidiana.

com as redes telemáticas e logo se fez presente na internet, surgindo o que aqui chamamos de jornalismo digital. Esse jornalismo, também chamado de webjornalismo, ciberjornalismo jornalismo eletrônico e jornalismo online (entre outras nomenclaturas), é, segundo Canavilhas (2014), composto por sete características, a saber: instantaneidade [publicar, consumir e distribuir conteúdo em tempo real (BRADSHAW, 2014)]; interatividade [contato, participação e produção de conteúdo por parte de usuários (ROST, 2014)]; memória [resgate de conteúdos através de acessos assíncronos a bases de dados (PALÁCIOS, 2014)]; hipertextualidade [possibilidade de conectar diversas camadas de conteúdos entre si através de

hiperlinks (CANAVILHAS, 2014)]; multimidialidade [multiplataforma, polivalente e que

congrega várias linguagens (SALAVERRIA, 2014a)]; personalização [oferecer conteúdos de acordo com preferências e necessidades do usuário (LORENZ, 2014)]; e ubiquidade [condição de acesso aos conteúdos a qualquer momento, de qualquer lugar (PAVLIK, 2014)]. Essa categoria de jornalismo, por seu caráter de convergência tecnológica, passa a ofertar um conteúdo mais rico e complexo, fazendo com que as experiências de mobilidade informacional fiquem cada vez mais intensas e completas, intensificando mais uma vez o fluxo entre povos e culturas.

Não obstante a experiência de mobilidade informacional proporcionada pela internet, este continuava sendo um meio de acesso imóvel, que exigia a permanência em um local específico para vivenciá-lo. Somente com a chegada dos dispositivos móveis e em rede (smartphones, tablets e dispositivos vestíveis) foi possível atingir o que Lemos (2009) chama de mobilidade ampliada. O autor nos fala:

Já com as mídias de função pós-massiva, móveis e em rede, há possibilidades de consumo, mas também de produção e distribuição de informação. Aqui a mobilidade física não é um empecilho para a mobilidade informacional, muito pelo contrário. A segunda se alimenta da primeira. Com a atual fase dos computadores ubíquos, portáteis e móveis, estamos em meio a uma “mobilidade ampliada” que potencializa as dimensões física e informacional. (LEMOS, 2009, p. 35).

Na mobilidade ampliada tem-se total liberdade de movimentos físico e uma liberdade informacional elevada ao infinito uma vez que a principal característica desses dispositivos é serem conectados à internet. O smartphone e outros dispositivos móveis como tablets vieram a suprir a limitada mobilidade informacional dos primeiros modelos de celular e a falta de mobilidade física da tradicional internet utilizada através de computadores domésticos e

passaram a também assimilá-la. Com o jornalismo não foi diferente. Surgia, então, o jornalismo móvel.

CAPÍTULO 2

JORNALISMO MÓVEL

Refletir sobre o jornalismo contemporâneo requer, em alguns momentos, voltar as atenções aos estudos do jornalismo móvel e da mobilidade como paradigma vigente da sociedade atual. É preciso entender como a prática jornalística vem se desenvolvendo em tempos de dispositivos digitais móveis ubíquos e miniaturizados, amplamente acessíveis aos

media e ao público. A forma de se fazer e de se consumir conteúdos jornalísticos mudou.

Todavia, o grande desafio das empresas de mídia não é compreender que houve mudança, mas sim de que continuam ocorrendo mudanças a todo instante e de que as transformações são estruturais.

O jornalismo, em sua condição móvel, reflete a mobilidade conectada ao conceito de nomadismo defendido por Maffesoli (2001), no tocante a uma constante e incessante busca por movimento, característica basilar do homem ainda mais aflorada na pós-modernidade, que veio a relativizar os pensamentos e costumes da sociedade industrial moderna de padrões sociais consolidados. Tal relativização culmina em mudanças em diversos segmentos da sociedade, incluindo a comunicação e o jornalismo, que nos dizem respeito nesta dissertação.

Buscaremos compreender como essa mobilidade chegou ao seu auge na prática jornalística, que passou a poder ser realizada em todas suas etapas e consumida em condições de movimento a partir da grande expansão dos dispositivos móveis, principalmente o telefone

smartphone, grande pivô dessa era, propiciando o surgimento da ideia de jornalismo móvel25.

O entendimento de Silva (2014) sobre jornalismo móvel como a prática jornalística em condições de mobilidade através das tecnologias móveis digitais e conexões sem fio tanto na instância de produção como na de consumo complementa entendimentos iniciais de alguns autores sobre o conceito, como Quinn (2014), que entendem o jornalismo móvel como a utilização de tecnologias móveis para o processo de produção jornalística e para transmissão em tempo real, não considerando o consumo de conteúdo jornalístico em mobilidade. Desse modo, refletir e discutir sobre o jornalismo praticado em tempos de cultura da mobilidade (LEMOS, 2009), que passa a permear o cotidiano e se impor como verdadeiro paradigma nos centros urbanos, exige buscar entender a participação dos dispositivos móveis digitais na rotina produtiva dos jornalísticas e das organizações midiáticas.

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