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Cultura e Poder

No documento Download/Open (páginas 50-53)

Nídia de Sá, sempre que se apresenta, diz “sou mãe de surda, psicóloga, mestre e doutora em Educação, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, coordenadora do Espaço Universitário de Estudos Surdos (EU-SURDO)”. O próprio ato de, primeiramente, se apresentar como “mãe de um Surdo” já aponta o lugar de onde fala. Em seu discurso, com base forte nos estudos culturais, também defende uma perspectiva multicultural do sujeito.

Os estudos realizados por Sá (2006) convergem com os estudos de Skliar (1998) ao falar sobre a importância dos elementos culturais e como se constituem mediadores simbólicos que tornam possível a vida em comum em determinada sociedade. Para a autora, as culturas minoritárias comumente convivem com os códigos da cultura que se considera dominante e pretensamente normalizadoras. Conforme explica, um dos efeitos decorrentes do discurso destinado às culturas minoritárias é uma consequente normalização do Surdo. Para ser normal, o surdo deveria falar e ouvir, sentido esse que, para o surdo, seria praticamente inalcançável.

Para Sá (2006), o surdo sempre esteve em situação de desvantagem em relação ao ouvinte, e só a partir do momento que começaram a considerar conceitos como o de Multiculturalismo, já apresentados nos estudos de Moura (2000), essa

visão foi alterada. Nos estudos desta autora, o multiculturalismo é entendido como formas de constituição de subjetividades que auxiliam na determinação e organização de grupos. Desse modo, Sá (2006) explica que numa mesma sociedade existem várias culturas imbricadas umas nas outras, gerando a necessidade de se considerar um “multiculturalismo”, principalmente nas ações educacionais.

A cultura surda é socialmente construída como uma subcultura, e o objetivo socialmente valorizado passa a ser: tornar os surdos “aceitáveis” para a sociedade dos que ouvem, por isto muitos precisam ser “ferrenhos” ao oferecer resistência à negação de suas identidades. A oposição a esse tipo de pensamento, comumente, não é aceita de forma positiva (SÁ, 2006). A autora ainda destaca que os Surdos são levados a preterir os marcos de sua cultura em troca dos marcos superiores da cultura do outro ouvinte. Para isso, levam em consideração o número, ou seja, o critério quantitativo de que há uma maioria ouvinte, apreciação frequentemente usada para explicar a hegemonia que os ouvintes pretendem exercer sobre os Surdos.

De fato, a surdez geralmente é tida como limitação, e o espaço do convívio cultural e comunitário dos Surdos não é valorizado como um “ambiente social”. Segundo Wrigley (1996, p. 35), os Surdos “[...] podem espelhar certos aspectos da cultura dominante que os circunda, mas também possuem raízes epistemológicas pelas quais esses aspectos foram legitimamente ‘declarados’ ou ‘compreendidos’ dentro da experiência nativa dos Surdos”.

Isto quer dizer que os Surdos não são seres à parte da sociedade onde estão, eles se constituem também nas relações que estabelecem nela. Portanto, a questão está no fato de que suas experiências são vivenciadas na ótica e na maneira que o Surdo lê e vivencia o mundo. Eles podem ser caracterizados como diferentes, mas jamais como “desiguais”.

É de extrema importância estabelecer a diferença entre as noções de diversidade e de diferença. A noção de diversidade ‘cria um falso consenso, uma idéia de que a normalidade hospeda os diversos, porém mascara normas etnocêntricas e serve para conter a diferença’. (SKLIAR, 1998, p. 13).

Reconhecê-los como diferentes é importante, mas tratá-los como desiguais é inaceitável. Um padrão de normalidade só traria a esses Surdos sua descaracterização e, por conseguinte, sua inferiorização. A surdez é uma diferença e,

portanto, “[...] uma construção histórica e social, efeito de conflitos sociais, ancorada em práticas de significação e de representações compartilhadas entre os Surdos” (SKLIAR, 1998, p. 13).

Sá (2006) reitera que, mesmo não tendo características que sejam definidoras de raça ou de nação, a cultura surda acaba por representar e caracterizar os Surdos. Pertencer a uma comunidade, como a surda, dá possibilidade a esses sujeitos de se constituir socialmente, pois a Língua de Sinais é primordial e, nesse momento, passa a ser o passaporte de entrada para essa população. Neste aspecto, a autora fez suas as palavras de Wrigley (1996, p. 14) ao afirmar sobre a importância do uso da Língua de Sinais como “[...] a característica que define a auto identidade como pertencente a uma minoria linguística ou étnica é ter e usar sua própria língua”.

No decorrer dos seus estudos, Sá (2006) lembra quanto é trágico o não reconhecimento da Língua de Sinais como um direito da comunidade surda. Para exemplificar, menciona o congresso de Milão que, em 1880, trouxe consequências drásticas à comunidade. Estudiosos apresentaram neste evento os resultados de suas pesquisas que provavam que o Surdo não tinha problemas em seu aparelho fonador, ou seja, eles poderiam falar. Essa descoberta anularia por completo a possibilidade de uso da Língua de Sinais como forma de comunicação, pois, como se imaginou na época, esta atrapalharia o processo de aquisição da língua oral.

Conforme exposto anteriormente, a proibição do uso da Língua Gestual e a oficialização do oralismo foi imediata. Tal mudança só veio reafirmar a dominação do ouvinte sobre o sujeito Surdo. Apresentavam a Língua Gestual como algo prejudicial e depositavam na aprendizagem da língua oral a única possibilidade real de “normalizar” o Surdo. Apesar da insistência em mantê-lo por longos cem anos, o método oralista não obteve sucesso.

Diríamos que historicamente ocorreu um verdadeiro ‘amordaçamento’ da Cultura Surda. Ou, caso consideremos que a palavra ‘amordaçar’ lembra ‘impedir a fala’, seria interessante dizer que houve uma ‘amarração’ da Cultura Surda, pois literalmente as mãos é que eram amarradas, para que não pudessem utilizar a língua natural que dá suporte ao mundo cognitivo dos Surdos. (SÁ, 2006, p. 10).

Desta forma, Sá (2006) utiliza seus estudos para reafirmar o valor da língua no processo de pertencimento deste sujeito em sociedade. Não permitir seu uso seria

tolher seu direito a uma língua específica que possibilite a sua participação numa comunidade surda, sendo que somente nela seria possível partilhar uma cultura que o represente na diferença.

No documento Download/Open (páginas 50-53)

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