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Narcisismo em Freud

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Se fosse definir, pura e simplesmente o termo, “Narcisismo” bastaria lembrar do mito grego, “Narciso”. Esse narra a história de um jovem amaldiçoado por conta do desprezo dado a uma ninfa, seu castigo foi apaixonar-se por sua própria imagem, refletida nas águas límpidas de uma fonte. Fascinado por aquele reflexo, perde a vida depois de incansavelmente tentar abraçar sua imagem.

Diferente do uso comum da palavra Narciso, com relação ao amor pela própria imagem, para psicanálise podemos afirmar que vai muito dessa definição. Ao definirmos o termo a luz das concepções freudianas falamos em uma tríade de conceitos, pois diz respeito a relação com a imagem, a um processo identificatório e ao investimento.

Esse termo só aparece nas reflexões de Freud a partir de 1910, como uma forma de explicar o amor do sujeito por si. Chemama (1995, p. 140) explica que Freud (1914) entende que como “[...] uma forma de investimento pulsional necessário à vida subjetiva, isto é, em vez de algo patológico, torna-se um dado estrutural do sujeito.”

Este autor ainda afirma que, somente a partir de 1914, Freud apresenta o narcisismo como um estágio de desenvolvimento subjetivo do sujeito. Estágio este importante para a construção do psiquismo pois “promove a constituição de uma

imagem de si unificada, perfeita, cumprida e inteira” (Houser, 2006, p. 33). Inclusive,

ao iniciar suas elaborações, fala sobre o Narcisismo como imagem, identificação e investimento.

Freud diz que o Narcismo, como um novo ato psíquico, que está situada entre autoerotismo e amor de objeto. Segundo ele, é nesse momento que o ser humano passa a descobrir seu corpo, conhecê-lo. A partir daí, existe um investimento permanente do sujeito sobre si mesmo, o que contribui significativamente para a sua dinâmica e participação nas pulsões do eu e nas pulsões da vida.

Chemama (1995) acrescenta que este narcisismo constitutivo do sujeito, que deriva do que Freud primeiro chama de autoerotismo, em geral, é recoberto por outra forma de narcisismo desde o momento em que a libido também acrescenta objetos externos ao sujeito. Pode então acontecer, de fato, que os investimentos objetais entrem em competição com o eu e, somente quando há um certo desinvestimento dos objetos e uma retirada da libido sobre o sujeito, que uma segunda forma de narcisismo será registrada.

De acordo com Garcia Rosa (1936) para Freud (1914/2006), o narcisismo também representa uma espécie subjetiva, relativamente frágil e facilmente ameaçada. Segundo ele, para pensar o Narcisismo Freud acrescenta duas ideias importantes, o eu ideal e o ideal do eu:

Sobre este eu ideal recai agora o amor de si mesmo que na infância gozou o eu real. O narcisismo aparece deslocado em direção a esse novo eu ideal que, como o infantil, encontra-se possuído de toda perfeição e valor. Aqui, como sempre ocorre no âmbito da libido, o homem mostrou-se incapaz de renunciar a satisfação de que gozou uma vez. [...] O que ele projeta diante de si mesmo como o seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era seu próprio ideal (p. 90-91).

Esse autor ainda explica que Freud (1914/2006) preferiria distinguir as duas formas de narcisismo mencionadas acima, classificando-as como "primárias" e "secundárias". Sendo que o Narcisismo primário é aquele em que o sujeito volta para o objeto toda sua libido, já o secundário o é voltada para o eu.

A libido retirada do mundo externo foi conduzida para o eu e assim surgiu uma atitude que podemos chamar narcisismo. Mas o delírio de grandeza não é uma criação nova, como sabemos, é a ampliação e o desdobramento de um estado que já existia antes. Isso nos leva a conceber o narcisismo que nasce da retirada dos investimentos objetais como um narcisismo secundário que se edifica sobre a base do outro, primário (Freud [1914] 2006, p. 72- 73).

Garcia-Roza (1936) discute sobre mobilidade da libido nos conceitos de narcisismo primário e narcisismo secundário. Fica claro, a oposição da libido do eu à libido objetal, ou seja, admitindo uma antítese entre as pulsões do eu e as pulsões sexuais. Essa opinião não deve ser compreendida como fases a serem substituídas uma pelas outras, mas complementares, pois não são estáticas.

De acordo com Garcia-Roza (1936), Freud destaca a posição dos pais na constituição do narcisismo primário dos filhos. Freud (1914) fala que o amor dos pais aos filhos é o narcisismo dos pais renascido e transformado em amor objetal. O

Narcisismo primário representaria de certa forma, uma espécie de onipotência que se cria no encontro entre o narcisismo nascente do bebê e o narcisismo renascente dos pais.

Com relação ao Narcisismo secundário Freud (1914) apresenta dois momentos: primeiro o investimento nos objetos; e depois esse investimento reforma para o seu (ego). Nesse momento o bebê já é capaz de diferenciar seu próprio corpo do mundo externo, ele identifica suas necessidades e quem ou o que as satisfaz. É nesse momento que o investimento passa da satisfação dos desejos por seu corpo para um investimento objetal como, por exemplo, o seio da mãe.

Segundo as reflexões freudianas com o tempo, a criança compreende que ela não é o único desejo da mãe, que ela não é tudo para ela. A partir daí, segundo Freud (1914), a formação de um ideal aumenta as exigências do ego, constituindo o que ele chama ideal do eu (ego). Sendo assim, a partir desse momento, só é possível conhecer-se através do outro.

Para o estudo é importante que essa discussão apareça, inclusive, para entendermos o peso que tem o investimento dos pais ouvintes com relação aos filhos surdos. Só com o amor objetal e o retorno que este investimento traz para esse sujeito é que somos capazes de entender como se dá o amor objetal. A escolha objetal narcísica é segundo Garcia-Roza (1936) um amar a si mesmo através de um semelhante, ou seja, o eu representa um reflexo do objeto.

Com base na teoria freudiana o desenvolvimento do ego versa sobre afastamento do narcisismo primário e dá lugar a uma tentativa de recuperação desse estado do eu. Esse ocorre devido ao deslocamento da libido em direção a um ideal do ego infligida de fora para dentro, sendo esta satisfação incitada pela realização desse ideal.

Para finalizar, vale lembrar que para Laplanche e Pontalis (1995) o narcisismo é um estado normal e da evolução psicossexual do ser humano não deve ser tomado apenas como um problema, pelo contrário, ele é necessário a todo ser humano. Na medida correta, todo ser humano precisa amar a si mesmo para não se ver a mercê de qualquer pessoa.

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