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Quando se fala em identidade do indivíduo, ela “é um processo, não um facto ou uma

estrutura (…) um projeto coletivo ou individual, conforme estejamos a falar de identidades sociais e culturais ou pessoais” ” (Vieira, 2011, p.39).

Quando se fala nas componentes da identidade e se proponha analisar cada uma em si, há que ter presente que elas estão interligadas e que cada uma influencia as outras. Quando um estudante realiza um intercâmbio de um ano a sua identidade nas componentes pessoal, social e cultural e intercultural, incorpora elementos da cultura de acolhimento. Esta tem de ser vista não como uma sociedade com as suas características próprias, mas pertencendo também a uma sociedade nodal, global, pois os indivíduos, neste caso os estudantes envolvidos, não ficam isolados no “novo mundo”.

Na atualidade, onde a globalização é um facto, onde há uma estreita interação entre fatores económicos e culturais, numa escala mundial, a mobilidade de pessoas e uma forte dinâmica na produção, circulação e consumo de bens, materiais e simbólicos, produz, neste processo, pluriculturalismo, identidades novas e transculturais. O consumismo global de bens culturais, as comunicações levam o indivíduo a sujeitar-se a contrastes culturais, originando metamorfoses culturais nos projetos individuais (Vieira, 2011, p.49). Aquilo que estava longe no espaço e no tempo, agora devido a uma sociedade atual global, nodal, passou a estar não tão distante, e diferentes culturas, modos de vida, religiões, ideias, são agora partilhadas, produzindo, inevitavelmente, uma forte diversificação no processo de construção identitária.

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Perante estas transformações as identidades pessoais mudam, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. “Esta perda de um "sentido de si" estável é

chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento—descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos — constitui uma "crise de identidade" para o indivíduo.” (Hall, 2006, p.9)

Esta crise de identidade surge do deslocamento da conceção de identidade. Seguindo Hall (2006), anteriormente, numa concepção iluminista, o indivíduo era dotado das capacidades de razão, sendo o centro essencial do “eu”. Posteriormente, na conceção sociológica, a identidade do sujeito resulta da interação de valores, sentidos, símbolos e cultura dos mundos habitados pelo sujeito. A identidade, nesta concepção, é relacional, “costura (...) o sujeito à

estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis” (HALL, 2006, p.12).

Na globalização esta ideia de identidade unificada e estável desapareceu, aparecendo como uma composição de várias identidades, algumas vezes contraditórias, criando uma identidade compósita. “Identidade torna-se uma celebração móvel; formada e transformada

continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1989. p.226). É definida historicamente, não biologicamente” (Hall, 2006, p.13).

Perante esta situação uma questão que surge nesta discussão é: Somos possuidores de uma identidade ou de várias identidades? Segundo Maalouf (2009), cada indivíduo possui uma identidade composta de muitas afiliações e pertenças, numa “dosagem”que o faz ser único. Maalouf (2009, p.27); “quanto mais numerosas as pertenças que tenho em conta, mais

específica se revela a minha identidade”. Na verdade, existe em cada um uma enorme

variedade de identidades (um estudante do intercâmbio será, por exemplo, português, mulher, budista, lisboeta, músico, classe média, …). Por isso, alguns autores diferenciam identidades individuais de identidades culturais/sociais e, portanto, coletivas.

4.1. Identidade pessoal, social e cultural

“Há uma multiplicidade de identidades em cada um de nós, e também em cada um de “nós” coletivo, (…), o eu intercultural forjado entre o nós e o outro (…), numa construção duma identidade pessoal a partir da alteridade” (Serres, 1993, cit por Vieira, 1996, cap 2, p.12). No

mesmo sentido Cuche (1999, p.182,183), afirma que “a identidade é uma construção que se

elabora em uma relação que opõe um grupo aos outros grupos com os quais está em contato”.

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identidade existe sempre em relação a uma outra. Ou seja, identidade e alteridade são ligadas e estão em uma relação dialética. A identificação acompanha a diferenciação”

Neste sentido “A identidade liga-se à percepção de cada indivíduo tem de si próprio, isto é,

da sua própria consciência de existir enquanto pessoa em relação com outros indivíduos, com os quais forma um grupo social (a família, as associações, a sua própria nação, etc.” (Perotti,

2003, p.48). A identidade pessoal revela-se, pois, um fenómeno complexo e multidimensional, com diferentes significações.

Se o conceito de identidade pessoal nos remete para um conjunto relativamente estável de aspectos de um indivíduo que o distingue dos outros e o tornam único, também nos remete para um conjunto de padrões que são diferenciadores (comportamentos, pensamentos, atitudes…), tudo integrado numa unidade coerente.

Tomaz Silva (2005) nota que quando se diz "sou português”,, embora pareça uma afirmação auto-suficiente ela só o é porque há pessoas que não são portuguesas. Na realidade a nossa identidade afirma-se na alteridade.

Neste sentido, a identidade pessoal não se estabelece de forma isolada, mas em sociedade, de forma relacional. Assim, surge a identidade social, que evidencia o efeito das diversas interações entre o indivíduo e seu ambiente social. Ela “caracteriza-se pelo conjunto

de suas vinculações em um sistema social: vinculação a uma classe sexual, a uma classe de idade, a uma classe social, a uma nação, etc. A identidade permite que o indivíduo se localize em um sistema social e seja localizado socialmente” (Cuche, 1999, p.177). Segundo Vieira

(1996) cada indivíduo constrói a sua identidade social pelo facto de pertencer a determinados grupos e do “significado emocional e avaliativo” que isso reveste. Mas, por sua vez, o grupo é dotado de uma identidade que o leva a comparar-se com outros, numa categorização em função do seu próprio grupo.

Nesta perspetiva, e ainda segundo Cuche (1999), a identidade cultural é um dos componentes da identidade social, ao categorizar a distinção entre nós e eles, baseada na diferença cultural, na diferença de atitudes, códigos.

Embora historicamente a identidade cultural tenha evoluído de algo “herdado”, ora ligado a uma etno-cultura, ora ligado a características base comuns (religião, língua, território), na realidade as duas perspectivas assentavam no pressuposto da existência de critérios determinantes, preexistentes ao indivíduo (Cuche, 1999).

Posteriormente foi posta em causa essa preexistência e a identidade seria um sentimento de vinculação a um coletivo imaginado, onde o importante são as representações que os indivíduos fazem da realidade social, portanto subjetivas.

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Mas “se a identidade é uma construção social e não um dado, se ela é do âmbito da

representação, isto não significa que ela seja uma ilusão que dependeria da subjetividade dos agentes sociais. A construção da identidade se faz no interior de contextos sociais que determinam a posição dos agentes e por isso mesmo orientam suas representações e suas escolhas.” (Cuche, 1999, p. 182).

Nas sociedades modernas a identidade cultural dum indivíduo, como sentimento de vinculação a um coletivo, tem tido como uma das principais fontes a identidade nacional (Hall, 2006, p.47). Numa sociedade global, nodal, em que as interações são já constituitivas da sociedade, a identidade nacional aparece como uma representação, como a participação do indivíduo numa ideia de nação, além de uma comunhão de património, língua, religião.

Como diz Gellner (cit por Hall, 2006, p.48) “Ter uma nação não é um atributo inerente da

humanidade, mas aparece, agora, como tal”.

Quando um estudante norte americano deste programa estava em casa duma família de acolhimento portuguesa, no decurso da sua estadia, em dado momento resolveu mostrar o seu livro de final de ano à sua família. Referindo este ou aquele colega que estava numa fotografia, apontou um deles como sendo o seu melhor amigo. O pai de acolhimento , observou e comentou: “ah, ele é chinês!”, ao que o estudante muito admirado respondeu: “não! Ele é americano!”.

É evidente que o pai sabia que o amigo dele era americano; quando referiu “chinês” referia-se ao conceito de etnicidade. Esta pequena situação ilustra a diferença de representação de nacionalidade do pai de acolhimento, em que a etnicidade está associada ao conceito de “ser português” e a ausência desta componente no conceito de “ser americano” do estudante a fazer o programa.

Assim, “a identidade nacional é uma comunidade imaginada”, como diz Benedict Anderson (cit por Hall, 2006, p. 51) e uma das fontes constituintes da identidade cultural.

Mas, numa sociedade global, nodal, em que o tempo e a distância se alteraram com a comunicação, em que património, valores, códigos, mitos, atravessam as fronteiras e passaram a ser partilhados e a fazerem parte da identidade social de indivíduos de várias nações, como é que essa conceção de identidade que a reduz a uma única pertença, não se torna uma identidade “assassina”, nas palavras de Maalouf (2009, p.41)?

Como diz ainda Maalouf (2009, p.33) a identidade tem que ser entendida como não sendo inteira e definitiva; ela constrói-se e transforma-se ao longo da nossa existência.

Se há uma multiplicidade de identidades em cada um de nós, elas interligam-se e interagem, criando uma identidade em permanente reconstrução, fruto duma herança “vertical”, que nos vem dos nossos antepassados, das tradições do nosso povo, da

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comunidade religiosa, e duma herança “horizontal”, que vem da nossa época, dos nossos contemporâneos (Maalouf, 2009, p.114). Essa herança “vertical”, que tanto reclamamos, e a “horizontal”, que tanto nos influencia, por vezes sem nos apercebermos, cria uma identidade que não é uma justaposição de pertenças autónomas, um “pathwork” (fazer um tecido a partir de peças distintas), mas é um desenho sobre uma pele esticada; se se tocar numa só das pertenças, é toda a pessoa que vibra (Maalouf, 2009, p. 36). Essa identidade cultural e social, emergente de processos interativos que os indivíduos experimentam na sua realidade quotidiana, adquire um carácter mais que transcultural, intercultural, já que é uma identidade que vai incorporando novos elementos, não apenas por justaposição, e criando uma identidade intercultural.