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1. Percurso do Trabalho

2.1. Opções metodológicas

Quando se opta por uma metodologia numa pesquisa ela depende do objeto em estudo, da sua natureza, da dimensão e dos objetivos de quem faz a pesquisa. Em geral, segundo Quivy e Campenhoudt (1992, p.41), a intenção de quem pesquisa em ciências sociais não é só descrever, mas compreender os fenómenos e, para tanto, torna-se necessário recolher dados que mostrem o fenómeno de forma inteligível.

Neste estudo o objetivo é compreender como é que indivíduos sujeitos a um processo de aculturação, à imersão cultural noutra cultura, em condições muito particulares, olham para as duas culturas, a sua de origem e a de acolhimento, e olham para as modificações que pensam que tiveram, como mudaram as suas identidades.

A abordagem desta problemática foi feita com um carácter exploratório, já que, embora haja estudos sobre a mobilidade de “sojourners” (turistas, estudantes internacionais, trabalhadores internacionais, trabalhadores expatriados, emigrantes, militares) nos seus vários grupos, relativamente aos estudantes internacionais o foco tem sido dado a estudantes universitários, além de que muitos são quantitativos. Por outro lado, este estudo assume algumas características muito particulares, em relação ao grupo dos estudantes internacionais: são estudantes adolescentes (com idades inferiores a 18 anos na partida); sendo um programa escolar o sucesso académico não é a primeira prioridade motivacional; há uma imersão profunda numa família de acolhimento (que não é remunerada) durante um ano escolar. Além destes aspetos este programa difere claramente dos programas de intercâmbios com adolescentes, organizados, os quais são de curta duração.

Neste estudo procura-se ter "maior familiaridade com o problema, torná-lo mais

explícito” (Gil, 1989, p.44), e investigar de forma mais completa um contexto particular da vida

destes estudantes (Sampieri, 1991, p.70). Procura-se perceber nas situações particulares analisadas, como elas se relacionam com conceitos sobre diversidade cultural e adaptação cultural e perceber como as suas diversas identidades foram sendo reconstruídas. Procura-se, a partir de situações particulares, analisar a sua particularidade, sem perder de vista o geral, ou, usando uma metáfora, “estudar alguns aspectos destas árvores, sem esquecer a floresta em que estão”.

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Neste trabalho, quer pelo número de elementos envolvidos quer pelo objectivo do estudo optou-se por uma abordagem qualitativa, uma vez que não se pretende, a partir da recolha dos dados fazer medições, tirar conclusões quantificadas ou fazer generalizações.

Na metodologia qualitativa procura-se fazer uma análise compreensiva da informação obtida.

Para Bogdan e Biklen (1994, p.47), a metodologia qualitativa tem cinco características, que variam na sua existência e intensidade, consoante os casos estudados:

- A fonte directa de dados deste tipo de investigação é o ambiente natural, sendo o investigador o seu instrumento principal.

No estudo presente, pelas suas características de narrativa, em locais e em tempos diferentes, a postura assumida foi a do investigador ter um envolvimento em contextos semelhantes, vivência em situações similares e conhecer o enquadramento de todo o processo em que estes intercâmbios decorrem, tendo que aqui ter uma postura um pouco restitutiva, no sentido de “contar o que lhe foi contado”.

- Uma outra característica deste tipo de investigação é o facto de ser descritiva, recorrendo à palavra, não apresentando tabelas nem quadros quantificados.

Os dados obtidos na investigação foram-no na forma de narrativa/entrevista e foram analisados qualitativamente e não quantitativamente “respeitando, tanto quanto o possível, a

forma em que estes foram registados ou transcritos”. Bogdan e Biklen (1994)

- Uma terceira característica da investigação qualitativa é a de que se interessa mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos.

Na investigação realizada foram privilegiadas

o a forma como os estudantes “viram” o ambiente de acolhimento,

o a forma como “viram” o ambiente onde antes viviam, antes e depois de fazerem o programa

o aquilo que “acham que em si próprios” se modificou

- Ainda outra característica deste tipo de investigação é o facto dos investigadores tenderem a analisar os seus dados de forma indutiva. “Para um investigador qualitativo que

planeie elaborar uma teoria sobre o seu objecto de estudo, a direcção desta só se começa a estabelecer após a recolha dos dados e o passar de tempo com os sujeitos. (…) Está-se a construir um quadro que vai ganhando forma à medida que se recolhem e examinam as partes.” (Bogdan e Biklen 1994, p.50).

No estudo realizado esta característica ficou bem patente, pois à medida que recolhemos dados de inquirido para inquirido novos aspectos foram surgindo e um quadro de semelhanças

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e dissemelhanças foi surgindo, obrigando a colocar questões que antes não tinham sido equacionadas.

- A última característica deste tipo de investigação é que o significado é de importância vital na abordagem qualitativa.

Na investigação efectuada foi notório como os inquiridos reparavam em determinados acontecimentos e como os olhavam de forma diferente ou não, além de como se olhavam.

Porque é uma situação particular, a dos inquiridos deste estudo, que sofreram um processo de aculturação muito particular dentro dum quadro muito mais vasto (Sam, 2006, p.30), ela é não generalizável. Por outro lado, no quadro teórico atrás definido duma sociedade com diversidade cultural e constantes processos de aculturação, os intercâmbios internacionais na actualidade (e da AFS em particular, pelo número de jovens que movimenta, pela sua implantação a nível global, e pelo saber prático que acumula) têm cada vez mais de ser analisados no impacto que causam nos seus intervenientes diretos e indiretos nas especificidades em cada grupo, em cada região.

Embora sendo um estudo exploratório, pode colocar-se a questão do valor que se pode atribuir aos conhecimentos obtidos através desta investigação, qual a objectividade, a validade e a fidelidade da pesquisa, utilizando uma classificação de Lessard-Hébert (1994).

Neste estudo procurou-se ser objetivo, não por reduzir a interpretação de factos, que pela natureza do estudo tinha que existir, mas procurando deixar que o público alvo testemunhasse seguindo as suas memórias e associações, incorporando novos temas e indicadores que iam surgindo nas entrevistas, trabalhando numa situação em que se conhecia o contexto do tipo de experiência, fazendo questões em diferentes momentos que levavam a contextualizar e não apenas inquirir diretamente sobre os temas e repetir algumas situações para verificar se a informação obtida era coerente. Além disto todo o trabalho empírico norteou-se pelos conceitos teóricos sobre as temáticas abordadas.

2.2. Instrumentos

Segundo Lessard-Hérbet (1994), a investigação qualitativa pode socorrer-se de várias técnicas, que lhe permitirão recolher os dados necessários ao estudo. “Uma investigação pode

exigir técnicas tão díspares como o uso de entrevistas, a administração de questionários, a análise de conteúdo de documentos, a produção de ou o recurso a documentos áudio, vídeo ou fotográficos (…). A ênfase dada na utilização das diferentes técnicas é que não poderá ser a mesma.” (Silva, 2001).

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(1994), são definidos como documentos pessoais, ou seja, qualquer narrativa em primeira

pessoa que descreva acções, experiências e crenças do indivíduo.

As várias técnicas utilizadas foram o inquérito, ora forma oral (a entrevista) ora na forma escrita (o questionário), e a análise documental, neste estudo com menos ênfase.

Neste estudo foi usado principalmente o inquérito na forma de entrevista, complementado por questionários.

Considerando que a entrevista “consiste numa conversa intencional, geralmente entre

duas pessoas, (…), dirigida por uma delas com o objectivo de obter informações sobre a outra”

(Morgan, 1988, cit por Bogdan e Biklen, 1994, p.134), ela foi privilegiada, já que a taxa de resposta a uma primeira solicitação por narrativa escrita foi reduzida e a entrevista permite “recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito” (Bogdan e Biklen, 1994, p.134). Se se atentar ao quadro comparativo apresentado mais à frente no ponto 3, Apresentação de resultados, é visível que o mesmo facto originou diferentes apreciações, por exemplo, sobre a importância do vestir:

IS – Lá ligam menos; concorda que seja assim. Teve que se vestir como lá por engordar AB – Lá não ligam, são “desmazelados” e ela ficou. Mudou quando veio.

PJ – Vestiam-se de forma particular, muito diversa. Importante como expressão da personalidade

MM – Lá não ligam, não concorda; manteve lá o vestir de cá

Foi utilizada a entrevista semiestruturada, já que existiu sempre um guião, mas que foi adaptável e que não seguiu um modelo rígido, para permitir aprofundar questões, flexibilizar a ordem e aprofundamento das questões e poder existir adaptação ao entrevistado, às suas reacções ou ao contexto. Embora uma entrevista deste tipo requeira mais tempo que a estruturada, quer na sua realização quer no tratamento dos dados recolhidos, e coloque algumas questões sobre a fiabilidade dos elementos recolhidos, ela permite a identificação de novos caminhos para ver e compreender o tema a investigar, essencial num estudo deste tipo, e possibilita uma melhor percepção de mudanças ou diferenças individuais e uma maior individualização da comunicação. O facto do entrevistador ter experiência nos vários contextos em que se fazem estes intercâmbios AFS (ter sido família de acolhimento, ter acompanhado como conselheiro dezenas de estudantes, ter sido tutor em escola com estudantes, ser formador de voluntários), permitiu superar algumas das insuficiências associadas a este tipo de entrevista, já que é reconhecido que uma entrevista “ultrapassa os limites da técnica,

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dependendo em grande parte das qualidades e habilidades do entrevistador” (Ludke e André,

1980. p.36).

Não se optou por uma entrevista estruturada porque um guião rígido iria cercear completamente a evocação da memória, que no estudo era importante, embora na segunda entrevista se tenha seguido um modelo ainda misto mas mais estruturado.

Foram também utilizados questionários para recolha de dados, de dupla forma: para complementar dados em relação à primeira entrevista, para completar lacunas ou referências a indicadores que iam sendo referidos apenas por alguns dos entrevistados; para obter respostas a indicadores já categorizados, e que depois eram aprofundados em entrevista, se as respostas fossem consideradas demasiados concisas.

O objetivo foi, ao longo do percurso de obtenção de dados, seguir um caminho cada vez mais estruturado, com base nos dados adquiridos e indicadores identificados numa fase anterior, em que o questionário e a entrevista se complementavam.

Quanto a uma entrevista não estruturada, considerando o caráter exploratório, o tempo disponível e o número de entrevistas a realizar, ela não era adequada.

As entrevistas foram gravadas e depois transcritas e as narrativas e questionários foram feitos e respondidos por e-mail.

No início e antes de se iniciar cada entrevista, o entrevistador fez uma introdução a cada sujeito, explicando qual o objetivo e âmbito do trabalho, e a garantia de confidencialidade das identidades. Isto feito oralmente, num clima informal, dado o conhecimento institucional dos sujeitos pelo entrevistador (são todos voluntários da organização).