Capítulo 3 – Colaboração e compartilhamento
3.1 Parte 1 – Colaboração e compartilhamento na
3.1.3 Cultura livre – Um meio de emancipação
Notamos que há uma relação direta no que Lessig (2005) descreveu como um domínio público com o conceito de cultura livre. Melhor colocando, esse domí- nio público é uma condição estrutural para que possamos considerar a cultura de um povo livre. Julgamos relevante estudar as relações entre esse domínio público e uma noção de cultura livre como um meio de emancipação das ideias de um coletivo.
Lessig (2005) falou do conceito de cultura livre e disse que, de certa forma, as culturas em geral possuem algum nível de abertura, mas para que se possa con- siderar livre uma cultura, é necessário haver uma grande parte de seus principais aspectos livres a serem reconsiderados. Segundo o autor, valores estabelecidos ou conceitos que necessitem de prévia autorização para serem alterados acabam por caracterizar um nível de fechamento e. consequentemente, acabam por re- presentar menos essa cultura em questão, devido a fluidez inerente à formação cultural de uma sociedade.
Segundo Nunes (2010), o conceito de cultura livre surge da possibilidade pro- porcionada por avanços tecnológicos que permitiram digitalizar a obra. A autora ainda colocou que o texto eletrônico diminui o espaço que há entre o autor e o editor, no sentido de que há nesse contexto uma mistura de papéis diminuindo a relevância que possui essa camada mediadora de atravessadores que outrora esteve entre o autor e o público, sob a necessidade de distribuição de sua obra. A autora ainda colocou que, dessa forma, o autor se emanciparia desses meios que se apropriavam da obra para comercializá-la e normalmente ficar com a maior parte dos lucros.
Essas amarras definiram por muito tempo qual autor poderia publicar seu material. Naturalmente esse poder instituído à grande mídia limita até mesmo a escolha do assunto e gênero que o autor escolheu explorar, regidos pelo limite imposto por uma ordem econômica. Então em algum nível, podemos supor que a propriedade do copyright pode influenciar esse processo de criação e evocar uma relação de controle.
O Creative Commons forneceu uma ferramenta que permite ao autor renun- ciar quanto for possível (relativizado pela legislação específica de cada país) a propriedade de sua obra por meio de uma licença que abre o conteúdo para uso livre, para um domínio público. O dispositivo CC0 foi criado com o objetivo
de favorecer o surgimento de um hiperdocumento de domínio público, em que os direitos sobre determinada obra são tão livres quanto possível, até mesmo em relação a direitos comerciais, de distribuição e de recombinação de con- teúdos. O objetivo exposto é criar a oportunidade de publicações voltadas à cultura, à ciência e à educação tornarem-se de vasto alcance e por definição livres, autorizados pelo seu autor que abre mão das aspirações de receber re- muneração pelo eventual uso desse material e o libertando pelo bem coletivo (Fonte: Creative Commons).
Lessig (2005) falou das medidas políticas tomadas com participação direta das indústrias da cultura, motivadas pelo temor da capacidade ainda não men- surada das novas tecnologias de reconfigurar o modelo de produção e distri- buição empreendido por essas corporações por todo o século XX. Descreveu que esses atos proibitivos tornaram-se uma verdadeira “guerra” contra a pi- rataria, em medidas que prejudicariam diretamente a cultura livre. Não pode- mos deixar de identificar o que foi dito por Lessig, com as discussões sobre o projeto das leis que tramitam no congresso americano, em que, como citamos no primeiro capítulo, seu texto rezaria a criminalização pelo compartilhamento de produtos de pirataria e uma série de medidas rígidas que propunham limi- tações severas ao alcance das redes. O autor diagnosticou que a sobreposi- ção da necessidade de permissões, própria dos entraves burocráticos aos va- lores da cultura livre (caracterizada pela sua fluidez) exterminaria a inovação no seu ponto de surgimento, o desenvolvimento das ideias morreriam em consul- tas aos meios legais altamente morosos e caros. Apesar disso, o autor desta- cou que por outro lado, existem iniciativas como a da BBC16 que anunciou o
projeto de contribuir com um banco de material aberto disponível ao uso acom- panhado de autorização legal para que os ingleses possam recombinar essas informações sem restrições do copyright, constituindo um patrimônio público.
O autor salientou que muitos usuários das redes tinham a intenção de colaborar com a instituição de um bem comum, de um hiperdocumen- to de material livre. Lessig (2005) descreveu que, no primeiro semestre de existência do Creative Commons, houve mais de um milhão de ade- sões de licenças em que autores abriram mão de cobrar pela cessão do copyright de suas obras em prol de contribuir com o domínio público. O autor definiu que esse passo foi dado ao se estabelecerem os middleware
continentes de material devidamente licenciado, portanto, entre muitos passos essenciais para que se estabeleça uma cultura livre estava a proteção da per- manência desse domínio. E em consequência disso, emergiu nas produções que surgem da recombinação desses materiais abertos ao público em geral. O autor destacou que o Creative Commons depende dessa dinâmica de ações descrita anteriormente, para que evolua a intenção de formar esse domínio público ins- crito pelos próprios usuários das redes caracterizando uma cultura livre, que se constrói paulatinamente toda vez que alguém colabora com material para esse banco de informação descentralizado erguido nas redes.