• Nenhum resultado encontrado

UNIDADE DE CONSERVAÇÃO

3. CAPÍTULO III – O CONHECER, O SABER E A CONSERVAÇÃO DO PARNAS

3.3. A CULTURA, VISÃO DE MUNDO E AS DIFERENTES FORMAS DE APROPRIAÇÃO DA COMUNIDADE

De acordo com Cuche (1999), a definição de cultura passou por um longo processo de evolução. Inicialmente, na França, ela foi usada para designar ―o afinamento dos costumes, e significa para eles o processo que arranca a humanidade da ignorância e da irracionalidade‖ (idem, p.22). A ideia alemã de cultura teve forte influência do nacionalismo, aparecendo como ―um conjunto de conquistas artísticas, intelectuais e morais que constituem o patrimônio de uma nação [...]‖ (idem, p.28).

A primeira definição etnológica foi realizada por Edward Burnett que a apontava, juntamente com o conceito de civilização, como ―um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade [1871, p.1]‖. (BURNETT, 1871, p. 1 apud. CUCHE, 1999, p.35)

De acordo com a concepção universalista cunhada por Taylor (1871), a cultura tem uma dimensão coletiva, que ―rompe com as definições restritivas e individualistas de cultura [...] é a expressão da totalidade da vida social do homem [...] é adquirida e não depende da hereditariedade biológica [...] sua origem e seu caráter são, em grande parte inconscientes‖. (CUCHE, 1999, p.35)

A esse respeito, Boas (1896) cunhou a concepção particularista de cultura, onde construiu o conceito de cultura para opor-se ao de raça, pois toda a diferença entre os homens seria de ordem cultural e não racial. Assim, dedicou-se a estudar não somente a cultura, mas sim as culturas. Implicava também uma concepção relativista da cultura.

―Para ele cada cultura representava uma totalidade singular e todo seu esforço consistia em pesquisar o que fazia sua unidade [...] Um costume particular só pode ser explicado se relacionado ao seu contexto cultural [...] Cada cultura é dotada de uma estilo particular que se exprime através da língua, das crenças dos costumes, também da arte [...] (esse estilo) próprio a cada cultura influi sobre os comportamentos dos indivíduos‖ (CUCHE, 1999, p.45)

Cuche (1999) parafraseando Claude Lévi-Strauss, definiu cultura:

como um conjunto de sistemas simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se a linguagem, as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos estes sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade física e da realidade social, e mais ainda, as relações que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros. (CUCHE, 1999, p. 95)

Com as pesquisas sobre os processos de aculturação, o conceito de cultura se renovou, pois ―considerar a relação intercultural e as situações nas quais ela se efetua levou a uma definição dinâmica da cultura‖ (CUCHE, 1999, p.136). É importante partir da concepção de que ―nenhuma cultura existe em ‗estado puro‘, sempre igual a si mesma, sem ter jamais sofrido a mesma influência externa [...] Toda cultura é um processo permanente de construção e reconstrução.‖ (idem, p.136-137)

Assim, a cultura compreende as ideias, os hábitos, os valores que constituem padrões específicos que regem a convivência de um povo, passados de geração a geração. Os conhecimentos sobre a natureza são uma parte importante da cultura humana, pois eles se originam de questões que surgem como consequência da necessidade de resolver problemas práticos do cotidiano. Eles estão sistematizados, estruturando-se entre o mundo simbólico e natural, incluindo as espécies vegetais e animais, minerais, recursos hídricos e atividades como a agricultura, entre outras coisas.

Com a globalização e o avanço da modernidade, têm se produzido culturas ―maiores‖ e outras ―menores‖, sendo que estas tentam, a todo custo, se equipararem às primeiras. Porém, a cultura deve ser compreendida através de experiências plurais que neguem o valor hegemônico global e de forma que possa dar voz às vozes silenciadas.

O mundo não é uma experiência concreta, mas sim produzido a partir de nossas ideias concretas, tornando assim a cultura algo experenciado. Portanto, a cultura é a experiência de vida que se fundamenta em valores imateriais para se apropriarem materialmente dos recursos, produzindo assim seus valores materiais. A cultura, sendo uma forma de organização material da vida, sempre será um meio de inserção no todo a partir de nossas particularidades, fundadas em diferentes visões de mundo.

A visão de mundo de um povo pode ser tomada como um modo de pensar que é organizado culturalmente e suas ideologias cognitivas, que dinamicamente determinam grande parte de seus comportamentos e tomadas de decisão. Assim, organizam seu conjunto de criações simbólicas e seu modo de olhar para a realidade.

Cada cultura detém uma interpretação específica da natureza constituindo elemento importante da visão de mundo de um povo, que por sua vez é condicionada pela cultura na qual os indivíduos estão inseridos. Assim, deve ser considerado um processo dialético, pois ao mesmo tempo que a cultura produz ―visões de mundo‖ diferentes ela tem como produto a concepção do mundo natural, uma parte importante de sua constituição. Além disso, suas práticas existências são alimento e alimentam todo o sistema da comunidade.

Segundo Acselrad (2004), na interface entre o mundo social e sua base material existem três práticas de apropriação do mundo natural: as técnicas, as sociais e as culturais. As formas técnicas que englobam o conjunto de atos organizados ou tradicionais que concorrem para a obtenção de fins materiais nas quais as escolhas técnicas são condicionadas por estruturas de poder (ACSELRAD, 2004). Podemos identificá-las nas falas dos moradores que concebem suas práticas predatórias como necessárias para sua sobrevivência.

Segundo o mesmo autor, as formas sociais são provenientes da desigual distribuição de poder sobre os recursos. Dessa forma, os detentores de maior poder são menos impactados com as mudanças, pois se adaptam melhor à nova realidade produzida pela criação do PARNASI. No caso do povoado Ribeira, os que detêm um maior poder aquisitivo são aqueles que ‗podem‘ mais, pois segundo muitos relatos as punições executadas pelo IBAMA só atingem os mais ‗fracos‘. Porém, a realidade é que talvez esses sujeitos apontados por eles detenham, além de dinheiro, muitas informações sobre o processo de conservação ambiental, o que poderia dar-lhes vantagens para burlar algumas proibições.

Ainda de acordo com o mesmo autor, as formas culturais configuram-se a partir de significação do espaço biofísico em que se constrói o mundo social oriundo de esquemas de significação de percepção e representações coletivas diferenciadas (ACSELRAD, 2004). Pode-se perceber o processo de ressignificação em relação aos usos da Serra de Itabaiana, já que alguns puderam se reposicionar na nova realidade, e outros não o conseguiram e, assim, tiveram que deixar de existir. Houveram, ao longo do tempo, reconfigurações simbólicas tanto do meio material como imaterial, tais como o sentido que atribuíam às caminhadas, à feira (atividade que era o apogeu econômico do povoado, à Serra da Ribeira, e à tantas outras.

A adaptação ecológica dos conhecimentos locais dos moradores será bem sucedida quando o conhecimento científico encontrar um lugar no meio cognitivo e sociocultural dos moradores. É importante partir da concepção que os moradores não devem ser levados a romper com suas visões de mundo, mas sim para utilizá-las para dar sentido às ideias científicas. Assim, a natureza social do conhecimento não será descartada, enfocando o papel da cultura no desenvolvimento de suas ideologias.

Com todas suas diferentes formas de apropriação dos recursos naturais, suas visões de mundo divergentes, as atividades realizadas no povoado serão descritas a seguir.