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5 METODOLOGIA

5.2 A CULTURANÁLISE DE GRUPOS

A metodologia que foi utilizada para a captação das expressões simbólicas das culturas presentes nas narrativas dos alunos migrantes é a culturanálise de grupos que, conforme Paula Carvalho (1990), foi desenvolvida a partir dos estudos de Edgar Morin sobre a Teoria da

Complexidade e de Gilbert Durand sobre as Estruturas Antropológicas do Imaginário. A partir

de Edgar Morin, Paula Carvalho baseou-se na ideia polissêmica do termo cultura que tensiona diferentes sentidos relacionados à antropologia, à sociologia, dentre outros. Paula Carvalho (1990) elenca alguns destes sentidos dos quais destacamos:

1 - Sentido Antropológico: [...] abarca o universo daquilo que escapa ao comportamento inato, [...]a cultura marca o especificamente humano como capital simbólico; [...] universo da produção de sentido nas atividades humanas;

2 - Sentido Etnográfico: O cultural se opõe ao tecnológico como domínio do nomotético6 (crenças, ritos, normas, valores, modelos de comportamento, etc.) 3 - Sentido Sociológico: é o residual não assimilável pelas disciplinas econômicas [...], o domínio sócio-afetico, a personalidade, a sensibilidade e suas adesividades sociais; (PAULA CARVALHO, 1990, p. 40)

A partir de Gilbert Durand, Paula Carvalho voltou-se à concepção de trajeto

antropológico, cuja fundamentação recai sobre o percurso das imagens em diferentes

semblantes de tempo e de espaço. No estudo das imagens proposto do Durand, estas são dotadas de schèmes e arquétipos que são fundamentações internalizadas e existentes em várias dimensões culturais e sociais. A seguir, conforme Durand (1993,1998, 2012), as imagens ao chegarem em determinadas culturas ou grupos, materializam-se na forma de símbolos e mitos. Os símbolos e os mitos representam as formas com que os schèmes e arquétipos se concretizam e se diferenciam nas comunidades, são formas primordiais, matriciais. Para Paula Carvalho

6 O termo nomotético conforme (DEMO 1989 apud SANTOS, 2012, et al. p. 11) relaciona-se a leis baseadas no

fato de os acontecimentos na natureza serem repetitivos e recorrentes, e daí a base para o estudo das relações isomórficas que acabam por torná-la uma teoria que busca entender o mundo como organização, como relação.

(1990, p. 44), o trajeto antropológico “permite por um lado, realizar a sutura epistemológica entre Natureza e Cultura, precisamente através da noção de símbolo que, por outro lado, permite construir [...] o “aparelho simbólico”.

Nesse estudo, voltamos nosso olhar a estes sentidos, pois são estas manifestações afetivas, comportamentais e simbólicas de forma geral que buscamos captar a partir das narrativas dos entrevistados oriundos de outros estados que carregam consigo suas marcas culturais e encontram-se inseridos em uma cultura distinta, mas ainda assim dentro de seu território nacional, com suas idiossincrasias e diferenças.

Para Paula Carvalho, os dois autores,Morin e Durand, compartilham de uma lógica dialógica entre imaginário e cultura ao propor um levantamento de como a realidade, a consciência de um grupo é construída, qual as imagens-mundo dos sujeitos a partir de suas manifestações de cultura latente e de cultura patente.

[...] a cultura é um conjunto de saberes, regras, normas, hábitos [...] que se perpetua de geração em geração, reproduz-se em cada indivíduo e alimenta por geração e regeneração a complexidade individual e a complexidade social. A cultura constitui, assim um capital cognitivo, técnico e mitológico não inato (MORIN, 2002, p. 300).

Para Lahud Loureiro (1998, p.21), a culturanálise de grupos é “um trajeto escondido da cultura patente e da cultura latente [...] A culturanálise é o instrumento capaz de mapear a visão da realidade e a consciência do grupo”. O mesmo autor explica ao que cada pólo refere- se:

O polo patente refere-se ao sistema de metas, meios racionalmente dispostos, que atuam como fator de agregação do grupo, traduzindo assim sua organização como uma ‘estrutura racional - produtiva. E o polo latente (plasma existencial) prestigia a emoção, o afeto - é o afetivo -imagético, o imaginário e as fantasias (LAHUD LOUREIRO, 2004, p. 20).

Estrada (2014, p. 107) complementa a ideia de culturanálise de grupos ao identificá- la como “o modo como um grupo constrói a realidade, de que realidade se trata e da consciência dos grupos”, que se estrutura em decorrência da simbiose dos polos latente e patente.

O Dicionário Crítico de Política Cultural: Cultura e Imaginário (1997), apresenta quatro vetores que fundamentam a ideia de Culturanálise, sendo eles: a) A crise das humanidades; b) o retorno da ideia de natureza em oposição a intensificação tecno-burocrática; c) A oposição cultural existente entre trabalho e vida provada; d) o ressurgimento do comunitário. A partir destes quatro vetores e da dinâmica existente entre eles enquanto parte de uma comunidade, estabelece-se assim a Culturanálise:

O instrumento privilegiado de uma culturanálise assim orientada tem sido encontrado nos estudos antropológicos do imaginário, que possibilitam o mapeamento da visão da realidade e da consciência do grupo (o modo pelo qual esse grupo constrói a realidade, a imagem que tem desse mundo). Para essa elaboração levam-se em conta os aspectos patentes e latentes da cultura, entendida como a relação dialética entre, de um lado, as formas estruturantes e organizacionais e, de outro, o plasma existencial. Procedendo a uma configuração temática das paisagens mentais, histórias de vida, sonhos e desejos de um grupo, a culturanálise apresenta-se como uma "pedagogia da escuta" da qual dependerá a decisão sobre a eventual intervenção cultural num grupo, seu teor e sua orientação (COELHO, 1997, p. 105).

Desta forma, trazer para esse trabalho a metodologia da culturanálise de grupos é importante a partir do olhar que dispensaremos aos nossos objetos, que são as narrativas dos alunos migrantes, e pela importância na instituição-escola, enquanto mediadora dos processos sociais e culturais. Estrada (2014) comenta a importância dos resultados que podem ser obtidos com esta metodologia ao dizer que:

os ritos são carregados de simbolismos, porque são sociais, portanto organizadores dos grupos [...] nesse sentido analisar a dimensão simbólica da realidade escolar significa estar atento, por um lado a esse caráter educativo do símbolo, que, como processo, realiza-se não só na sala de aula, mas em todos os espaços sociais da escola; e por outro lado, à potência pedagógica o símbolo, que torna possível a criação e a mutação (ESTRADA, 2014, p. 109-110).

A culturanálise visa então desvelar a partir das narrativas dos alunos migrantes de que forma as motivações internas e externas, subjetivas e objetivas, as pressões sociais, os sonhos e os devaneios manifestam-se nos sujeitos e nos grupos sociais.