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Pensar ou moldar? Eis a questão?7

Não se constrói uma escola, um currículo sem pensar nas culturas e infâncias que invadem esse espaço. Mas pensar essas instâncias exige amplitude, desconstrução, reflexão, ações para além de moldes, de padrões. Afinal, escola é lugar de pensar ou moldar? Esse pressuposto define e marca as referências culturais nas quais essa instituição construirá suas bases teóricas e metodológicas. Diante disso, após analisar e explanar os conceitos de cultura, crianças e infância, assim como seus entrelaçamentos nos diferentes espaços de convívio social que os sujeitos habitam e vivem, passa-se a esclarecer e argumentar sobre o currículo e a

construção de uma cultura escolar. Essa discussão torna-se pertinente à medida que se pensa a escola, como uma instituição que constrói suas funções a partir da necessidade e do vínculo com a infância e com as relações culturais que se estabelecem dentro desse espaço que também é marcado pela sua própria cultura.

Quando se fala em escola e cultura se fala em currículo, pois, fortemente vinculado à escola estão as marcas desse currículo, que orienta, delineia e conduz os processos pedagógicos dentro da instituição escolar. Nele, pautam-se desafios, orientações, normas, rotinas, tempos, espaços, conteúdos e as demais possibilidades e indagações que a instituição escola têm para com o processo formal de educação, desde a Educação Infantil, até o Ensino Superior. O currículo é a possibilidade que se tem de olhar para dentro da escola e suas complexidades, pluralidades, de olhar para os sujeitos nela envolvidos além de suas condições pedagógicas e epistemológicas, levando em consideração as relações dialógicas e interações sociais e culturais que se estabelecem nesse espaço. Por isso, entrelaçado à cultura escolar, torna-se um documento constitutivo das marcas e conceitos dessa instituição, não carrega em si a função de transmissão, mas sim, de questionamento, tensão e problematização do conhecimento, da cultura e das relações sociais que se estabelecem e emergem no espaço escolar.

Por isso, é comum encontrarmos diferentes e diversas indagações em torno do currículo, sendo estas levantadas e problematizadas por professores, gestores, autoridades; enfim, indagações levantadas por todos aqueles que estão de uma forma ou outra, envolvidos com a educação, e assim, com o currículo. Diante disso, conhecer e esclarecer o significado do currículo é importante, já que este é debatido frequentemente nos espaços sociais e culturais que envolvem a formalidade da educação.

Goodson (2013, p. 31) apresenta a origem etimológica da palavra currículo que, segundo o autor, “vem da palavra latina Scurrere, correr, e refere-se a curso (ou carro de corrida)”, remetendo-nos a ideia de “curso a ser seguido, ou, mais especificamente, apresentado”. Esse significado etimológico atribui uma forte relação entre currículo e poder, pois nele, englobam-se, segundo Goodson (2013) o contexto social em que os conhecimentos são produzidos e concebidos e a forma como esses conhecimentos são “traduzidos” para o meio educacional. Pontua, ainda

que existe certa alienação, estranheza na relação entre o currículo e as teorias de currículo, entre esse conhecimento produzido e esse conhecimento traduzido para a escola e que espera-se que ambos, na realidade, mantenham estreitamente interligados, “uma vez que os estudos curriculares se alimentam da teoria” (p. 47).

De acordo com Moreira e Candau (2007, p.17-18)

À palavra currículo associam-se distintas concepções, que derivam dos diversos modos de como a educação é concebida historicamente, bem como das influências teóricas que a afetam e se fazem hegemônicas em um dado momento. Diferentes fatores socioeconômicos, políticos e culturais contribuem, assim, para que o currículo venha ser entendido como:

(a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos;

(b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos;

(c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais;

(d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; (e) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização.

Não há uma predeterminação do que seja certo ou errado com relação às atribuições do conceito de currículo, pois estas refletem diferentes posicionamentos e pontos de vista de diferentes pressupostos teóricos. O que se pode dizer é que as determinações de currículo podem envolver diferentes áreas do conhecimento, e de que na educação, referem-se às experiências escolares que se desdobram em situações de conhecimento, que constroem a identidade dos professores e dos alunos e que, principalmente, referem-se ao “conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas” (MOREIRA, CANDAU, 2007, p. 18). Tais esforços e intenções educativas, são vistos e analisados dentro de contextos históricos e sociais e passíveis de contingência, provisoriedade e mutáveis, segundo os autores.

Grundy assegura que “O currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de organizar uma série de práticas educativas” (apud SACRISTÁN, 2000, p. 14). Por isso, o currículo constrói-se culturalmente fortemente vinculado a concepções econômicas, políticas, científicas, filosóficas, pedagógicas; enfim, àquilo que orienta e norteia um determinado espaço em um determinado tempo. Dessa forma, segundo Sacristán (2000), o currículo pode ser visto e afirmado a partir de diferentes

acepções e perspectivas vistas a partir de sua função social, de seu caráter de plano educativo, da expressão formal e material dos conteúdos escolares e suas orientações, as ações do campo prático e processos educativos dentro da escola, além de referir-se a algum tipo de atividade discursiva e acadêmica envolvendo ações de pesquisa.

O resultado dessas acepções é a relação do currículo com a instrumentalização do conhecimento e dos conteúdos dentro da escola o que a torna um sistema social, pois, por meio deles, concretizam-se as próprias funções da escola. O currículo demonstra a forma de organização da escola, suas concepções pedagógicas e a forma como estas acontecem no espaço escolar. Moreira e Candau (2007) afirmam que o currículo é o coração da escola, o espaço no qual todos atuam e elaboram, refletem e constroem, buscam e aprendem, e assim corresponde às questões relativas ao conhecimento e à constituição da identidade dos sujeitos da escola.

O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos ensino. É uma prática que se expressa em comportamentos práticos diversos (SACRISTÁN, 2000, p. 15 – 16).

Todo currículo é marcado pela questão central do conhecimento, ou seja, todo currículo volta-se para a questão de qual conhecimento deve ser ensinado. Partindo dessa problematização, abrangem-se as questões relativas ao processo de aprender e ensinar, aos sujeitos professor e aluno envolvidos diretamente nesse processo, as discussões em torno do contexto social e cultural da escola que vai ensinar esses conhecimentos e dos sujeitos que vão aprender. Enfim, pensar o conhecimento remete-nos a outra série de discussões que emergem no acontecer e desvendar dos currículos escolares.

O currículo não é um elemento inocente, neutro, de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais

particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal –

organização da sociedade e da educação (MOREIRA e TADEU, 2011, p. 14).

Isso torna o currículo um artefato social e cultural dentro da escola, um documento organizacional e político, implicado com as relações de poder que se estabelecem dentro e fora da escola, o que nos leva a pensar e refletir em torno das teorias do currículo e como este se constitui como elemento fundante da escola. De acordo com Silva (2009) é relevante se pensar na própria noção dos termos “teoria” e “currículo”, o que, segundo o autor, nos remetem a uma noção representacional do que os termos sugerem, sendo estes avessos à perspectiva pós-estruturalista.

A teoria é uma representação, uma imagem, um reflexo, um signo de uma

realidade que – cronologicamente, ontologicamente – a precede. Assim,

para já entrar em nosso tema uma teoria de currículo começaria por supor que existe, “lá fora”, esperando para ser descoberta, descrita e explicada, uma coisa chamada “currículo”. O currículo seria um objeto que precederia a teoria, a qual só entraria em cena para descobri-lo, descrevê-lo, explicá-lo (SILVA, 2009, p. 11).

Essa conceituação sugere a ideia de teoria e currículo como adventos separados, uma antecede ou precede o outro, são separados devido à representação que o conceito de teoria indica. Essa representação leva à ideia de separação da teoria com a realidade, sendo que o pós-estruturalismo aponta justamente para as questões simbólicas dessa realidade, o que torna as discussões de currículo, não marcadas por teorias, e sim por discursos.

A teoria vinculada à ideia de discurso não tenta descobrir ou criar, e sim, significar. Para isso, no pós-estruturalismo relaciona-se o conceito de teoria, não à representação e sim, a discurso. Essa perspectiva leva-nos a produções de modos particulares de currículo, diferentemente da ideia de teoria vinculada também a reprodução. Afinal, posso pegar uma teoria e aplicá-la em qualquer espaço, enquanto um discurso não, pois este é fortemente marcado por particularidades, constituídas de uma história e de uma cultura. Isso, segundo o autor, justifica as relações que currículo tem com a identidade e subjetividade das pessoas, pois cada modelo de ser humano corresponde a um tipo de currículo.

Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constituiu o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade (SILVA, 2009, p. 15).

Nesse sentido, Silva (2009) afirma que não há uma definição certa ou errada de currículo, não há uma teoria que diga o que é o currículo. Há, sim, diferentes perspectivas e discursos, definidos por diferentes autores e teorias, ao longo de um tempo histórico e cultural, que buscam, de uma forma ou de outra, através da seleção de conhecimentos, modificar os sujeitos que estarão inseridos naquele contexto, buscando assim, um ideal de pessoa, de acordo com os pressupostos e ideais que aquela teoria preconiza e deseja.

Diante dos argumentos discutidos nesse capítulo, pode-se afirmar que os sujeitos da infância estão em constantes processos de constituição, criação e recriação cultural nos diferentes e diversos espaços pelos quais circulam e habitam, sendo que as marcas dessa constituição atravessam-se o tempo todo nas situações escolares. Todo o processo de escolarização é marcado também pela constituição de uma cultura própria da escola, atravessada pelas marcas culturais particulares e individuais de cada sujeito, em suas particularidades, em seus convívios sociais e históricos. A escola, tendo suas marcas, transpõe seus fazeres, relações, conceitos e ideias por meio do currículo, documento que orienta e norteia as práticas pedagógicas e epistemológicas dessa instituição.

Pensar as crianças enquanto sujeitos dentro da escola é pensá-las em suas diversidades e, para isso, é pensar em um currículo flexível e dinâmico que considere essas particularidades diferenças e heterogeneidades. No capítulo seguinte, essas relações no currículo serão pensadas de forma reflexiva a partir de experiências de pesquisa e docência com um grupo de crianças do 3º ano do Ensino Fundamental em um projeto nomeado Missões.

2 ESPAÇOS E SUJEITOS DA PESQUISA: EM CONSTRUÇÃO COLETIVA O CURRÍCULO ESCOLAR

A escola é um espaço de interdependência e entrelaçamentos. As relações que se estabelecem nesses espaços são de coexistência, os sujeitos envolvidos nessas relações existem a partir das inscrições e interações estabelecidas com outros sujeitos, com espaços e com conhecimentos. As interações e relações que emergem nos fazeres pedagógicos permitem que os sujeitos nessas relações sejam autores em suas aprendizagens e que possam entretecer culturas e viver em um ambiente intercultural.

A partir de tais premissas, parte-se agora para um processo de pensar, ampliar, refletir e buscar reconhecer esses entrelaçamentos e interlocuções entre a cultura, a infância e o currículo, expresso como cultura escolar. Esses entrelaçamentos e interlocuções permitem as interações e relações, a construção e significação do conhecimento, o significar dos papeis e lugares ocupados por professores e alunos em sala de aula, a emergência do olhar e da escuta pedagógica, o significado da pesquisa com crianças. Enfim, permitem que se pense e se olhe para o espaço da escola, para o currículo como possibilitadores de mudança e de transformação.

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