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Entrelaçamentos e significações interculturais: um diálogo entre a cultura das crianças e a cultura escolar

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

ÂNGELA RAFAELA TONETTO HEIDEL

ENTRELAÇAMENTOS E SIGNIFICAÇÕES INTERCULTURAIS: UM DIÁLOGO ENTRE A CULTURA DAS CRIANÇAS E A CULTURA ESCOLAR

Ijuí

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

ENTRELAÇAMENTOS E SIGNIFICAÇÕES INTERCULTURAIS: UM DIÁLOGO ENTRE A CULTURA DAS CRIANÇAS E A CULTURA ESCOLAR

Dissertação de Mestrado em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.

Orientadora: Prof. Drª Noeli Valentina Weschenfelder

Ijuí

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H465e Heidel, Ângela Rafaela Tonetto.

Entrelaçamentos e significações interculturais: um diálogo entre a cultura das crianças e a cultura escolar / Ângela Rafaela Tonetto Heidel. – Ijuí, 2016.

146 f.: il.; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas Ciências.

“Orientadora: Noeli Valentina Weschenfelder ”.

Catalogação na Publicação

Gislaine Nunes dos Santos CRB10/1845

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DEDICATÓRIA

A minha filha Alice pelo companheirismo e paciência, por suportar minhas ausências, me oferecer nos momentos de angústia, abraços confortantes e principalmente, pelas possibilidades de reviver a infância, olhando para o mundo com olhos de criança.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço

À minha família: meus pais, meu esposo e minha filha, pelos suportes necessários durante minhas idas e vindas, ausências e presenças, devaneios e lucidez.

Aos colegas de trabalho que auxiliaram em minhas ausências.

Aos amigos, que perto ou longe, foram importantes pelos encorajamentos.

À professora Gilvane, pelos socorros conceituais, diálogos teóricos e recursos bibliográficos.

À minha orientadora e professora Noeli, pelo acolhimento da minha pesquisa e por acreditar junto comigo, nas possiblidades de uma educação voltada para a infância.

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Olha-me rindo uma criança

Olha-me rindo uma criança E na minha alma madruga. Tenho razão, tenho esperança Tenho o que nunca me basta.

Bem sei. Tudo isto é um sorriso Que é nem sequer sorriso meu. Mas para meu não o preciso Basta ser de quem mo deu.

Breve momento em que um olhar Sorriu ao certo para mim... És a memória de um lugar, Onde já fui feliz assim.

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RESUMO

Nesse texto dissertativo de competência do Mestrado em Educação nas Ciências discuto questões pertinentes aos entrelaçamentos e significação interculturais a partir de diálogos entre a cultura das crianças e o currículo escolar, apresentando episódios de aprendizagem vivenciados com uma turma de crianças do terceiro ano do Ensino Fundamental. O trabalho objetivou compreender as relações interculturais que se dão no espaço escolar, as relações do currículo emergente e do currículo formal, os entrelaçamentos entre as culturas infantis e as culturas escolares a partir da observação e entendimento sobre o sentido que a escola tem para as crianças. Parte do pressuposto de que as culturas infantis e escolares entrelaçam-se cotidianamente em sala de aula, pois as crianças são sujeitos protagonistas na constituição da cultura escolar. Nesta pesquisa, defende-se a cultura escolar como uma construção coletiva que pressupõe a participação ativa das crianças, por meio do Currículo Emergente, das Aprendizagens por Projetos e da participação dos professores nas relações e interações que possibilitam com o conhecimento que advém do Currículo Formal. Objetiva-se de ampliar a rede de esclarecimentos teóricos em torno dos conceitos de cultura, infância e currículo, abordando aspectos históricos e conceituais. Busca-se reconhecer os entrelaçamentos e interlocuções entre a cultura, a infância e o currículo, expresso como cultura escolar. Apresenta-se o contexto da pesquisa: sujeitos do 3º ano participantes envolvidos, espaços e propostas da escola campo de pesquisa, discutindo aspectos em torno do currículo emergente e do currículo prescritivo. Sistematizaram-se os acontecimentos interculturais por meio de seis (6) episódios de aprendizagem, como forma de apurar o olhar e a escuta sobre as ações das crianças e compreender suas ações e reações sobre e na cultura escolar. Situou-se a pesquisa em dois campos metodológicos: a pesquisa etnográfica, baseando-me nos estudos de William Corsaro (2009) e a pesquisa em participação, sustentada por Julia Oliveira Formosinho (1998). As interações e relações que emergem nos fazeres pedagógicos permitem que os sujeitos se constituam autores em suas aprendizagens, significando suas culturas e atuando ativamente na construção da cultura escolar. A mediação do adulto assume importante função neste contexto, ao buscar a compreensão das interações entre as crianças e os conhecimentos e aprofundar questões relativas à interculturalidade no espaço escolar, através do cruzamento das culturas infantis com a cultura escolar. Essa compreensão possibilita pensar a criança como sujeito social, reconhecendo que suas constituições culturais se dão por diferentes vias. A escola, dessa forma, reassume, a cada dia, sua responsabilidade enquanto instituição social e cultural responsável pela construção formal do conhecimento e pela formação integral do ser humano. Por isso, necessita repensar seu currículo, sua cultura escolar.

Palavras-chave: Anos Iniciais – Culturas – Cultura Escolar – Diálogos Interculturais - Infâncias-

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ABSTRACT

In this proficiency dissertation of Master Degree in Education on Science issues regarding the interlacement and intercultural signification from dialogs between children’s culture and school study program are discussed, presenting learning episodes lived with a class of children on third grade of Primary School. The work aimed to understand the intercultural relations that take place in the school environment, the relations of the emergent study program and the formal study program, the interlacements among infantile cultures and school cultures from the observation and understanding about the meaning school has for children. On the basis of presupposition that infantile cultures and school cultures interlace each other daily on class, because children are leading characters in the constitution of school culture. In this research, the school culture as a collective construction that presupposes the children active participation is argued, through the Emergent Study Program, Learning by Projects and the teachers participation on the relations and interactions they enable with the knowledge from Formal Study Program. It is aimed to enlarge the network of theoretical enlightenments around the concepts of culture, childhood and study program, by approaching historical and conceptual aspects. It is pursued to recognize the interlacements and interlocutions among culture, childhood and the study program, expressed as school culture. It is presented the research context: participant subjects involved environments and propositions of research field school, discussing aspects between the emergent study program and the prescriptive study program. The intercultural happenings were systematized through six (6) learning episodes, as a way of sharpening the seeing and the hearing about children actions e to understand their actions and reactions about and in the school culture. The research was situated in two methodological fields: ethnographic research, based on William Corsaro (2009) and research in participation, supported by Julia Oliveira Formosinho (1998). The interactions and relations that emerge on the pedagogical tasks allow the subjects to constitute themselves as authors in their own learnings, signifying their cultures and acting intensively on building the school culture. The mediation of the adult takes an important function in that context, when searching comprehension of the interactions between the children and the knowledge, also to deepen questions about interculturality in the school environment, by crossing infantile with school cultures. That comprehension allows thinking the child as a social subject, recognizing that their cultural constitutions occur by different ways. The school, therefore, reassumes each day, its responsibility as social and cultural institution responsible for the formal building of knowledge and for the whole formation of the human being. Therefore, the school as institution needs to rethink its study program, its culture.

Keywords: Childhoods – Cultures – Intercultural Dialogs - Primary School – School Culture

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1 CULTURA, INFÂNCIA E CURRÍCULO: CONCEITOS E CONTEXTOS ... 20

1.1 CULTURAS: ELEMENTO FUNDANTE DA CONSTITUIÇÃO HUMANA ... 21

1.2 INFÂNCIAS: CATEGORIAS CULTURAIS EM CONSTRUÇÃO ... 26

1.3 CURRÍCULO: A CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA ESCOLAR ... 30

2 ESPAÇOS E SUJEITOS DA PESQUISA: EM CONSTRUÇÃO COLETIVA O CURRÍCULO ESCOLAR ... 36

2.1 CAMINHOS DE PESQUISA ... 36

2.2 A ESCOLA CAMPO DE PESQUISA ... 38

2.3 A FORMALIZAÇÃO DO CURRICULO ATRAVÉS DE UMA REDE NACIONAL DE ENSINO ... 40

2.4 O CURRICULO EMERGENTE: UMA ABORDAGEM VOLTADA AO INTERESSE DAS CRIANÇAS E PROBLEMATIZAÇÃO DE SUAS IDEIAS ... 48

2.5 O GRUPO DE CRIANÇAS ATORES E AUTORES DA PESQUISA ... 57

2.6 APRENDENDO ATRAVÉS DOS PROJETOS: NOSSAS CONEXÕES INICIAIS COM O OBJETO DE ESTUDO ... 61

2.6.1 Fases iniciais do projeto – Definição do problema e planejamento do trabalho ... 62

2.6.2 Processos de pesquisa e representação – Coleta, análise e registro de informações ... 75

2.6.3 Avaliação, socialização e comunicação das pesquisas e aprendizagens ... 81

3 DIÁLOGOS INTERCULTURAIS – ENTRELAÇAMENTOS, PROTAGONISMOS E SIGNIFICAÇÕES CURRICULARES >>>>... 83

3.1 A CULTURA DA INFÂNCIA SE ENTRELANÇANDO COM A CULTURA ESCOLAR ... 87

3.2 EPISÓDIOS DE APRENDIZAGEM – SIGNIFICAR DA CULTURA ESCOLAR ... 93

3.2.1 Episódio 1: Pesquisa sobre Tratado do Tordesilhas e Unidades de medidas: A relação entre o currículo emergente e o currículo formal é uma construção coletiva entre professor e alunos ... 96

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3.2.2 Episódio 2: Representações na aula de educação física: aprender e significar pelo brincar e pelo jogo simbólico ... 103 3.2.3 A organização espacial de uma redução jesuítico-guarani: A criança enquanto sujeito de ação e protagonismo em sala de aula ... 107 3.2.4 Pesquisa de Campo no Museu Municipal José Olavo Machado e no

Centro Histórico do Município: Aprender pela pesquisa na infância e a

constituição do sujeito pesquisador ... 115 3.2.5 Episódio 5: A montagem da maquete de uma redução: Professores e alunos são sujeitos coparticipantes nas interculturalidades da sala de aula ... 122 3.2.6 Episódio 6: Representações fotográficas, orais e escritas a partir da saída de campo: As diferentes atribuições de sentidos e os diferentes olhares para crianças e adultos ... 127

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 136

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INTRODUÇÃO

Ser professora foi uma escolha, uma decisão tomada há 13 anos, quando ingressei no curso de Pedagogia, na época, nomeado como Normal Superior. Entrei no curso pensando em como seria planejar situações de separação de sílabas, que números deveria usar ao criar “continhas” de matemática e de onde eu tiraria os mapas para as crianças pintarem. Logo pedi as minhas primas menores que separassem e me emprestassem os seus cadernos para eu poder “copiar ideias” propostas pelas suas professoras. Eu desconhecia o fato que, na escolha que havia feito, a autenticidade, a criatividade e o reinvertar-se eram premissas para continuar na profissão e construir uma carreira.

E assim foram paradigmas, História da Educação, Sociologia, Filosofia, didáticas, Aprendizagens por Projetos, histórias da infância e muitas disciplinas mais, as quais foram se tornando parte da minha vida e constituindo minha identidade docente. Novas culturas se entrelaçavam, interações emergiam, e a certeza da escolha (que havia feito) só aumentava. Fui aos poucos percebendo que minha identidade profissional seria construída na relação com meus pares; então, passei a estar, viver, conviver, pertencer a um novo grupo, um grupo em que a demanda e o desejo se estendem para além de onde os olhos podem ver ou os ouvidos ouvir. Constituía-me professora!

Antes de concluir a graduação, comecei a atuar na docência em uma escola da rede privada do município de Santo Ângelo1, na qual atuo há dez anos e onde tenho a possibilidade de continuar a constituir-me, a reinventar-me, a fazer aquilo que desejei: ser professora. Cada vivência, aula planejada, foto tirada, conversas, diálogos, registros e interações com meus alunos aportam-me a reflexões, a desejos que revigoram minha ação docente. Ao escutá-los e olhá-los, ao estabelecer e manter vínculos remeto-me a infinitas ideias, representações, conceitos e ações. Enquanto grupo estamos mergulhados em um turbilhão de culturas: as minhas, as deles, as das famílias e a da própria escola.

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É nesse caminhar enquanto professora pesquisadora, que aprendi a respeitar as decisões das crianças, envolver-me em seus convites e planejamentos, ir atrás delas percorrendo seus caminhos. Em alguns momentos, ser organizadora; em outros. a aprendiz. Aprendi a ouvir suas falas, seus dizeres e observar suas ações, seus fazeres. Aprendi, enquanto professora pesquisadora, interagir nas falas/dizeres e nas ações/fazeres das crianças. É dessa forma que constituo a minha docência na caminhada, nos fazeres, nos erros, nos acertos e nas tentativas. À medida que caminho, alargo e traço horizontes, desvelo alguns, me amedronto, me inquieto e me desconforto com outros. Traço metas, sigo, recuo. Alguns horizontes eu alcanço; outros, não.

Nessas vivências docentes, estudo e pesquiso e, principalmente, inquieto-me diante de reestruturações distintas pelas quais a sociedade e a escola de um modo geral passam. A escola em que atuo há 10 anos, apresenta um forte discurso marcado pela ética do encontro com a criança e do comprometimento que se deve ter com elas na relação com o conhecimento, com as relações sociais, culturais, políticas e familiares. Foi nesse caminho dos 10 anos, que passamos a fazer parte de uma rede de ensino a nível nacional, a rede CNEC (Campanha Nacional de Escolas da Comunidade). Essa nova organização levou-nos ao encontro de outros olhares pedagógicos, outros fazeres, práticas e metodologias que se puseram em choque com aquilo que a escola sempre teve como referência em termos de educação.

Passou-se a inserir nas rotinas diárias da escola o uso do livro didático (material até então inexistente na escola) organizado e com conteúdos pré-determinados pela rede de ensino a nível nacional, desconsiderando regionalidades, culturas locais, aspectos mais individuais em termos de unidades. A proposta pedagógica da escola, sustentada pelo trabalho com projetos, a perspectiva de pesquisa com crianças, a flexibilidade e a interdisciplinaridade presentes fortemente nas ações diárias de sala de aula, passaram a ser questionadas, pois as propostas presentes nos livros didáticos inseridos e implantados pela rede de ensino, apresentavam-se em grande parte sem conexão, descontextualizadas, muito abrangentes, com textos longos e extensos, o que levava a repensar a questão dos tempos de aprendizagem.

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Esse pertencer a uma rede fez com que as decisões da escola passassem a ser tomadas sempre com o aval e olhar da rede; porém, mesmo com tantas reestrurações, a equipe pedagógica, não deixou de assumir seu compromisso, e alavancada pelos movimentos e reestruturações pelas quais já havia passado; Reorganizou em termos metodológicos e pedagógicos sua proposta, entrecruzando nas ações e na cultura da escola, uma nova cultura, a cultura da rede a qual passa a pertencer.

Esse cruzar de culturas (cultura da escola e cultura da rede de ensino) no ambiente escolar é amplo, é dinâmico. Ele é perpassado por outros elementos culturais: a cultura das crianças, das famílias, dos professores; enfim, de todos aqueles que estão na escola. Esse perpassar, entrecruzar, relacionar de culturas é pensado sob o olhar da interculturalidade, no qual as relações entre as culturas das crianças e as culturas da escola, num fazer cotidiano acontecem. São estas culturas que me interessam no fazer pedagógico dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, esses atravessamentos entre a infância, a docência, o currículo/cultura escolar que busco melhor mapear e aprofundar.

Assim, ao longo do primeiro capítulo ampliam-se conhecimentos em torno da constituição social e cultural dos sujeitos da infância, explorando aspectos conceituais e originários do conceito de cultura, ampliando conhecimentos em torno da constituição histórica, social e cultural da infância. Argumenta-se sobre o currículo enquanto construção de uma cultura escolar, pensando a escola como uma instituição que constitui seu currículo, sua cultura com base e relação no conceito de cultura e infância.

No segundo capítulo, faço uma discussão voltada a questões da cultura escolar marcada pelo currículo emergente. Diante disso, farei uma exposição e reflexão em torno do currículo formal da escola em que se realiza a pesquisa, o qual se efetiva com a formalização de um sistema de ensino em rede e o currículo emergente. É através das aprendizagens por projetos e dos episódios de aprendizagem que um currículo sobressai do interesse e desejo dos alunos, envolvendo assim, relações entre as culturas da escola e a cultura das crianças. Essa discussão tem por objetivo refletir sobre as relações do currículo emergente e

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do currículo formal, de modo que se possa potencializar os processos de aprendizagem no entrelaçamento dessas culturas infantis e culturas escolares.

Por fim, o terceiro capítulo tem por objetivos compreender o sentido que a escola tem para essas crianças significando concepções, possibilitando que se incorpore no currículo “diálogos interculturais” e visualizando a pluralidade de significações e a multiplicidade de saberes que emergem nas situações diárias de convívio com as crianças do 3º ano. Portanto, passa ser fundamental pensar sobre pesquisa na infância, escuta e olhar pedagógico, as representações que as crianças fazem dos conhecimentos, as diferentes formas de viver e experenciar esses conhecimentos, visto que, essas possibilidades vinculadas ao contexto social e cultural escolar possibilitam que as interculturalidades aconteçam dentro da escola.

A sistematização desses acontecimentos interculturais, assim como a ampliação do olhar e a escuta sobre as ações das crianças e a busca de compreensão de suas ações e reações deu-se por meio de episódios de aprendizagem. Esses episódios de aprendizagem advêm de um projeto de pesquisa realizado com o grupo de meninos e meninas do 3º ano, intitulado Missões e que investiga a história local do município e região onde vivem.

Os episódios analisados envolvem discussões em torno dos entrelaçamentos e cruzamentos da cultura das crianças, cultura da escola e a cultura local, por meio de ações de pesquisa e representação em diferentes espaços. No primeiro episódio, as crianças desencadeiam ações de pesquisa e construção do conhecimento a partir de um estudo sobre o Tratado de Tordesilhas. Esse estudo possibilita a relação entre o currículo que advém das crianças e o currículo formal. São pensadas, a partir desse episódio, as relações entre os sujeitos professor e aluno, a importância da escuta pedagógica e da problematização em sala de aula para que essas conexões e interrelações aconteçam no espaço escolar.

O segundo episódio argumenta sobre o aprender e significar pelo brincar e pelo jogo simbólico, quando exploram, por meio de brincadeiras e jogos, conhecimentos sobre o Tratado de Tordesilhas, disputas de terras, relações de fronteiras e limites territoriais. O episódio três expõe o processo de envolvimento das crianças durante a pesquisa sobre a organização e planta baixa de uma redução, assim como suas ações enquanto sujeitos planejadores e participantes ativos, cujo

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embasamento discutirá a criança enquanto sujeito de ação e protagonismo, em sala de aula.

O quarto episódio é nomeado Pesquisa de campo no Museu Municipal José Olavo Machado e no Centro Histórico do município e discorre sobre o aprender pela pesquisa na infância e a constituição do sujeito pesquisador, visto que as crianças vão a campo no museu e na praça da cidade investigar e coletar dados em torno da história das Missões e passam a olhar para espaços pelos quais sempre circulam com o olhar de pesquisadores e do conhecimento. O episódio cinco acontece a partir das pesquisas realizadas no quarto episódio, quando as crianças deparam-se com uma grande maquete representativa de uma redução jesuítica-guarani (já estudada e representada em sala de aula de diferentes formas) e planejam a construção de sua própria maquete. Dessa forma, nesse episódio, apresenta-se o processo de montagem da maquete da redução e argumenta-se sobre a legitimação dos papeis de professor e aluno enquanto sujeitos coparticipantes nas interculturalidades da sala de aula.

O sexto e último episódio apresenta a vivência das crianças com representações fotográficas, orais e escritas a partir de outra experiência de pesquisa envolvendo saída de campo e aborda as diferentes atribuições de sentidos para crianças e professores, além das diferenças entre os olhares das crianças e dos adultos, coletadas a partir da fotografia, em uma saída de campo.

Dessa forma, para o desenvolvimento da pesquisa e diante da necessidade de sair do impasse da incomunicabilidade entre a cultura infantil e a cultura escolar, situou-se a pesquisa em dois campos metodológicos: a pesquisa etnográfica, baseando-me nos estudos de William Corsaro (2009) e a pesquisa em participação, sustentada por Julia Oliveira Formosinho (1998). A pesquisa etnográfica com crianças valida as ações e reações de todos os sujeitos envolvidos no processo de educar, visto que possibilita que o pesquisador insira-se no próprio contexto das crianças e compreenda aquilo que fazem. Como fazem, o que pensam, como significam aquilo que vivem e como vivem.

Corsaro (2009, p. 83) explica que a pesquisa etnográfica “possibilita uma base empírica, obtida por meio da imersão do pesquisador nas formas de vida do grupo”. Segundo o autor, a partir dessa imersão no grupo, o sujeito pesquisador

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forma sua base de dados a partir de descrições, de sua incorporação no contexto do grupo, da captura de dados por meio de fotografias, vídeos, gravações em áudio para posterior análise apurada. Compreendo que, estando imersa no contexto escolar das crianças, vivendo com eles esse processo de aprendizagem, terei base e sustentação de dados que me levarão a construir uma reflexão em torno dos diálogos interculturais que emergem ao longo do acontecer do currículo escolar. A partir da compreensão desses diálogos, busco um sentido para minhas reflexões.

Esse autor enfatiza características-chave da sua pesquisa etnográfica: sustentável e comprometida, microscópica e holística, flexível e autocorretiva. É sustentável e comprometida à medida que o pesquisador insere-se no grupo da pesquisa, conhecendo seus contextos e cotidianos – “o ambiente físico e institucional no qual eles vivem, suas rotinas, as crenças que guiam as suas ações, e a linguagem e outros sistemas simbólicos que medeiam todos estes contextos e atividades” (CORSARO, 2009, p.85).

Minha inserção no grupo acontece na medida em que atuo como professora e mediadora do processo de construção do conhecimento nos projetos e episódios de aprendizagem, de modo que participo, como membro do grupo, compreendendo os sentidos e sua organização. Vou sendo desafiada e vou aprendendo com as crianças, coletando dados a serem documentados, atuando, juntos com elas, diretamente nas relações e interações sociais e culturais que emergem no grupo. Bussab e Santos (2009, p. 109) afirmam que o “etnógrafo, além de aceito como observador, precisa ser aceito como participante direto da vida diária do grupo, lançando mão de estratégias específicas e previamente estabelecidas para sua imersão nas práticas cotidianas de adultos [...]”.

A característica microscópica e holística apontada por Corsaro (2009) é a capacidade do pesquisador de aprofundar questões minuciosamente, a partir de observações longas, específicas e detalhadas, engajando-se, a partir disso, em um processo atento de interpretação e compreensão. Para tanto, afirma que “é necessário não apenas examinar ações microscopicamente, mas contextualizá-las mais holisticamente, de forma a descrever com sucesso o evento e como ele foi entendido pelos próprios atores” (CORSARO, 2009, p. 86).

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Já as características flexível e autocorretiva referem-se às possibilidades dialéticas deste método, uma vez que a flexibilidade permite que o pesquisador reestruture suas ações, modificando-as, pois a etnografia permite que as ações sejam adaptadas ao longo da pesquisa. A autocorreção, por sua vez, permite que o pesquisador possa reestruturar suas ações, reposicionando-se e revisando seus procedimentos.

A flexibilidade e a natureza autocorretiva da etnografia aplicam-se não apenas às questões de pesquisa e à coleta de dados, mas também à análise dos dados. Diferentemente das abordagens positivistas, a análise interpretativa dos dados etnográficos não pode ser totalmente especificada de antemão. Tampouco a análise deve ser simplesmente vista como um primeiro passo da geração de hipóteses dentro de uma abordagem positivista (CORSARO, 2009, p. 87).

A pesquisa em participação baseia-se na escuta e no olhar das crianças como protagonistas do processo de pesquisa e construção do conhecimento. Nessa perspectiva, redefine-se e recontextualiza-se a infância dentro de novas abordagens culturais e sociais, pois, como situa-nos Rocha (2008, p. 44) “Temos muito a aprender e reconhecer sobre as crianças tratadas no plural, suas múltiplas infâncias vividas em contextos heterogêneos [...]”.

No processo de pesquisa com crianças, a atenção e cuidado voltam-se à escuta e ao olhar do pesquisador que as escuta e as olha em suas múltiplas linguagens, compreendendo-as como um todo em movimento, em ação e representação. A criança é um sujeito de comunicação e esta se dá pelas diferentes formas de expressão com as quais manifesta seus anseios, desejos, conhecimentos, etc. Por isso, deve-se ir além da pura observação oral da criança e sim, acompanhá-la em seus contextos, expressões gestuais e corporais. Nesse sentido, saliento a importante relação que se estabelece entre a pesquisa etnográfica e a pesquisa em participação, pois acredito que, desse modo, eu, como pesquisadora e docente do grupo de crianças, poderei coletar dados a partir das diversas vivências em sala de aula.

[...] a ênfase na escuta justifica-se pelo reconhecimento das crianças como agentes sociais, de sua competência para a ação, para a comunicação e troca cultural. Tal legitimação da ação social das crianças resulta também de um reconhecimento e de uma definição contemporânea de seus direitos fundamentais – de provisão, proteção e participar (ROCHA, 2008, p. 46).

Por meio da pesquisa com participação das crianças, é possível confrontar dados e pontos de vista, refletir sobre os entrelaçamentos entre as culturas da

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infância e as culturas que constituem e constroem em sala de aula. Formosinho e Araújo (2004) argumentam que nessa perspectiva a criança é vista como um ser ativo, competente, participante, construtor de conhecimento. Um ser partícipe do seu próprio desenvolvimento e isso acontece por meio das interações. São as interações que podem acontecer entre seus pares, colegas, professores, com o conhecimento, com as famílias, enfim, com todos aqueles com os quais as crianças entraram em contato. As relações sociais e interpessoais são as situações de interação as quais permitem a criança ser sujeito no processo educativo pois, a partir disso, ela pode viver as situações e falar sobre ela, comunicar-se com outros, viver e pensar sobre o que está a sua volta (FORMOSINHO, 1998).

Os elementos coletados nas vivências entre educadora/pesquisadora e crianças/protagonistas, são registrados a partir de vídeos, gravações de áudio, diários de campo e fotografias2. Esses materiais são organizados e sistematizados em registros de documentação pedagógica, servindo como recurso e estratégia para que se possa dar visibilidade ao processo de ensino e aprendizagem das crianças e as relações interculturais que vão se estabelecendo. Na medida em que se faz uso da documentação, passa-se a compreender o que as crianças fazem como fazem, o que pensam e como pensam, entendendo seus modos de ver, sentir, olhar, escutar em seus aspectos individuais e coletivos.

Outro aspecto relevante ao longo da pesquisa é o aguçamento do olhar e da escuta enquanto educadora e pesquisadora, de modo que se possam estabelecer situações de mediação, compreender os fazeres pedagógicos, valorizando as ações dos sujeitos, bem como possibilitando reflexões sobre as culturas que se cruzam nessas ações de pesquisa.

A documentação pedagógica aborda a narrativa de vida das crianças e dos professores e é um recurso que possibilita o compartilhamento do trabalho pedagógico (KINNEY e WHARTON, 2009). Compõe-se de um registro sistemático (escrita, imagens, fotos, vídeos) organizado na relação entre educador e aluno. Proporciona o processo de reflexão quanto à prática docente, o processo de

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O projeto para a realização dessa pesquisa foi submetido ao Comitê de ética, e atendeu o que estabelece a RDC CNS 466/2012. A partir dessa liberação foram feitos contatos com famílias, crianças e escola e, tendo recebido autorização, foi

realização a pesquisa. A partir daí, seguiram-se os pressupostos de coleta e análise de dados, sendo orientados pelos cronogramas organizadores do projeto de pesquisa.

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aprendizagem das crianças e torna-se a mola de propulsão para a realização de planejamentos e entrelaçamento do currículo emergente e do currículo formal da escola. A elaboração desses registros é feita pela educadora e pelas crianças, de modo que todos os atores sociais envolvidos no processo sejam sujeitos e participem dos registros, acompanhamentos e construções (BARBOSA e HORN, 2008).

A expressão documentação pedagógica tem sido utilizada para registrar e problematizar essa forma de acompanhar e potencializar o desenvolvimento de um trabalho pedagógico e as aprendizagens das crianças pequenas. Ao documentar pedagogicamente o dia a dia na escola, vão sendo criados elementos de memória, recuperação de episódios e de acontecimentos. Nesse processo, os adultos (educadores, pais e administradores) e as crianças vão construindo a historicidade, vivenciando processo coletivos e, ao mesmo tempo, preservando a singularidade e os percursos individuais (BARBOSA e HORN, 2008, p. 94).

A partir dessa abordagem metodológica e baseada em referências teóricas que sustentam e argumentam os elementos pensados e problematizados na prática, todos os sujeitos, professora/pesquisadora e alunos, estão em interação enquanto atores em coparticipação durante a pesquisa. Ambos são merecedores do olhar e da escuta do outro, sujeitos em interação social e cultural. Dessa forma, por meio dos aspectos destacados na sistematização e organização deste trabalho, ampliam-se as possibilidades de reflexão na área educacional com relação aos aspectos interculturais no espaço escolar, além de possibilitar contribuições para o desenvolvimento de pesquisas educacionais na área de currículo, cultura e infância.

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1 CULTURA, INFÂNCIA E CURRÍCULO: CONCEITOS E CONTEXTOS

Aquilo que não se fala, não se ouve e não se vê, logo não existe!3

A imagem da pequena Mafalda, personagem criada, escrita e desenhada pelo cartunista argentino Quino, famosa por pensar o mundo com olhares de criança, ilustra a abertura desse capítulo que discute cultura, infância e currículo. Mas que relação ela tem com esse tema? Explico. Logo que a vi, pensei na seguinte frase: “Aquilo que não se fala, não se ouve e não se vê, logo não existe!” Pensar a infância, o currículo e a cultura, assim como, suas relações tem sido um dos grandes desafios na educação, pois essa relação demanda falas, escutas e olhares, que, por consequência, demandam movimento, pesquisa, um desacomodar-se constante e inconstante no espaço escolar. Essas reflexões levam a escola a romper paradigmas, repensar suas formas de ensino, criando novas estratégias de acesso ao conhecimento e significações para o processo de aprendizagem, provocam os sujeitos professores e alunos a repensar seus lugares e posições em sala de aula, reestruturando funções; enfim, causam grandes movimentos dentro da instituição escolar.

Nesse desacomodar-se, constrói-se este capítulo que visa a ampliar conhecimentos e conceitos em torno da constituição social e cultural da infância e a construção de um currículo sociocultural. Para isso, abordará inicialmente aspectos originários do conceito de cultura, para que a partir deles amplie conhecimentos em torno da constituição histórica, social e cultural da infância. Além disso, explorará também a interrelação entre estes dois conceitos: cultura e infância, realizando uma análise do processo de constituição cultural dos sujeitos da infância, a partir das

3

Frase criada pela autora do texto e imagem tirada do site: http://www.goretecolaco.com/mafalda-de-quino-e-nossa-tambem/

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culturas que produzem a criança, culturas produzidas para as crianças e culturas produzidas pelas próprias crianças. Nesses aspectos, discutem-se as emergências de um currículo, considerado como um elemento da cultura escolar produzido socialmente e culturalmente pela escola para as crianças.

1.1 CULTURAS: ELEMENTO FUNDANTE DA CONSTITUIÇÃO HUMANA

Culturas! O que dizer sobre esse vocábulo que nos remete a inúmeras definições e significações? O que dizer sobre esse termo que permeia o falar e fazer humano, desde o senso comum até as mais elaboradas definições conceituais? Como defini-lo para que se interconecte com as discussões sobre infância e currículo? Estes foram alguns dos questionamentos iniciais do meu processo de reflexão e escrita de dissertação. Por isso, para iniciar essa reflexão, proponho uma breve revisão da literatura sobre o termo “cultura”, sob diferentes olhares e perspectivas teóricas.

Esclarecer esse conceito e situá-lo a partir de uma referência teórica e contextual é importante visto que, a partir dessa definição, poder-se-á pensar nos entrelaçamentos culturais no espaço escolar, assim como nas relações entre cultura e currículo. Porém, definir e conceituar cultura é um problema a ser desvelado, pois como afirma Barbosa (2014) esse termo tem sofrido grandes variações no tempo e no espaço, além de expressar uma pluralidade de teorias sociais.

Moreira e Candau (2007) realizam um resgate histórico do termo e do significado da palavra “cultura” ao longo dos séculos, organizando-os em cinco grupos de acordo com os sentidos pelos quais esse conceito foi constituído e era utilizado. Os autores explicam que “o primeiro e mais antigo significado de cultura encontra-se na literatura do século XV, em que a palavra se refere a cultivo da terra, de plantações e de animais” (2007, p. 26).

O segundo significado que emerge da palavra “cultura” ampliou o conceito de cultivo da terra e a criação de animais para o contexto humano. Assim, “passa-se a falar em mente humana cultivada, afirmando-se mesmo que somente alguns indivíduos, grupos ou classes sociais apresentam mentes e maneiras cultivadas e

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que somente algumas nações apresentam elevado padrão de cultura ou civilização” (MOREIRA e CANDAU, 2007, p. 26). Esse conceito se estendeu ao longo dos séculos XVIII a XX, quando “cultura” passou a ser um termo utilizado pela elite, pois era entendido como apreciação as diferentes artes: dança, música, pintura, etc. Mais tarde passou a ser compreendida como cultura popular, o que causou diferenciação e distanciamento de valores entre a cultura da elite e a cultura popular.

Corcuff (2001) concebe cultura a partir de uma homogeneidade e integração de normas, valores, como uma síntese de produtos simbólicos, sistemas valorativos.

Durante muitos anos, a alta cultura burguesa ocupou esse lugar de cultura universal, e a educação formal nas sociedades ocidentais tinha como papel a transmissão dessa cultura centralizada, sem apontar seu caráter dinâmico, suas exclusões, seus silenciamentos, suas contradições e também a hierarquia social que propiciava pela distinção social causada pelo domínio, ou não, desse patrimônio (BARBOSA, 2014, p. 652).

Um terceiro sentido é atribuído por Moreira e Candau (2007, p.26) uma vez que a palavra “cultura”, origina-se no Iluminismo e está relacionada aos processos de desenvolvimento social “sugerindo a crença em um processo harmônico de desenvolvimento da humanidade, constituído por etapas claramente definidas, pelo qual todas as sociedades inevitavelmente passam”. A organização do termo vinculado a desenvolvimento humano passa a ser visto e correspondido, em seu quarto sentido, “aos diversos modos de vida, valores e significados compartilhados por diferentes grupos (nações, classes sociais, grupos étnicos, culturas regionais, geracionais, de gênero etc.) e períodos históricos” (MOREIRA e CANDAU, 2007, p. 27).

O quinto sentido atribuído a essa palavra tem sustentação no viés da antropologia social, ressaltando a questão simbólica da cultura, concebendo-a como prática social (MOREIRA e CANDAU, 2007). Esses dois últimos sentidos vêm ao encontro das ideias de De Certau e Giard (1995) que defendem a pluralização do termo cultura. Surge a necessidade de utilização do termo “culturas”, sendo estas inventadas no cotidiano, renovadas a cada dia, nas situações mais banais ou mais elaboradas, nas realizações e atos que marcam aquilo que os outros nos lançam a ver e pensar.

A cultura vai, assim, para além de algo transmitido, e passa a ser visto como algo construído nas vivências, manipulações criativas, inovadoras e inventivas que

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acontecem dia após dia. Ressalto que esse sentido está muito enraizado nas discussões que se realizarão ao longo do meu estudo sobre as interculturalidades e o currículo, sendo este, o conceito de referência do qual parto.

Hall (1976), nesse sentido, conceitua a cultura, como sistemas e códigos de significação que dão sentido às ações humanas, permitem interpretações e asseguram práticas sociais. Segundo o autor, os seres humanos são “seres interpretativos, instituidores de sentidos” (1976, p.16). São seres sociais que observam, agem, codificam, organizam, regulam, atribuem e constroem significados em suas relações com os outros, garantindo assim, que suas ações sejam repletas de significação, que suas ações sejam culturais.

A ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam: não em si mesma, mas em razão dos muitos e variados sistemas de significados que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significados dão sentidos às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas “culturas”. Contribuem para assegurar que toda ação social é “cultural”, que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação (HALL, 1976, p. 16).

Define-se assim, o conceito de cultura como “[...] o conjunto de práticas por meio das quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo”, ou seja, a “cultura representa um conjunto de práticas significantes” (MOREIRA e CANDAU, 2007, p. 27). A escola poderia ser um espaço em que as culturas aparecem, onde essas práticas significantes emergem, gritam, espalham-se e entrelaçam-se, apegam-se e desapegam-se, reconstroem-se.

Em minha pesquisa, as observações e vivências no cotidiano da sala de aula e da instituição, como docente dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, me levam a refletir e buscar compreender as interações que emergem entre as crianças, entre elas e a cultura letrada, entre as linguagens utilizadas como forma de expressão, representação e comunicação. Busco, também, compreender-me nessa interação porque sou um sujeito da cultura, com marcas e histórias, em relação com outros sujeitos, de outras culturas; com marcas e histórias próprias, e, por isso, na necessidade de compreendê-los assim, constituímos a nossa relação pedagógica, num diálogo intercultural.

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Quem são essas crianças em minha sala de aula? Como em tal contexto vivem suas culturas infantis? E com que linguagens expressam-se? O que vieram aqui fazer? O que desejam? Do que gostam ou não? Como e com quem vivem? Que lugares ocupam e habitam? O que já sabem? O que precisam aprender? Como interagem entre si? Como interagem com a cultura escolar? E ainda: como poderia como professora, adulta experiente, mediar as interações das crianças entre si e com o conhecimento? Quais as possibilidades de novas construções e interações entre o que seria e é específico da cultura escolar de uma instituição em rede com as interrogações próprias das crianças? Como documentar tais interações, mediações e construções?

As crianças com as quais convivo fazem parte de constituições culturais e sociais distintas, de constituições familiares diversas. São pais trabalhadores do comércio, professores, de setores e órgão públicos, alguns com condição econômica superior, outros nem tanto. As famílias apresentam diferentes estruturas. A maioria das crianças são filhos únicos e alguns possuem irmãos. Algumas famílias vêm diariamente na sala, observando o que as crianças fazem, o que estão pensando, o que estão aprendendo, outras, aparecem às vezes, para saber sobre conflitos ou até mesmo para saber o que está acontecendo na sala; outras, ainda não conheço.

Essas organizações e estruturações aparecem com frequência nas relações pessoais e com o conhecimento que se estabelece na sala de aula. Além disso, interpretam esses contextos sociais e culturais à medida que internalizam a cultura e contribuem para a mudança cultural. Isso acontece por meio de uma vasta rede de socializações plurais, dinâmicas, ativas (CORSARO, 2009).

Se pensarmos a criança enquanto um sujeito histórico e cultural, temos o compromisso de conhecer os alicerces que embasaram essa constituição, ou seja, as famílias. Somos um grupo constituído de interação e relação diária, grupo com distintas características e marcas culturais. Percebo a cada dia que nossa existência dentro da escola é interdependente e entrelaça-se a cada situação vivida. Preciso deles e eles de mim, é uma relação de coexistência que permite que sejamos autores em nossas aprendizagens e que possamos entretecer culturas, viver em um ambiente intercultural produzindo e compartilhando diariamente significados.

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Essa relação que aparece na sala de aula tem como referência a significação de um conceito de infância que é marcado por constituições culturais distintas, por alteridades da infância ante o mundo dos adultos e os processos de aprender que emergem dessas relações de alteridade (DELALANDE, 2011). Faz-se relevante, dessa forma, discutir também as diferentes culturas que estão no espaço escolar, ou seja, as culturas das crianças, as culturas para as crianças e a cultura da própria escola, marcadas pelo currículo.

As culturas da infância vivem do vai-vém das representações do mundo feitas pelas crianças em interacção com as representações “adultas” dominantes. As duas culturas – a especificamente infantil e as da sociedade – que se conjugam na construção das culturas da infância, na variedade, pluralidade e até contradição que internamente enforma uma e outra, referenciam o mundo de vida das crianças e enquadram a sua acção concreta (SARMENTO, 2007, p. 23).

A constituição dessas culturas é marcada pelo advento de uma sociedade multicultural. Há predomínio dos diferentes, de múltiplas e diversas formas de ver e pensar um mundo marcado pelas igualdades e diferenças reconhecidas a partir das pluralidades culturais. Estas podem tanto incluir como excluir. “[...] as culturas da infância são o ponto de confluência desigual de factores que se localizam, numa primeira instância, nas relações sociais globalmente consideradas (especialmente de classe, etnia e gênero) e, numa segunda instância, nas relações inter e intrageracionais” (SARMENTO, 2007, p. 26).

É nas convergências entre as relações de primeira e segunda instância, em que a criança produz ou reproduz, que se confirma a possibilidade de constituição como sujeito ator social, protagonista, sujeito em ação.

O que se viabiliza neste processo é que as crianças são competentes e têm capacidade de formularem interpretações da sociedade, dos outros e se si próprios, da natureza, dos pensamentos e dos sentimentos, de o fazerem de modo distinto e de o usarem para lidarem com tudo o que as rodeia (SARMENTO, 2007, p. 26).

Pensar nesses alicerces da cultura na escolarização inicial, nos leva a pensar, anteriormente nos sujeitos da infância que constituem, criam, recriam e habitam esse espaço de educação formal que é a escola. Para isso, passa-se a pensar e reconhecer essa infância, dentro de seus aspectos históricos, sociais e principalmente dentro das marcas culturais que deram origem a esse termo, esse sentimento, essa categoria social que é a infância.

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1.2 INFÂNCIAS: CATEGORIAS CULTURAIS EM CONSTRUÇÃO

Crianças!4

Pensar em crianças é pensar em multiplicidade, em diferença, aproximação. É pensar em culturas, em histórias, em sociedades que marcam, pensam, vivem, olham esses sujeitos de formas dinâmicas, distintas. Por isso, a escolha da imagem selecionada para ilustrar e provocar esse eixo do primeiro capítulo. Esta imagem foi utilizada em uma Campanha publicitária da Unicef5, em 1976/1977, como pôster sobre a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Marca a questão da multiplicidade cultural e nos leva a pensar as crianças enquanto sujeitos de história, de cultura e pertencentes a meios e contextos sociais.

A infância é um termo muito utilizado e explorado por diferentes áreas do conhecimento, sejam elas vinculadas à antropologia, sociologia, psicologia, pedagogia, saúde, etc. Ela não pode ser vista e conceituada de forma estanque, ou seja, separada dos contextos sociais e culturais com o qual seu conceito se firma, vincula e emerge. O conceito de infância constituiu-se ao longo da história, acompanha os movimentos sociais, culturais e econômicos de cada região do planeta, de modo que este conceito pode variar e ser distinto, dependendo dos contextos em que os sujeitos da infância estão inseridos.

Nos diferentes ambientes do planeta, a infância assume distintos significados. Essa distinção abre possibilidade para uma multiplicidade de conceitos e de visões em torno da infância. Não nos cabe atribuir juízos de valor a esses conceitos. As

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Crianças! Palavra a qual a imagem me remeteu (Imagem retirada do site: http://jornalggn.com.br/noticia/nos-50-anos-de-mafalda-a-festa-e-sempre-nossa)

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histórias das infâncias são múltiplas, como são múltiplos os lugares, os tempos e os sujeitos que habitaram esses tempos e espaços.

Assim, o conceito de infância é marcado por variantes históricas, sociais e culturais, já que “[...] as crianças são constituintes da realidade social, fazem parte de grupos sociais, sendo impossível pensar em uma criança genérica” (DEMARTINI, 2001, p. 12). Esses pressupostos afirmam a ideia de uma infância para além de uma construção biológica, já que o protagonismo dos sujeitos em constituição é uma das premissas para essa construção social da infância.

Sendo uma construção social e cultural, o conceito de infância varia socialmente e culturalmente em qualquer sociedade, e dentro mesmo de grupos sociais e culturais muito próximos, em territórios marcados e delimitados ou não. Essas variações se dão pelas fortes relações entre culturas e sociedades inseridas, presas, sujeitadas pela tradição e a cultura, o que as hibridiza.

Acho que a identidade cultural não é fixa, é sempre híbrida. Mas é justamente por resultar de formações históricas específicas, de histórias e repertórios culturais de enunciação muito específicos, que ela pode constituir um “posicionamento”, ao qual nós podemos chamar provisoriamente de identidade. Isso não é qualquer coisa. Portanto, cada uma dessas histórias de identidade está inscrita nas posições que assumimos e com as quais nos identificamos. Temos que viver esse conjunto de posições de identidade com todas as suas especificidades (HALL, 2003, p. 432-433).

Nesse hibridismo, as forças e marcas econômicas, sociais, culturais e geográficas e históricas sustentam e adaptam o conceito de infância. Mary Del Priore (2002, p. 8)) argumenta que a história sobre a criança, sobre a infância, em todo o mundo, mostra que “existe uma enorme distância entre o mundo infantil descrito pelas organizações internacionais, pelas não-governamentais e pelas autoridades, daquele no qual a criança encontra-se quotidianamente imersa. O mundo que a criança “deveria ser” ou “ter” é diferente daquele onde ela vive, ou no mais das vezes sobrevive”.

Essa distância se dá, talvez, pelo fato de a infância ter se constituído, como afirma Lajonquiére (apud CORAZZA, 2002), em cima de acasos e histórias de gente grande. Dessa forma, criam-se e recriam-se, inventam-se e reinventam-se dispositivos para conceituar e significar essa infância, tão marcada pelas adultices dos diferentes tempos e espaços da sociedade. Por isso, o conceito de infância

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ainda é atrelado e fortemente ligado ao que o adulto pensa ou sente em relação à infância. Corazza (2002) explica que as crianças são as grandes ausentes da história, pois os discursos em torno delas não existiam e foram sendo criados com base em discursos, narrativas e histórias6.

As crianças são as grandes ausentes da história simplesmente porque, no chamado “passado” – da Antiguidade à Idade Média -, não existia esse objeto discursivo a que hoje chamamos “infância”, nem essa figura social e cultural chamada “criança”, já que o dispositivo de infantilidade não operava para, especificamente, criar o “infantil”, embora já maquinasse como máquina, que vinha operativamente funcionando (CORAZZA, 2002, p. 81).

Gomes (2009, p.82) relata que, ao longo dos anos, a tematização da criança e da infância passou, de mero objeto de investigação, para a promoção de sujeitos nas investigações, sendo considerados então, como “atores sociais, produtores de sentido, plenos participantes das práticas sociais nas quais se encontram envolvidos”. A criança tornou-se atuante e ativa nas diferentes relações sociais dos diferentes contextos culturais, o que nos leva a pensá-la e assumi-la como sujeito de interação ativa com outros sujeitos e com o meio em que se insere, ou seja, pensá-la como protagonista, atuante e engajada em suas vivências. Inserida em uma história, a criança, sujeito protagonista, não receberá e herdará apenas culturas e história, e sim, atuará na constituição dessas culturas.

Com base nesses argumentos, Kramer (2009, p. 169) traz a infância como “categoria social e como categoria da história humana”. É com base neste conceito que a discussão deste texto terá continuidade. Ao situá-lo como categoria social e histórica, não se atribui valor a um conceito ou não se define um conceito como certo ou errado, e sim, a sua flexibilidade que se constituirá de diferentes formas nos diferentes espaços de significância cultural e social. Traçar um perfil de infância hoje é impossível, pois as crianças vivem em condições sociais, culturais e econômicas muito diferentes, vivendo experiências muito diversas. Além disso, ao discutir e estudar a infância depara-se com outros termos muito utilizados e que têm forte relação com esse conceito, que é a ideia de criança.

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Em relação aos aspectos históricos relativos à infância os autores Heywood (2004) e Ariès (1981) argumentam em suas pesquisas sobre a construção social do sentimento de infância, tão ausente durante o período da Idade Média. Segundo esses autores, a criança sempre foi vista atrelada ao mundo adulto, à força de trabalho e foi apenas com a inserção da criança na educação formal que surge um novo sentimento dentro dos ambientes familiares. Este sentimento foi transformado, modificado, problematizado ao longo dos séculos, pelas distintas sociedades. As pesquisas desses autores são referência no que diz respeito aos aspectos históricos de constituição da infância.

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Javeau (2005), ao discutir os objetivos das ciências sociais que estudam a infância, apresenta e conceitua três termos muito utilizados nesses estudos partindo do pressuposto que a infância designa e nos remete a muitos sentidos. Ele apresenta o termo e o conceito de “criança”, “infância” e “crianças”. Segundo o autor, o conceito de criança é de ordem e conotação psicológica e refere-se a uma fase do desenvolvimento humano. Já o conceito de infância, parte de uma perspectiva demográfica e, novamente, situa o infante em um período de uma faixa etária. Por fim, o conceito de crianças, vem pelo viés antropológico, problematizado e discutido pelo autor como “[...] uma população ou um conjunto de populações com pleno direito (científico), com seus traços culturais, seus ritos, suas linguagens, suas “imagens-ações” ou, menos preciso no tempo e no espaço, com suas estruturas e seus “modelos de ações” (JAVEAU, 2005, p. 385).

Esse conceito trata e põe em evidência, segundo Javeau (2005), os significados que as crianças atribuem as suas vidas, as suas culturas, as suas realidades, seja no âmbito familiar, escolar, da rua ou dos grupos sociais nos quais convivem. Ao longo desta pesquisa, assumo esse posicionamento, concordando com Javeau (2005), ao pensar os sujeitos da pesquisa enquanto “crianças” em interações cotidianas vividas em territórios distintos e diversos; ou seja, em territórios com múltiplas constituições históricas, sociais e culturais. Weschenfelder, Belter e Marin (2011, p. 84) argumentam que pensar as crianças com esse olhar é considerar “a infância como categoria social e reconhecer a emergência da agência das crianças”.

Um dos territórios onde a criança assume sua agência, seu papel agente de socialização, interação e que o conceito de infância é construído social e culturalmente é o espaço escolar. Pensar a criança enquanto sujeito social e cultural é pensá-la vivendo e estabelecendo relações em diferentes e diversos ambientes e em interação com muitos sujeitos. Weschenfelder, Belter e Marin (2011, p. 85) enunciam a necessidade de a escola e os professores conhecer o universo infantil e argumentam que:

Sabemos que a infância levou muito tempo na história para ser percebida enquanto categoria social. Hoje, buscamos compreender a criança como um sujeito e a infância como uma construção social e histórica. Afinal, conhecer mais sobre o mundo infantil, ou a cultura da infância, além de ser instigante, é uma necessidade pedagógica para a escola e também para os cursos de formação docente. As contribuições

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mencionadas são produtivas, tornam-se referenciais balizadores de uma nova forma de ver e compreender as crianças, o que nos permite, na condição de pedagogos da escolarização inicial, o descentramento da visão adulta sobre as crianças e o exercício de um novo olhar partindo da escuta

Nesse contexto marcado pela necessidade de conhecimento do universo infantil, de compreensão e escuta das crianças, de descentração da visão do adulto e de abertura para relações de heterogeneidade, que a criança se insere na escola. Por isso, passa-se, a partir de então, a pensar esse currículo que tem a função de dar continuidade a essa constituição cultural dos sujeitos, afinal a escola é espaço de cultural, que se entrelaça a cultura das crianças, construindo uma cultura própria, que é a cultura escolar.

1.3 CURRÍCULO: A CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA ESCOLAR

Pensar ou moldar? Eis a questão?7

Não se constrói uma escola, um currículo sem pensar nas culturas e infâncias que invadem esse espaço. Mas pensar essas instâncias exige amplitude, desconstrução, reflexão, ações para além de moldes, de padrões. Afinal, escola é lugar de pensar ou moldar? Esse pressuposto define e marca as referências culturais nas quais essa instituição construirá suas bases teóricas e metodológicas. Diante disso, após analisar e explanar os conceitos de cultura, crianças e infância, assim como seus entrelaçamentos nos diferentes espaços de convívio social que os sujeitos habitam e vivem, passa-se a esclarecer e argumentar sobre o currículo e a

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construção de uma cultura escolar. Essa discussão torna-se pertinente à medida que se pensa a escola, como uma instituição que constrói suas funções a partir da necessidade e do vínculo com a infância e com as relações culturais que se estabelecem dentro desse espaço que também é marcado pela sua própria cultura.

Quando se fala em escola e cultura se fala em currículo, pois, fortemente vinculado à escola estão as marcas desse currículo, que orienta, delineia e conduz os processos pedagógicos dentro da instituição escolar. Nele, pautam-se desafios, orientações, normas, rotinas, tempos, espaços, conteúdos e as demais possibilidades e indagações que a instituição escola têm para com o processo formal de educação, desde a Educação Infantil, até o Ensino Superior. O currículo é a possibilidade que se tem de olhar para dentro da escola e suas complexidades, pluralidades, de olhar para os sujeitos nela envolvidos além de suas condições pedagógicas e epistemológicas, levando em consideração as relações dialógicas e interações sociais e culturais que se estabelecem nesse espaço. Por isso, entrelaçado à cultura escolar, torna-se um documento constitutivo das marcas e conceitos dessa instituição, não carrega em si a função de transmissão, mas sim, de questionamento, tensão e problematização do conhecimento, da cultura e das relações sociais que se estabelecem e emergem no espaço escolar.

Por isso, é comum encontrarmos diferentes e diversas indagações em torno do currículo, sendo estas levantadas e problematizadas por professores, gestores, autoridades; enfim, indagações levantadas por todos aqueles que estão de uma forma ou outra, envolvidos com a educação, e assim, com o currículo. Diante disso, conhecer e esclarecer o significado do currículo é importante, já que este é debatido frequentemente nos espaços sociais e culturais que envolvem a formalidade da educação.

Goodson (2013, p. 31) apresenta a origem etimológica da palavra currículo que, segundo o autor, “vem da palavra latina Scurrere, correr, e refere-se a curso (ou carro de corrida)”, remetendo-nos a ideia de “curso a ser seguido, ou, mais especificamente, apresentado”. Esse significado etimológico atribui uma forte relação entre currículo e poder, pois nele, englobam-se, segundo Goodson (2013) o contexto social em que os conhecimentos são produzidos e concebidos e a forma como esses conhecimentos são “traduzidos” para o meio educacional. Pontua, ainda

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que existe certa alienação, estranheza na relação entre o currículo e as teorias de currículo, entre esse conhecimento produzido e esse conhecimento traduzido para a escola e que espera-se que ambos, na realidade, mantenham estreitamente interligados, “uma vez que os estudos curriculares se alimentam da teoria” (p. 47).

De acordo com Moreira e Candau (2007, p.17-18)

À palavra currículo associam-se distintas concepções, que derivam dos diversos modos de como a educação é concebida historicamente, bem como das influências teóricas que a afetam e se fazem hegemônicas em um dado momento. Diferentes fatores socioeconômicos, políticos e culturais contribuem, assim, para que o currículo venha ser entendido como:

(a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos;

(b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos;

(c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais;

(d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; (e) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização.

Não há uma predeterminação do que seja certo ou errado com relação às atribuições do conceito de currículo, pois estas refletem diferentes posicionamentos e pontos de vista de diferentes pressupostos teóricos. O que se pode dizer é que as determinações de currículo podem envolver diferentes áreas do conhecimento, e de que na educação, referem-se às experiências escolares que se desdobram em situações de conhecimento, que constroem a identidade dos professores e dos alunos e que, principalmente, referem-se ao “conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas” (MOREIRA, CANDAU, 2007, p. 18). Tais esforços e intenções educativas, são vistos e analisados dentro de contextos históricos e sociais e passíveis de contingência, provisoriedade e mutáveis, segundo os autores.

Grundy assegura que “O currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de organizar uma série de práticas educativas” (apud SACRISTÁN, 2000, p. 14). Por isso, o currículo constrói-se culturalmente fortemente vinculado a concepções econômicas, políticas, científicas, filosóficas, pedagógicas; enfim, àquilo que orienta e norteia um determinado espaço em um determinado tempo. Dessa forma, segundo Sacristán (2000), o currículo pode ser visto e afirmado a partir de diferentes

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acepções e perspectivas vistas a partir de sua função social, de seu caráter de plano educativo, da expressão formal e material dos conteúdos escolares e suas orientações, as ações do campo prático e processos educativos dentro da escola, além de referir-se a algum tipo de atividade discursiva e acadêmica envolvendo ações de pesquisa.

O resultado dessas acepções é a relação do currículo com a instrumentalização do conhecimento e dos conteúdos dentro da escola o que a torna um sistema social, pois, por meio deles, concretizam-se as próprias funções da escola. O currículo demonstra a forma de organização da escola, suas concepções pedagógicas e a forma como estas acontecem no espaço escolar. Moreira e Candau (2007) afirmam que o currículo é o coração da escola, o espaço no qual todos atuam e elaboram, refletem e constroem, buscam e aprendem, e assim corresponde às questões relativas ao conhecimento e à constituição da identidade dos sujeitos da escola.

O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos ensino. É uma prática que se expressa em comportamentos práticos diversos (SACRISTÁN, 2000, p. 15 – 16).

Todo currículo é marcado pela questão central do conhecimento, ou seja, todo currículo volta-se para a questão de qual conhecimento deve ser ensinado. Partindo dessa problematização, abrangem-se as questões relativas ao processo de aprender e ensinar, aos sujeitos professor e aluno envolvidos diretamente nesse processo, as discussões em torno do contexto social e cultural da escola que vai ensinar esses conhecimentos e dos sujeitos que vão aprender. Enfim, pensar o conhecimento remete-nos a outra série de discussões que emergem no acontecer e desvendar dos currículos escolares.

O currículo não é um elemento inocente, neutro, de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais

particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal –

Referências

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