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Nesta seção analisamos a relação existente entre o currículo do PME e a concepção/finalidades inerentes à perspectiva de educação integral em tempo integral adotada pelo Brasil no referido programa. Demonstramos que, em razão da concepção/finalidades dessa perspectiva de educação integral, o governo federal brasileiro, estrategicamente, concebeu e prescreveu para o PME uma configuração curricular capaz de corresponder e favorecer aos ideais educativos subjacentes a essa concepção/finalidades. Assim, com base nessa discussão respondemos as duas últimas questões investigativas do estudo: por que no currículo do Programa Mais Educação foi prescrito o mecanismo curricular macrocampos temáticos? Por que na configuração curricular presente no Programa Mais Educação, a ampliação do tempo escolar ganhou destaque?

Considerando, então, a finalidade da seção e o conteúdo a ser abordado por ela, dividimo-la em três subseções assim intituladas: “concepção/finalidades da educação integral em tempo integral expressas no Programa Mais Educação”, “mecanismos curriculares e suas relações com a concepção/finalidades da educação integral em tempo integral no Programa Mais Educação” e “alguns limites, desafios e implicações do Programa Mais Educação”

Na primeira subseção apresentamos, à luz dos documentos do PME, a concepção e finalidades subjacentes à perspectiva de educação integral em tempo integral adotada pelo governo federal, evidenciando as intenções do governo ao apostar nessa política de educação integral, da qual o PME constitui-se uma estratégia operativa.

Já na segunda subseção, demonstramos como o currículo definido para o PME corresponde e favorece, ao menos formalmente, à concepção e finalidades dessa perspectiva de educação integral. Para isso, identificamos e analisamos as relações de correspondência existentes entre alguns mecanismos curriculares como os macrocampos temáticos e a ampliação do tempo escolar e os ideais educativos prescritos para essa perspectiva político- pedagógica de educação integral em tempo integral, adotado pelo governo federal.

A terceira e última subseção traz à tona alguns limites e desafios dessa perspectiva de educação integral em tempo integral, suscitados a partir da leitura e analise das prescrições curriculares do PME, bem como destaca algumas implicações possíveis de serem reverberadas na organização e atribuições da escola, caso o sistema público de educação venha, efetivamente, adotar essa perspectiva educacional.

Embasados, então, pela produção teórica do currículo e da educação integral em tempo integral, bem como pelos resultados obtidos a partir das questões investigativas, desenvolvemos a tese de que em razão da concepção de educação integral adotada pelo governo federal brasileiro, compreendida pelo binômio formação e proteção integral, bem como por suas finalidades: diminuição das desigualdades educacionais e melhoria da aprendizagem, tal governo prescreveu no Programa Mais Educação uma configuração curricular favorecedora do desenvolvimento dessa concepção/finalidades de educação integral, o que justificou, por exemplo, a criação dos macrocampos temáticos e a ampliação do tempo escolar, fatores esses que podem provocar mudanças significativas no papel histórico da escola pública, já que esta, além de desenvolver um papel formador de cunho científico, passará a desenvolver, também, um papel protetor junto aos mais vulneráveis socialmente.

5.1 CONCEPÇÃO/FINALIDADES DA EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL EXPRESSAS NO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO

Partimos do pressuposto de que a perspectiva de educação integral adotada pelo governo federal, expressa no Programa Mais Educação, fundamenta-se em uma concepção de educação integral e esta, por sua vez, se exprime, por meio de alguns elementos curriculares selecionados, intencionalmente, para atender aos ideais subjacentes a essa concepção/finalidades educacionais64. Assim, para podermos demonstrar essa relação de correspondência decidimos, primeiramente, apresentar a referida concepção/finalidades, à luz dos documentos do PME, para, em seguida, analisarmos sua relação com o currículo prescrito.

A concepção de educação integral adotada pelo governo federal brasileiro compreende a formação e a proteção integral do ser humano. Esses dois conceitos articulam-se e fundamentam tal proposta educacional conforme afirma Saboya (2012, p. 55).

O PME, como indutor de estratégias para ampliar a jornada escolar e a organização curricular numa perspectiva de educação integral (MEC, 2010a), traz suas concepções de educação integral pautadas na formação humana, mas também na

proteção integral. (grifos da autora).

64 Apesar de utilizarmos duas categorias conceituais diferentes – concepção e finalidades – e, embora tais categorias exprimam sentidos diferentes no contexto da educação integral em tempo integral adotada pelo governo federal, as finalidades são expressões ou consequências articuladas ou vinculadas diretamente às ideias/conceitos que fundamentam a concepção de educação integral. Por essa razão, as considerações acerca dessas duas categorias, nesta tese, serão feitas conjuntamente, isto é, ao mesmo tempo.

Com o intuito de tornar evidentes as informações sobre esses dois conceitos fundantes da referida concepção de educação integral, construímos dois quadros sínteses com fragmentos documentais, por meio dos quais podemos confirmar, não só a presença, mas, também, a caracterização e a importância da formação e da proteção integral do ser humano, no âmbito dessa perspectiva educacional.

Quadro 24 - Presença da ideia de formação integral nos documentos do Programa Mais Educação

Documentos Fragmentos

Portaria nº 17/2007 Art. 1° Instituir o Programa Mais Educação, com o objetivo de contribuir

para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, [...];

(BRASIL1, 2007, p. 1).

Decreto nº 7.083/2010 Art. 3o São objetivos do Programa Mais Educação:

[...] IV - disseminar as experiências das escolas que desenvolvem

atividades de educação integral; e [...]; (BRASIL2, 2010, p. 2).

Caderno Educação Integral: texto referência para o debate nacional

Essas experiências e concepções permitem afirmar que a Educação Integral se caracteriza pela ideia de uma formação “mais completa possível” para o ser humano [...]. (BRASIL3, 2009, p. 16).

Caderno Rede de Saberes Mais Educação: Pressupostos para Projetos Pedagógicos de Educação Integral

[...]. Uma educação integral estruturada a partir de um conceito de

integralidade, que supere termos como “contraturno” e “atividades complementares”, bem como saberes escolares e saberes comunitários. (BRASIL4, 2009, p. 14).

Caderno Gestão Intersetorial no

Território [...] sugere-se que as ações do Programa sejam trabalhadas na perspectiva da formação integral dos sujeitos [...]. (BRASIL5, 2009, p. 8).

O Programa Mais Educação visa [...] e que considerem as seguintes orientações:

I. Contemplar a ampliação do tempo e do espaço educativo de suas redes e escolas, pautada pela noção de formação integral e emancipadora; (BRASIL5, 2009, p. 14).

Manual Operacional de

Educação Integral/2014 [...] Apoio à formação integral dos estudantes com ações de prevenção e atenção à saúde, por meio de atividades educativas que poderão ser

incluídas no projeto político pedagógico [..]. (BRASIL6, 2009, p. 16). Deste modo, a estruturação do Programa Escolas Interculturais de Fronteira delineia [...] e a formação integral dos sujeitos envolvidos

neste processo educacional. (BRASIL6, 2009, p. 39).

Fonte: Documentos do Programa Mais Educação

O quadro evidencia que todos os documentos do Programa Mais Educação mencionam a formação integral do ser humano. A formação integral constitui-se não somente um conceito fundante da concepção de educação integral adotada pelo governo, mas uma finalidade a ser alcançada pelo desenvolvimento dessa perspectiva de educação. Ao falar de formação integral os documentos aludem a uma formação mais completa e articulada do ser humano, de modo a abranger as suas diversas dimensões; postulam uma formação integral emancipadora capaz de favorecer ao desenvolvimento da autonomia e da consciência crítica; deixam imprimir o sentido de uma formação integrada do ponto de vista curricular e da prática pedagógica, de modo a superar as diversas fragmentações do sistema educacional escolar e integral do ponto de vista de que deve ser realizada em tempo integral. Essa ideia de formação integral parte de um conceito de homem integral, o qual precisa ser desenvolvido

em sua totalidade. Tal compreensão de formação integral coaduna-se com a perspectiva da “Educação Integral como formação integral do ser humano”, apresentada por Guará (2006), em que o sujeito é colocado no centro das indagações e preocupações da educação, na perspectiva de um desenvolvimento integrado de suas faculdades cognitivas, afetivas, corporais e espirituais, resgatando, como tarefa prioritária da educação, a formação do homem em sua totalidade. Com base no exposto, é possível dizer que tal compreensão de formação integral exige um currículo que articule atividades de caráter diversificado, capaz de considerar e explorar as várias dimensões ou aspectos da vida humana. Por isso, o PME considera as diversas áreas do conhecimento científico, macrocampos temáticos de caráter socioeducativos, experiências, saberes e projetos sociais capazes de possibilitar a diversificação, o enriquecimento e a ampliação da formação humana. O outro conceito subjacente à concepção de educação integral defendida pelo governo é o de proteção integral65 do ser humano, conforme caracterização a seguir.

Quadro 25 - Presença da ideia de proteção integral nos documentos do Programa Mais Educação

(continua)

Documentos Fragmentos

Portaria nº 17/2007 [...] o Estado deve prover proteção social à criança, ao adolescente e ao

jovem, bem como a suas famílias, nas situações de vulnerabilidade, risco ou exclusão social [...]. (BRASIL1, 2007, p. 1).

[...] O programa será implementado por meio do apoio à realização, em escolas e outros espaços sócio-culturais, de ações sócio-educativas no contraturno escolar, [...] mobilizando-os [...] à garantia da proteção social, da assistência social e à

formação para a cidadania [...]. (BRASIL1, 2007, p. 2).

Decreto nº 7.083/2010 Art. 3º São objetivos do Programa Mais Educação:

V - convergir políticas e programas de saúde, cultura, esporte, direitos

humanos, educação ambiental, divulgação científica, enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, integração entre escola e comunidade [...]. (BRASIL2, 2010, p. 2).

Art. 5º O Ministério da Educação definirá a cada ano os critérios de priorização de atendimento do Programa Mais Educação, utilizando, entre outros, [...] e às

situações de vulnerabilidade social dos estudantes. (BRASIL2, 2010, p. 3).

Caderno “Educação Integral: texto referência para o debate nacional”

Essa multiplicidade de funções que se atribui à escola hoje representa, de fato, um grande desafio – essa instituição se vê como educadora, mas também

como “protetora” [...]. (BRASIL3, 2009, p. 17).

Nesse duplo desafio – educação/proteção – no contexto de uma “Educação Integral em Tempo Integral”, ampliam-se as possibilidades de atendimento, cabendo à escola assumir uma abrangência que, para uns, a desfigura e, para outros, a consolida como um espaço realmente democrático. (BRASIL3, 2009, p. 17).

65 Cabe esclarecer que os documentos do PME não utilizam um único termo ao se referirem à proteção das crianças, adolescentes e jovens. As expressões “proteção social”, “atenção integral” e “proteção integral” são utilizadas como sinônimos. Apesar de diferentes, os termos se imbricam, pois trata-se da garantia de direitos da infância. Neste sentido, utilizaremos a expressão “proteção integral” como conceito constituidor da concepção de educação integral em tempo integral expressa no PME por considerá-la mais ampla e por entendermos que a proteção social é uma das formas constitucionais de viabilizar a proteção integral das crianças e adolescentes, direito previsto tanto na Constituição, quanto no ECA, documentos utilizados pelo PME como fundamentos de sua concepção de educação integral.

A formulação de uma proposta de Educação Integral está implicada na oferta dos serviços públicos requeridos para atenção integral, conjugada à proteção

social, [...]. (BRASIL3, 2009, p. 28).

Caderno Rede de Saberes Mais Educação: Pressupostos para Projetos Pedagógicos de Educação Integral

[...] é preciso reconhecer que a escola representa espaço fundamental para o desenvolvimento da criança, do adolescente e do jovem, constituindo-se como um importante contexto de socialização, [...] e, finalmente, de afirmação,

proteção e resgate de direitos. (BRASIL4, 2009, p. 8).

Os programas que são apresentados pelo Desenvolvimento Social promovem a

garantia de direitos e proteção social, por meio de serviços de atenção direta e avaliação do grau de proteção de grupos vulneráveis. (BRASIL4, 2009, p.

58).

Interfaces pedagógicas:

– Acompanhamento dos processos de aprendizagem de crianças/jovens e famílias em condições de vulnerabilidade social;

– Inserção da escola na rede de proteção e no sistema de garantia de direitos; (BRASIL4, 2009, p. 59).

Caderno Gestão

Intersetorial no território Dessa forma, a Educação Integral constitui ação estratégica para garantir proteção e desenvolvimento integral às crianças e aos adolescentes que vivem na contemporaneidade marcada por intensas transformações: [...].

(BRASIL5, 2009, p. 18).

Equacionar metas e recursos, meios e fins, é tarefa tão urgente quanto necessária para uma ação governamental responsável pela garantia de proteção integral às

crianças e adolescentes brasileiros. (BRASIL5, 2009, p. 39). Manual Operacional de

Educação Integral/2014 Histórias em Quadrinhos gosto pela leitura e para o desenvolvimento estético-visual de projetos – Utilização deste gênero textual para a formação do educativos, numa perspectiva de respeito à diversidade; proteção da infância e

adolescência; equidade de gênero e diversidade sexual; enfrentamento ao trabalho infantil. (BRASIL6, 2014, p. 10).

Inclusão de pessoas com deficiência; democracia e cidadania; liberdade artística, livre expressão do pensamento, entre outras. (BRASIL6, 2014, p.

10).

[...]. Seu objetivo é fortalecer a integração entre escola e comunidade, ampliar as oportunidades de acesso a espaços de promoção da cidadania e contribuir para

a redução da violência escolar em unidades localizadas em regiões de risco e vulnerabilidade social. (BRASIL6, 2014, p. 28).

Fonte: Documentos do Programa Mais Educação.

A ideia de proteção integral se confunde nos documentos pesquisados com atenção integral, proteção e assistência social. Consiste na identificação de famílias, crianças, adolescentes e jovens em situação de risco e vulnerabilidade social, bem como no enfrentamento dessas situações problemas. Essa ideia de proteção se fundamenta na doutrina da proteção integral concebida como direito das crianças, adolescentes e jovens em desenvolvimento, conforme destaca Carvalho e Lacerda (2010, p. 16):

A Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e Adolescente de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 reconfiguraram as responsabilidades do Estado, da família e da comunidade. Foram instituídos novos mecanismos de intervenção tanto nas famílias quanto nos sistemas de ensino, como Conselhos Tutelares e Procuradorias da Infância e da Juventude, para garantir os direitos da população em idade de escolarização obrigatória. Na esteira destas transformações, fortaleceu-se a doutrina da proteção integral que entende a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, cujos direitos devem ser garantidos e efetivados através de uma Rede de Proteção Integral.

Os focos principais da proteção, destacados pelos documentos, referem-se ao enfrentamento da violência doméstica, do trabalho infantil, do uso de drogas, da violência escolar etc, causados por fatores de ordem econômica, cultural, gênero, dentre outros, buscando a garantia do direito ao bem estar físico e mental, à livre expressão, à afirmação e à diferença de gênero, sexualidade, diversidade cultural, dentre outros aspectos. A proteção integral é vista como um direito das crianças, adolescentes e jovens em idade escolar que vivem em situação de vulnerabilidade social. Neste sentido, a escola é considerada uma instituição que deve compor a rede de proteção social, devendo atuar na educação e na proteção ao mesmo tempo. Em função disso, o governo federal prescreveu ao Programa Mais Educação um currículo diversificado envolvendo as áreas da saúde, cultura, esporte, direitos humanos, educação ambiental, divulgação científica, enfrentamento da violência, dentre outras, capaz de incidir, simultaneamente, na formação e na proteção integral da infância. Considerando tais características, podemos afirmar que existe uma semelhança dessa ideia de proteção integral com o conceito defendido por Carvalho e Lacerda (2010, p. 16).

A proteção integral supõe a articulação dos serviços públicos – estatais ou não – endereçados ao cumprimento dos direitos sociais (saúde, educação e assistência) de crianças e adolescentes, principalmente aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, ou seja, tem como requisito a lógica da intersetorialidade.

Os quadros evidenciam, com clareza, a opção do governo federal por uma concepção de educação integral fundamentada pela ideia de formação e proteção integral do ser humano. Apesar de serem dois conceitos distintos, a intenção do governo é que na prática pedagógico- curricular eles não se separem. As atividades de formação acadêmica devem ser também as de proteção. Aliás, a proteção se dá exatamente pela formação, informação e prevenção das crianças, adolescentes e jovens ocupadas com essas atividades no contra turno escolar. A Portaria nº 17/2007 e o Decreto nº 7.083/2010 referem-se a essas atividades como atividades socioeducativas, aludindo ao seu caráter e finalidade. Pinheiro (2009), ao estudar a referida Portaria, a qual instituiu o PME, constata o caráter formativo, assistencial e protetor dessas atividades curriculares do PME, ligando-as às políticas de assistência e proteção à criança, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social66.

O governo federal acredita que por meio dessa concepção de educação integral, compreendida por formação e proteção, a ser desenvolvida pela escola, preferencialmente em parceria com outras organizações sociais, seja possível garantir ao estudante a possibilidade

66 De acordo com Kaztman (2000) apud Carvalho e Lacerda (2010) o conceito de “vulnerabilidade social” relaciona-se ao estado ou situação de risco potencial de perda do bem estar social em que indivíduos ou grupos sociais estão expostos, decorrente da inserção precária no mercado de trabalho e da fragilidade de acesso a possíveis suportes ou oportunidades sociais que deveriam ser oferecidas pelo mercado, Estado e sociedade.

de um desenvolvimento humano seguro, saudável e com êxito. Por essa razão é que tal projeto político pedagógico de educação integral busca convergir, em seu bojo, políticas e programas de áreas diversificadas, chamando-as para um trabalho intersetorial, na perspectiva de um enfrentamento conjunto desses dilemas educacionais e sociais. A partir desses esforços, vislumbra-se a igualdade de condições educacionais e a melhoria da aprendizagem, as duas grandes finalidades a serem perseguidas por esse projeto de educação integral em tempo integral.

Para além desses dois conceitos basilares que caracterizam a concepção de educação integral adotada pelo governo federal, é possível identificar, ainda, outros atributos dessa perspectiva de educação, a partir das determinações ou prescrições pedagógico-curriculares presentes nos documentos do PME. Dentre esses atributos, provavelmente decorrentes dos fundamentos de tal concepção educacional, destacam-se: ampliação do tempo, ampliação do espaço educativo, ampliação dos responsáveis pela educação escolar, dentre outros. São aspectos presentes nas tendências contemporâneas de educação integral, conforme mencionado por Coelho (2005, p. 83):

[...]. Mas também podemos discuti-la levando em consideração tendências que a caracterizam contemporaneamente, como a que se apresenta no binômio educação/proteção, educação integral/currículo integrado ou educação integral/tempo escolar, por exemplo.

Destaca-se, ainda, na caracterização dessa perspectiva educacional, o aspecto “intersetorialidade”. Esta expressão aparece muitas vezes nos documentos do PME e refere-se à ideia de parceria entre Estado, escola e comunidade, bem como à articulação e gestão conjunta de políticas públicas. Configura-se como uma estratégia de enfrentamento dos problemas socioeducacionais, exigida por tal concepção de educação integral em tempo integral adotada pelo governo federal. Essa concepção de intersetorialidade coaduna-se com o pensamento de Bronzo e Veiga (2005), Bronzo (2007), que, parafraseados por Ahlert (2010, p. 6), afirmam:

O reconhecimento da vulnerabilidade social como fenômeno de múltiplas dimensões coloca no centro do debate três elementos: a intersetorialidade na gestão das políticas educacionais, a relação entre a escola e a família (ou o contexto social no qual está inserida a escola) e as iniciativas de acompanhamento da frequência dos alunos em situação de vulnerabilidade. O primeiro destes elementos, a intersetorialidade, é uma estratégia de gestão que dialoga diretamente com a visão multifacetada da pobreza, concebendo-a não apenas economicamente, mas também como formada por fatores culturais, sociais, familiares, intergeracionais e individuais. A intersetorialidade é um olhar baseado na integralidade e, desta forma, no enfrentamento coletivo da pobreza, pela articulação de redes entre diferentes serviços, órgãos governamentais e não-governamentais.

Do ponto de vista legal, essa concepção de educação integral em tempo integral, fundamentada pela ideia de formação e proteção integral do ser humano, se fundamenta em documentos como a Constituição de 1988; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996; Plano Nacional de Educação, Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001; Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, dentre outros.

[...]. Por sua vez, a Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE), a exemplo da Constituição Federal de 1988 e da LDB, retoma e valoriza a Educação Integral, como possibilidade de formação integral da pessoa. [...]. Aliado à Constituição Federal e à LDB, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu Capítulo V, artigo 53, complementa a proposição de obrigatoriedade do acesso e da permanência na escola, reconhecendo que o desenvolvimento integral da criança e do adolescente requer uma forma específica de proteção e, por isso, propõe um sistema articulado e integrado de atenção a esse público, do qual a escola faz parte. (BRASIL, 2009b, p. 22).

Cabe destacar, ainda, que a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprovou o novo Plano Nacional de Educação (2014-2024), a Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007 que Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, bem como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, fazem referência e consideram a educação integral em tempo integral em suas determinações específicas.

Do ponto de vista teórico, o governo federal tem buscado fundamentar e justificar essa opção em pesquisas e discursos que sustentam a relação direta entre educação e pobreza e