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Consideramos importante citar o curso ministrado no segundo semestre de 2011 na escola Espaço Musical, intitulado A ssimetrias Temporais, parte do programa de Formação de Músicos Educadores (FME) oferecido pela escola. No decorrer dessa atividade foi possível elaborar e testar um vasto material para a prática da improvisação, principalmente os materiais diretamente vinculados à improvisação a partir de parâmetros rítmicos complexos. No curso, ministrado pela autora, foram criados ostinatos para a improvisação em medidas assimétricas e foram aplicadas propostas que se utilizaram da corporalidade para a internalização de parâmetros rítmicos, além de processos criativos em grupo que foram desenvolvidos a partir desse enfoque. A improvisação nesse caso foi proposta individualmente, em duplas, em pequenos grupos e para o grupo todo, sendo que os participantes que não realizavam a improvisação observavam e comentavam o processo de improvisação dos colegas. No curso de A ssimetrias Temporais a improvisação passou por quatro meios de expressão: o corpo, a voz, o teclado e o instrumento de cada participante. Muitas das propostas realizadas durante a disciplina foram aprofundadas nos workshops que vamos descrever adiante.

Como exemplo, vamos detalhar uma das propostas do curso: a descrição de uma aula para desenvolver a improvisação em um “blues assimétrico”, criado especialmente para essa disciplina. Essa foi uma das primeiras experiências do grupo a partir de um idioma musical conhecido com alguns parâmetros rítmicos que utilizamos para a improvisação.

4.2.1. Etapas da aula para improvisação no “blues assimétrico”

Objetivos

Nosso objetivo nessa aula foi o de fornecer elementos para que os alunos pudessem improvisar nessa combinação métrica, utilizando uma única configuração escalar (a mesma escala blues ilustrada no artigo Inside the sound, agora em Dó) com a ajuda de alguns padrões rítmicos descritos nas etapas a seguir.

Etapa 1

Primeiro realizamos a forma básica do “blues assimétrico” nos teclados (a sala para essa disciplina dispunha de um teclado para cada aluno), que no caso era composto por uma combinação métrica de 5/4 + 4/4, como vemos no exemplo:

Fig.4.5- “Blues assimétrico” elaborado como base para improvisação

Fig.4.6- Escala utilizada para improvisação no “blues assimétrico”

Etapa 2

Nesta etapa propusemos um exercício com pequenos padrões rítmicos, realizado com passos e palmas. A princípio realizamos o exercício apenas com palmas, logo depois de tocar o blues nos teclados. A seguir os alunos realizaram o mesmo exercício com palmas e andando pela sala, sendo que nas mudanças de 5 para 4, foi solicitado aos alunos que mudassem de direção. Por exemplo: 5 passos para frente, 4 para trás, 5 para o lado direito, 4 em direção a um colega, e assim por diante, enquanto faziam os padrões rítmicos com palmas. Cada padrão rítmico foi realizado duas vezes, sendo os padrões realizados os seguintes:

 

Fig.4.7- Padrões rítmicos de apoio para improvisação no “blues assimétrico”

Etapa 3

Na etapa seguinte, realizamos os mesmos padrões acima na forma do blues assimétrico, resultando no seguinte exercício (o exemplo mostra o blues realizado com o padrão rítmico 2):

Fig.4.8- Padrão rítmico realizado na forma no “blues assimétrico”

Etapa 4

Neste exercício o grupo formou um círculo ao redor do piano (aqui apenas o professor tocava a base do blues assimétrico). Foi pedido aos alunos que, dentro da escala blues, cada um escolhesse uma nota para cantar, sendo que esta poderia variar a cada compasso. Nesse exercício o grupo cantava todos os padrões rítmicos do mesmo modo do exercício anterior, mas com as notas soando ao mesmo tempo, variando as alturas dentro da escala blues, formando “clusters” no decorrer da forma, como ilustra a figura abaixo (o exemplo mostra o blues com improvisação vocal em grupo realizada com o padrão rítmico 3):

 

Fig.4.9- Padrão rítmico para improvisação vocal coletiva sob a base do “blues assimétrico”

Etapa 5

Na última etapa desse processo, cada aluno voltou para o teclado e a improvisação foi sugerida individualmente, sendo que os outros alunos podiam realizar a base blues ou apenas escutar o colega, enquanto o professor seguia fazendo a base. Para aqueles que tiveram mais dificuldade de improvisar no teclado nesse contexto rítmico, foi sugerido que continuassem a utilizar os padrões rítmicos dos exercícios anteriores, escolhendo notas da escala blues, até conseguirem improvisar livremente dentro da combinação métrica proposta.

As etapas que descrevemos aqui foram realizadas no período de um mês, totalizando cinco aulas sobre o assunto. Desde a primeira etapa do “blues assimétrico”, verificamos que a combinação métrica sugerida provocou uma instabilidade inicial, por não se tratar de um blues em seu formato mais tradicional, ou seja, em um compasso quaternário. Por isso mesmo, houve a necessidade de muitas repetições da base principal sugerida como acompanhamento, para que os participantes internalizassem a estrutura como um todo. Com este mesmo propósito

de internalização da estrutura rítmica proposta, consideramos que a segunda etapa foi fundamental para que isto ocorresse, o que acabou por sedimentar a ideia de que um processo vivenciado pelo corpo, ou corporificado, gera novas affordances122 para o processo de improvisação. Uma das contribuições mais significativas ao ministrar a disciplina A ssimetrias Temporais foi portanto a constatação de que a abordagem da improvisação pela corporalidade pode configurar em um procedimento eficaz para a internalização dos parâmetros123 rítmicos propostos na improvisação, além do fato da improvisação, neste caso, também estar sendo utilizada como ferramenta para a aquisição de habilidades. Também a utilização de pequenos padrões rítmicos como base para uma improvisação sob uma estrutura rítmica mais complexa forneceu aos participantes uma base estável para a improvisação, ou seja, no caso da impossibilidade de expressar-se fluentemente dentro desta estrutura rítmica, era ainda possível improvisar utilizando como base um padrão rítmico associado ao uso livre de uma configuração melódica. Observando portanto os resultados práticos alcançados neste curso, constatamos que houve um primeiro momento de instabilidade e estranhamento, pela recontextualização de um elemento conhecido (um blues em formato assimétrico) seguido por um segundo momento de absorção deste novo contexto. Neste segundo momento, verificamos que fornecemos aos participantes materiais de apoio para este tipo de improvisação baseada em assimetrias rítmicas, mas nenhum dos participantes alcançou total fluência nesta improvisação. Assim como a proposta Inside the Sound, percebemos que é preciso tempo para absorver propostas de improvisação sob contextos diversos, mas, ainda assim, consideramos a proposta bem sucedida como primeiro contato com as assimetrias rítmicas.

A ideia da improvisação sob estruturas fixas – baseadas em combinações métricas e outros procedimentos rítmicos mais complexos desenvolvidos neste e em outros cursos que ministramos – está diretamente relacionada com nossa proposta final.

      

122 Lembrando então das ideias detalhadas em nosso capítulo anterior sobre as relações da

corporalidade com os processos cognitivos.

123 Em nosso trabalho, o termo parâmetro rítmico designa um conjunto de materiais rítmicos que,

quando associados, estabelecem uma organização ou uma estrutura rítmica. O termo padrão rítmico designa um único material que pode ser trabalhado isoladamente, como um ostinato, por exemplo.