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CAPÍTULO 2 MODERNIZAÇÃO, URBANIZAÇÃO E LIÇÕES DE CIVILIDADE

2.2 A DÍADE URBANIZAÇÃO INDUSTRIALIZAÇÃO

Além da explicitação da tensão entre a vida rural e a urbana, a Coleção apresenta um núcleo com representações sobre as principais práticas que circulavam no período, indicando as mudanças que o país vivia. Há um maior detalhamento do modo de vida da cidade, uma questão recorrente que ocupou dezenas de páginas dos livros. As histórias procuraram mostrar todo um modus vivendi citadino.

É importante salientar o que poderia ser considerado urbano e civilizado no período. A construção de cidades e o saneamento das antigas eram sinônimos do viver cosmopolita, bem como elementos indicadores de progresso numa época de um Brasil rural.

A temática ganhou centralidade no livro de leitura intermediária, com a sugestão dada por vários animais de construir um lugar para morar, migrando da floresta. Logo houve um movimento para propiciar o local de um conjunto de ações necessárias para dotar a área de infraestrutura e serviços urbanos. Os textos, dirigidos a um público que estava iniciando o desenvolvimento da leitura, carregavam representações sobre a urbanização nos seus mais diversos aspectos, desde as ruas, a casa, a decoração e os hábitos de higiene.

É possível inferir que a construção da cidade dos bichos teve como base um plano piloto altamente racionalizado tal qual ensinavam as iniciativas dos engenheiros e urbanistas dos séculos XIX e XX, que revelam o movimento de reformas do espaço urbano (HERSCHMAN; PEREIRA, 1994).

O planejamento fica evidente no traçado das ruas e na arquitetura das casas. Esses eram os elementos indicadores das novas exigências de determinados segmentos da sociedade. Para essa urbe, seria necessário um novo estilo de vida, de valores, de comportamentos e de atitudes. A ilustração da história (Figura 11), que trata da temática revela um espaço limpo, organizado, homogêneo, dando mostras de que os moradores viviam de forma harmônica. Essas características conformariam os comportamentos esperados de um habitante urbano, e que todos os bichos deveriam aprender, por se constituir uma novidade para eles, já que eram oriundos do campo. Gomes (2013) clarifica o processo vivenciado no Brasil de então:

A população brasileira cresceu muito e a sociedade se transformou profundamente, adquirindo novos e modernos padrões de consumo. Com estradas de rodagens e fábricas de automóveis, os migrantes se movimentavam imensamente pelo território, dirigindo-se maciçamente ás cidades, agora com prédios de concreto e vidro, alguns com arrojadas linhas da arquitetura modernista, em busca de empregos formais e também de novas possibilidades de divertimento e conforto (GOMES, 2013, p. 86).

Essas transformações, apontadas pela autora, sobre as mudanças dos padrões de consumo da sociedade, foram evidenciadas com clareza. Porém, é certo que nem toda a sociedade se transformou profundamente muito menos os padrões de consumo eram homogêneos. Assim como a cidade dos animais, o Brasil era um país em que tudo estava por se construir (CANO, 2012; CORSI, 2012).

Figura 11 A caminho da escola

Fonte: CASASANTA (intermediária, 1969, p. 25).

A cidade é apresentada com todos os confortos e com base na expansão do capitalismo, conforme a Figura 11. Possui calçamento, iluminação pública e casas planejadas. Algumas possuem um pequeno jardim. Os bichos estão indo para a escola com suas bolsas e livros escolares. Estão bem vestidos, e a imagem transmite um clima alegre e pacífico, de bem-estar, cujo significado está associado à frequência à escola. Estímulos eram ofertados no trajeto das crianças para que os sentidos fossem educados conforme o espaço urbano ideal.

Esperava-se que a cidade atendesse às necessidades humanas fundamentais e as orientasse. Segundo Veiga (2007):

O grau de desenvolvimento urbano passou a ser medido pela capacidade de a cidade atender e ao mesmo tempo orientar as necessidades humanas fundamentais com base na expansão do capitalismo industrial: habitação, trabalho, locomoção e educação. Assim se consolidaram algumas características das cidades modernas, entre elas as noções urbanas de higiene e de saúde, a funcionalidade das ruas e parques, a destinação especifica de áreas e espaços urbanos. Tudo se tornou possível de planejamento: a moradia, o lazer, a escola, os locais de trabalho. A geometria da estética urbana se associou ao objetivo sanitário de prevenir o contágio de doenças decorrentes da insalubridade e da aglomeração (VEIGA, 2007, p. 207).

O modelo apresentado na coleção parece ser um desenho da própria Belo Horizonte, orgulho da sociedade mineira e construída como símbolo de urbanidade, com suas ruas planejadas e a intenção de manter, dentro de um contorno, livre de doenças e da pobreza, os grupos que detinham o poder econômico, cultural e político.

Figura 12 Um dia na cidade dos bichos

Fonte: CASASANTA (intermediária, 1969, p. 91).

Os moradores idealizados para essas cidades faziam parte de um grupo portador de hábitos educados, pessoas cultas e amantes das coisas do espírito que deveriam prezar pela cultura do seu povo (CASASANTA, 1969). A Figura 12 mostra dois adultos com ares refinados, tanto na expressão polida que ostentam quanto no vestuário. A forma encontrada nas histórias para perpetuar esses valores foi a criação de uma escola, local para o compartilhamento da herança da comunidade. Por esta razão, na nova cidade, odos os (CASASANTA, 1969). Esses moradores que frequentavam a instituição seriam preparados e teriam a responsabilidade de construir as cidades e organizar seu povo de forma equilibrada. A imagem que ilustra a história (Figura 12) revela um clima de entendimento, não há evidências de qualquer tipo de tensão no cotidiano.

Algumas questões sobressaem em relação à discussão sobre a cidade. Pretensamente, havia a proposta da ideal; e esta estava diretamente ligada a um espaço industrializado. Os contrastes referentes a esse modelo desejado são contundentes em relação ao real que se evidenciava: insegurança social, a questão laboral, os problemas com a moradia e a aquisição dos objetos que se tornavam símbolos de poder e diferenciação de determinados grupos.

Os habitantes dos espaços urbanos começavam a consumir os produtos resultantes do processo de expansão do capitalismo industrial, exigindo, cada vez mais, sua produção ou importação. O debate sobre a inclinação do Brasil para a industrialização permanecia polarizado entre os defensores da indústria natural e a artificial (FONSECA, 2012). Em algumas histórias, fica evidente a opção pela natural, relacionada com o pendor para a agricultura. Em outras, reforçou-se a necessidade de um país escolarizado, capaz de produzir conhecimento para o desenvolvimento de tecnologias que possibilitassem a independência da

povo independente não é apenas um governo soberano, mas é também a cultura, que lhe liberta o espírito, e a exploração de seus recursos, que o livra da exploração de

(CASASANTA, quarto livro, 1969, p. 159).

O discurso da independência do país estava associado à urgência da industrialização, sendo esta condição considerada requisito para o reconhecimento de uma nação independente por parte de outros povos. A sujeição econômica estava relacionada à exploração, com o empobrecimento, tanto dos recursos naturais quanto do povo. O papel da escola era fazer com que os meninos, desde os tenros anos nos bancos escolares, tomassem consciência de que a Pátria não poderia ser entregue ao capital estrangeiro, ficando à mercê da exploração e espoliação de seus recursos pelo estrangeiro. Segundo a autora, os heróis brasileiros tornaram o Brasil independente, mas o processo não ocorrera de fato. Ainda faltava a libertação do povo que se daria pelo desenvolvimento:

E sabem o que mais? O povo brasileiro ainda não está inteiramente independente. Só pelo trabalho, só pelo desenvolvimento da indústria, da agricultura, do comércio, só pela valorização do homem brasileiro, é que nosso povo acabará de fazer a independência do Brasil.(CASASANTA, terceiro livro, 1969, p. 57).

A perspectiva nacional desenvolvimentista ficou evidente na defesa da exploração da matéria-prima, considerada a solução para os problemas brasileiros. Havia os defensores da entrega da matéria-prima ao capital externo (BASTOS; FONSECA, 2012). Outros consideravam a independência econômica pela via do investimento na indústria nacional (um debate acirrado na Era Vargas). Segundo a autora, explorar os próprios recursos livraria o país da exploração de outros povos. O posicionamento adotado evidencia a adesão à proposta, que fensora do fechamento das fronteiras brasileiras aos capitais estrangeiros e de uma sociedade estável voltada para si própria e autossuficiente

Para reforçar a ideia da industrialização como via para o desenvolvimento, foi feita a defesa da mecanização da pecuária, mostrando que este seria o caminho para o alinhamento com as nações industrializadas (CANO, 2012). O futuro promissor estaria na modernização das atividades do campo, numa tentativa de levar a tecnologia ao sertão, já que era preciso dominá-lo. Na história sobre uma visita das crianças ao campo, elas foram ao curral pela manhã beber o leite quentinho, prática comum nas fazendas mineiras (Figura 13). O vaqueiro, vendo a dificuldade de uma delas para tirar o leite da vaca, informou, orgulhosamente: - ordenha vai ser feita à máquina. Então, Alexandre, você tira o leite como qualquer um (CASASANTA, segundo livro, 1969, p.146).

em todos os setores da vida social (CUNHA, 1989). Era uma tentativa de trazer para a vida econômica do campo essas mudanças que já ocorriam nas cidades, inclusive sinalizando alterações nos próprios processos de trabalho.

Figura 13 Tirando leite da vaquinha.

Fonte: CASASANTA (segundo livro, 1969, p. 146).