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CAPÍTULO 3 LIÇÕES DE HEROÍSMO E CIVISMO: A CONSTRUÇÃO DA

3.2 LIÇÕES DE CIVISMO

Um conjunto de símbolos nacionais e religiosos foi explorado na coleção visando destacá-lo como elemento agregador da nação brasileira e de imagens familiares ao imaginário religioso do povo mineiro. A religiosidade era

Mais Belas Histórias como sinônimo de Catolicismo, e esta crença, por sua vez, vista como a força de ordem moral e religiosa que arregimentaria todos os segmentos do país (OLIVEIRA, 1990). Assim, Catolicismo e o Nacionalismo são apresentados como sinônimos nos textos da Coleção.

O principal destaque foi dado à Bandeira Nacional, símbolo máximo da união da nação; e a imagem de âmbito privado mais freqüente era a dos altares, onde se dava a prática da devoção cívico-religiosa: aos símbolos laicos e sagrados, simultaneamente. Muitas histórias e ilustrações mostram, ainda, o mapa do Brasil de forma quase sacralizada.

Foi construído, assim, um projeto de glorificação da bandeira desde a atribuição de características humanas ao objeto até o estímulo ao culto constante e fervoroso a ela. O poema Oração à Bandeira , por exemplo, enaltece esse símbolo para reforçar o sentimento de união do povo. Nele, a cida e a terra descoberta, o nascer do povo indeciso, a inquieta alvorada da Pátria, o sofrimento das horas difíceis e o delírio dos dias de vitória quarto livro, 1969, p. 157).

A exaltação do símbolo tinha por objetivo a formação de uma consciência patriótica, e na alma das crianças e dos jovens deveria ser desenvolvido o sentimento de que o Brasil era uma entidade sagrada (Ibid., p. 157). O poema Brasil, por sua vez, sintetiza as representações

sobre a pátria, o soldado e a bandeira:

Brasil.

Passam marchando os soldados: rataplan Vão firmes enfileirados

Os clarins estão vibrando: tarará E brilham, rebrilham, quando A luz do sol neles dá. Agora, passa a bandeira! Tiremos nosso chapéu: Vai a pátria brasileira

Nas dobras daquele véu. (MENEGALE apud CASASANTA, segundo livro, 1969, p. 96)

Figura 36 - Símbolos do culto à Pátria

Fonte: CASASANTA (segundo livro, 1969, p. 96).

A composição desses elementos (Figura 36), sob o título Brasil, contém um sentido

que deve Por ser produzida num contexto próximo do

leitor/ouvinte permite que seja compreendida de imediato. A cena cívica ocorre numa cidade que foi retratada com construções altas, portanto moderna. A Bandeira em destaque se sobressai na imagem. Um espectro de luz circula todos os elementos. A família acompanha o desfile, juntando-se aos demais símbolos utilizados para agregar a nação, praticando, publicamente, um ritual de glorificação.

As representações sobre a religiosidade estavam imbuídas de uma direção socialmente motivada, resultantes das práticas tradicionais, componentes de um projeto mais amplo. Para a manutenção da fé em Deus e devoção em Nossa Senhora, erigia-se um altar dentro dos lares, prática vinda com os primeiros portugueses, num processo de longa duração.

As histórias da coleção foram reforçadas com imagens para atualizar esses valores, instruindo e educando sobre os modos de viver a religiosidade nos diferentes espaços sociais. Foram identificados, ao todo, quatorze desenhos de pessoas ajoelhadas, em atitude de oração.

As cenas eram retratadas na intimidade dos lares, com toda a família reunida, e também em espaços públicos em que as crianças rezavam pelo Brasil e pelos pecadores

(CASASANTA, 1969). Elas têm um papel central nessas representações, já que a esperança de transformação social deveria recair sob seus ombros.

Os cenários mostrados no recôndito das casas indicam que, no exercício da religiosidade, eram indistintos o público e o privado (Figura 37). Na constituição do Nacionalismo, o brasileiro deveria cultivar o Catolicismo, entendido como a única forma legítima de viver, sentir, ensinar e praticar as artes da devoção e da piedade.

Figura 37 - Criança reza pelo Brasil.

Fonte: CASASANTA (quarto livro, 1969, p. 29).

Uma criança ajoelhada, vestida de pijama, em atitude contrita, reza em frente ao altar doméstico (Figura 37). Ter um oratório nesse formato dentro de casa era sinônimo de distinção econômica, assim como o pijama usado pelo menino, e, provavelmente, nem todas as famílias tinham condições de adquirir esses dois itens. A imagem de Nossa Senhora Aparecida está em destaque, ladeada por uma vela acesa e por um vaso de flores, e se sobrepõe à Bandeira. Ao mesmo tempo em que demonstra a proteção ao Brasil, a cena deixa clara a posição hierárquica do Estado, simbolicamente posicionado abaixo da Igreja.

A escola, enquanto instância criada pela sociedade tinha seu papel na difusão da religiosidade, não causando estranhamento a inserção das imagens e de textos com conteúdos religiosos, apesar dos pioneiros defenderem a não submissão do ensino a qualquer orientação confessional. Desta feita, a Coleção foi um importante instrumento para a manutenção desses valores católicos. Nessa lógica, a História era compreendida como um plano de Deus para a nação. A máxima expressão que explica essa perspectiva ocorreu no texto em que a autora

afirma: Deus fez que Rodrigues Alves fosse eleito presidente do Brasil (CASASANTA, terceiro livro, 1969, p.136). Nesse destino divino, a história do Brasil se dava como parte de um plano superior e, subsumida nessa afirmativa, a compreensão de que toda autoridade era dada por Deus.

Nas histórias da Coleção, a nação é identificada com o território geográfico. Nessa perspectiva, o mapa do Brasil se transformou em objeto de culto cívico e poético, porque, por meio dele se almejava criar o sentimento nacional (VELLOSO, 1988). Essa era uma questão que fora retomada pelos intelectuais nos anos de 1950: para conhecer sua terra, a criança precisaria aprender Geografia, considerado como o saber capaz de colocá-la em contato direto com a realidade. Defendia-se que o conhecimento dos fenômenos naturais seria mais um caminho para desenvolver o patriotismo. Essa crença se manteve enraizada e foi, disseminada nos manuais escolares e nos meios de comunicação, servindo de base para muitos projetos políticos no país (BOMENY, 2016; CUNHA, 1981; GOMES, 2013; VELLOSO, 1988, 1993). Segundo Aumont, (2002) uma imagem é sempre moldada por estruturas profundas, vinculada a uma organização simbólica

p.131). A Coleção apresenta uma recorrência da junção do povo com a representação gráfica do território, e a imagem de Nossa Senhora (Figura 38) reforçando essas estruturas vinculadas à cultura dessa sociedade. Carvalho (1990) analisou a força desse imaginário afirmando que talvez seja ainda a imagem da Aparecida a que melhor consiga dar um sentido de comunhão

naciona (CARVALHO, 2002, p. 142).

O mapa do Brasil foi associado à imagem da padroeira (Figura 38), numa simbiose entre a religiosidade e as representações sobre a dimensão territorial. O espaço que deveria ser ocupado pelos elementos do relevo (Figura 39), foi substituído pelo desenho de pessoas ajoelhadas, em atitude de prece, e os olhos voltados para a efígie. A cena fortalecia a formação de uma nação como um corpo único em que os tipos humanos plasmariam a Pátria e receberiam uma proteção especial. A imagem profere um discurso sobre essa realidade almejada, em que a coesão nacional e uma identidade coletiva seriam ensinadas desde os bancos escolares.

Figura 38 - A Padroeira protege o Brasil.

Fonte: CASASANTA (segundo livro, 1969, p. 156).

A imagem de Nossa Senhora Aparecida, estrategicamente posicionada sobre o território, indica a proteção que se espalha, indicada pelo halo que envolve o conjunto. A repetição dos elementos na ilustração abaixo (Figura 39) reforça a intenção de manter unida a nação pelo sentimento religioso. A recorrência da imagem foi utilizada para servir como um meio de comunicação e representação dessa sociedade. As características físicas a tornam um objeto facilmente perceptível, em especial, pela proximidade com grande parcela da população, inclusive dispensando o texto escrito. Esses fatores reforçam a força educativa do discurso implícito que carrega.

Figura 39 - Uma nação protegida.

Fonte: CASASANTA (intermediária, 1969, p. 79).

seguida, exaltou o povo, bom, corajoso, forte, generoso e que sabia amar a Pátria. Em seguida, apresentou uma ressalva em relação às qualidades do brasileiro. O povo tinha esses (CASASANTA, quarto livro, 1969, p. 32). Essa visão da limitação física, a partir de uma perspectiva coletiva, definia valores a respeito do povo, considerado menos propenso à ação. Os problemas deveriam ser entregues a Deus e a Nossa Senhora Aparecida, que teriam a responsabilidade para solucioná-los.

Sem atributos que justificassem a exaltação pela condição física, ainda assim, seria possível se orgulhar do Brasil. A dimensão territorial deveria ser motivo de reconhecimento de grandeza e daria ao brasileiro a real dimensão do país. Quanto maior o detalhamento sobre a geografia, mais forte seria o orgulho, conforme transcrição abaixo:

Orgulho-me de ser brasileiro

Tem rios numerosos, grandes alguns, como o Amazonas e o São Francisco; outros, menores, que irrigam seus campos; outros encachoeirados que vão dar a energia elétrica, sem a qual as fábricas não trabalham e não pode haver progresso

Pela riqueza e pela extensão do solo da minha Pátria, orgulho-

forte, destemido, e se não soubesse ele amar sua pátria, ah! Já não poderia dizer que meu CASASANTA, quarto livro, 1969, p. 31-34).

A condição privilegiada do Brasil, de importante fonte de recursos naturais, era vista com potencial à exploração para produzir mais riqueza. O progresso estava associado à geração da energia elétrica e às fábricas, consideradas símbolo da modernização do país. Dada toda possibilidade de fartura, a Pátria era comparada com o seio de mãe, conforme poema:

Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! Não verás nenhum país como este! Olha que céu! Que mar! que rios! Que floresta! A natureza aqui, perpetuamente em festa, É um seio de mãe a transbordar carinhos.

não verás nenhum país como este!

O pão que mata a fome, o teto que agasalha... Quem com seu suor a fecunda e umedece,

Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece. (BILAC, apud CASASANTA, terceiro livro, 1969, p. 175).

O país era apresentado como uma terra de pura generosidade, e os brasileiros, seus

filhos, ainda eram crianças. No a autora dialoga com os

leitores e mostra que o país espera por eles. Se o menino tivesse coragem e trabalhasse, ele venceria os obstáculos que dificultam e embaraçam a vida. Foi estabelecida uma comparação com os bandeirantes, retomando as virtudes dos paulistas, que jamais deixaram cair as bandeiras de suas mãos. A narrativa finaliza com a lição

continuar a abrir caminho a nosso modo quarto livro, 1969, p. 160). Num dialogismo estabelecido com o poema de Bilac, o ensinamento se completa, pois quem fecunda a terra com suor, vê pago seu esforço, torna-se uma pessoa feliz e

Ao considerar que o sucesso era resultado do empenho pessoal, a sociedade do período pouco percebia a ação dos governos em benefício da população. Nesse imaginário de um governo distante, esperava-se que cada cidadão abrisse caminho na vida por sua própria conta. O princípio do esforço pessoal apresenta coerência com os pressupostos do escolanovismo na defesa do talento individual. Segundo Cunha (1998), este se constituía no único fator decisivo para o progresso de cada pessoa; [cabendo] à escola, portanto, equalizar esses valores e, ao mesmo tempo selecionar os educandos de acordo com suas potencialidades

1998, p. 20).

Vale destacar que uma segunda ressalva em relação ao povo brasileiro diz respeito às suas origens. Persistia no imaginário de muitos um sentimento de inferioridade por suas raízes. O resgate da brasilidade, valorizando a cultura indígena e tirando da invisibilidade a contribuição que legaram ao Brasil, não era uma realidade percebida por essa sociedade, que se via separada dessas origens. A autora comparou o Brasil com a Holanda, considerada rica, poderosa e culta. Um misto de orgulho e vergonha vinha da diferenciação entre a Europa e

, entre índios (CASASANTA, quarto livro, 1969, p. 30).

A Holanda era rica, era poderosa, era culta a maior potência marítima do tempo. E nós? Pobres, sem armas, perdidos na extensão das matas, entre índios, sem defesa. No entanto, só porque os brasileiros sabiam amar a sua Pátria, defenderam o Brasil, lutaram e tomaram dos holandeses o pedaço de terra, que era uma grande extensão da Bahia até o Ceará (CASASANTA, quarto livro, 1969, p. 30).

O desconforto, causado pelas raízes indígenas na sua condição de herança selvagem e não civilizada , era responsável pelo sentimento de subalternidade. A ideia da construção da identidade brasileira sofre a influência então, das marcas da modernidade. Nesse imaginário coletivo, foi utilizado o nós para se referir aos brasileiros; ao mesmo tempo em que se observa uma exclusão dos nativos que representam o diferente, o Outro.

Em contrapartida, os brasileiros poderiam se orgulhar por outras razões. Novamente recorrendo à religiosidade, ensinava-se que Deus estava do lado do Brasil. Os franceses ço desvalido do povo brasileiro (Ibid. p. 29). A ajuda de um ser superior para esses momentos de crise seria suficiente para vencer qualquer batalha.

deixaram o país em paz. A leitura encerrou com a solução proposta para os problemas da nação:

Por isso, diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida, a grande padroeira do - Hei de preparar-me para poder lutar pela grandeza, pela elevação e pela independência do Brasil, para que os meus

- (CASASANTA, 1969, quarto livro, p. 31).

As palavras finais, precedidas de um travessão e com o pronome na primeira pessoa do singular, induziriam o leitor a se reconhecer no discurso, assumindo para si essas representações.

Na busca de uma educação para que superassem as vulnerabilidades, a escola deveria preencher algumas características que atendessem esse propósito.