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PESQUISA COM CRIANÇAS

4. D ELINEA MEN TO METODOLÓGICO

4.1 ESTRATÉGIA GERAL DA PESQUISA

Em uma pesquisa realizada no campo da saúde, destaca-se uma realidade complexa que demanda o diálogo entre conhecimentos distintos que compõem a perspectiva biopsicossocial, colocando em foco o problema da intervenção e da assistência à saúde. Este é um estudo qualitativo, o qual é caracterizado por usar o texto como dado empírico, possuir como base a construção social da realidade em estudo e estar interessado na perspectiva do participante, através da compreensão do seu cotidiano e da sua prática diária (Flick, 2009). De acordo com Mesquita (2005), a abordagem qualitativa permite uma exploração mais particular sobre as atitudes, crenças, valores e significados da população estudada.

Este estudo qualitativo é idiográfico e hermenêutico, pois busca realizar uma análise através dos discursos apresentados pelos participantes ao interagirem com a pesquisadora, explorando os significados que os mesmos atribuem às suas experiências inseridas no contexto particular em que vivem (Gondim, 2003). Estrutura-se, em seu delineamento, como um estudo de casos múltiplos, de cunho analítico e sistêmico. Esta estratégia de investigação permite um maior aprofundamento sobre um fenômeno (seja este um caso, um grupo, um meio ou um acontecimento), cujo destaque aumenta a compreensão acerca do mesmo (Laville & Dionne, 1999).

Através dos dados qualitativos, buscou-se contribuir para o desenvolvimento teórico do campo de estudo do luto e dos cuidados paliativos, com a tentativa de explorar em profundidade o fenômeno. Ao estudar situações de perda e luto, os resultados podem ajudar a compreender outras situações de ruptura e perdas.

4.2 PARTICIPANTES

Os participantes foram cuidadores de crianças e de adolescentes com câncer em cuidados paliativos ou com um prognóstico reservado/potencialmente fatal, pais e mães, e as

próprias crianças e adolescentes, com o objetivo de compreender a sua percepção acerca da experiência de adoecimento e da relação com a equipe de saúde e o cuidador principal. Por ser um estudo de casos múltiplos, a definição da quantidade de participantes foi estabelecida através do critério de saturação. No momento em que as informações começaram a se tornar repetidas e não agregaram novos dados a serem analisados, foi possível considerar que se alcançou um número satisfatório de participantes.

Por tratar-se da continuidade do estudo realizado durante o mestrado da autora (Bastos, 2014), o projeto foi enviado e avaliado pelo Comitê de Ética previamente, através da Plataforma Brasil, de modo a considerar todos os aspectos éticos envolvidos na pesquisa, especialmente sobre o recorte empírico envolvendo seres humanos e o delicado contexto dos cuidados paliativos. Foram garantidos os princípios éticos de autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, e aplicado o Termo de Consentimento livre e esclarecido (Apêndice A).

A oncologia pediátrica oferece assistência a crianças e adolescentes de 0 a 17 anos de idade. Como a escolha dos participantes ocorreu de acordo com o diagnóstico e o prognóstico diante do adoecimento, foram encontradas crianças e adolescentes de diversas idades. A coleta de dados foi realizada com treze participantes, sendo cinco mães, um pai e sete pacientes da oncologia pediátrica, conforme aponta a tabela a seguir.

MÃE/PAI PACIENTE - IDADE

Rosana Laura – 9 anos

(o pai foi entrevistado, porém a entrevista interrompida e não foram

coletados dados relevantes para a análise)

Araci – 15 anos

Pedro Clara – 15 anos

Edna João – 14 anos

Joana Marisa – 7 anos

(devido à rotina e à alta hospitalar do paciente, não foi possível

entrevistar)

Felipe – 11 anos

(devido à rotina hospitalar, não foi

Tati (filho 12 anos – não tinha condições clínicas

de ser entrevistado)

Eliana (filho 4 anos - não tinha condições clínicas de

ser entrevistado) QUADRO 1: QUADRO ILUSTRATIVO DOS PARTICIPANTES DO ESTUDO

4.3 PROCEDIMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DOS DADOS

Para as ciências sociais, a narrativa se desenvolve gradativamente como um lócus de destaque para a análise da cultura, da ação social e da experiência (pessoal e social), sendo considerada, desta forma, uma ferramenta universal de construção, mediação e representação do processo de elaboração da experiência social (Castellanos, 2015). O autor pontua que, para o indivíduo cronicamente adoecido, as diferentes narrativas produzidas por ele apresentarão relações entre o corpo, o mundo e o próprio self, além de se destacar, para a análise, um contexto específico no qual será atribuído sentido à experiência de adoecimento e de cuidado.

Foram realizadas entrevistas narrativas, as quais são características de uma pesquisa qualitativa, na qual não se segue o esquema “pergunta-resposta” ou um roteiro dirigido, mas, sim, temas amplos a serem propostos aos entrevistados. Desta forma, há um incentivo para a espontaneidade por parte do participante e para o ‘contar histórias’. Foram coletados, também, dados sociodemográficos (idade, nível de escolaridade, estado civil e renda) por meio de um questionário desenvolvido para o próprio estudo (Apêndice B).

Aqui, a entrevista narrativa, baseada em um temário previamente elaborado (Apêndice C), buscou explorar os signos e as práticas envolvidas no contexto dos cuidados paliativos. Entre esses domínios da experiência, foram tópicos relevantes: cuidados paliativos, câncer, estratégias de enfrentamento, sociabilidade (redes de apoio), família e crenças religiosas. Especial atenção foi dada aos signos emergentes quanto ao fenômeno da morte, bem como aos significados e práticas a eles associados ao longo da narrativa, o que configurariam os mecanismos semióticos presentes no processo de luto.

Grandesso (2011) define narrativa como um discurso organizado, o qual reflete um fluxo de experiência vivida, atribuída de significados e uma sequência temporal. A autora

reforça que as narrativas são construções complexas e que não são estáticas, havendo sempre reconstruções em torno delas; ela chega a adotar a narrativa como “uma chave para a construção do conhecimento humano”, afirmando que a mesma é a base para estudar as experiências pessoais. De acordo com Bruner (2002), na arte narrativa fazem-se presentes a memória, as ideias, os sentimentos, as crenças e a subjetividade de um sujeito, sempre em interação com a opinião das outras pessoas e de expectativas presentes na cultura da qual está imerso.

Inicialmente, os procedimentos com a criança tinham como objetivo agregar à narrativa recursos lúdicos, como desenhos, além da técnica de contar histórias. De acordo com Fávero e Salim (1995), o desenho tem sido um instrumento de coleta de dados em diversos trabalhos no campo da psicologia e pode ser analisado como um meio de comunicação e expressão. Desta forma, o desenho pode alcançar a linguagem e a simbolização, o que o torna um importante instrumento para a obtenção dos dados principalmente quando se trata de crianças, sendo uma forma lúdica de manifestar a realidade. Porém, no momento de realizar o estudo foi difícil utilizar o recurso do desenho como um instrumento. Dentre os motivos, é possível identificar o desinteresse da criança ou do adolescente pela atividade proposta, assim como as limitações físicas de realizar entrevistas ou propor atividades lúdicas no ambiente hospitalar, com crianças e adolescentes internados em tratamento.

A pesquisa foi realizada em unidades pediátricas de instituições hospitalares em Salvador, Bahia. A construção dos dados para o estudo anterior do mestrado (Bastos, 2014) ocorreu em tais instituições, já existindo um contato prévio com os coordenadores e profissionais que atuam nas unidades pediátricas.

A entrada em campo ocorreu com facilidade, devido a um vínculo já formado com a equipe de profissionais e por já ter a aprovação do Comitê de Ética. Porém, algumas dificuldades foram encontradas. Tanto para o contato com os cuidadores informais quanto para o contato com as crianças, o acesso foi através da coordenadora médica e da psicóloga da unidade. Com as mães e com os pais, a proposta de realizar uma entrevista narrativa foi bem aceita e todos os participantes demonstraram sentir-se à vontade com a proposta da pesquisa. Inicialmente, a pergunta disparadora foi “Como tem sido essa experiência com seu filho?” e, a partir daí, o relato abordava o adoecimento, a hospitalização, as dificuldades enfrentadas, a rede de apoio, o vínculo e o luto antecipatório.

O contato com as crianças e com os adolescentes também ocorreu sem dificuldades. Após uma explicação sobre a pesquisa, com o intuito de expor o objetivo mais amplo de compreender a experiência de adoecimento deles, passou-se a interagir com a criança/adolescente em busca de estabelecer um vínculo inicial. O instrumento que foi possível ser utilizado com todos os pacientes foi a própria entrevista narrativa, na qual a pergunta disparadora foi “Como tem sido pra você essa experiência no hospital?”, sendo que alguns participantes se sentiram mais à vontade com a narrativa, enquanto outros precisaram de maior intervenção, a exemplo de pontuar as temáticas propostas, ao longo da entrevista. A maior dificuldade encontrada na construção dos dados foi relacionada às características do contexto hospitalar, com as interrupções necessárias para os cuidados físicos das crianças, as quais demandaram a atenção tanto dos pacientes quanto dos pais responsáveis.

4.4 PROCEDIMENTOS PARA A ANÁLISE DE DADOS

Para a análise dos dados obtidos, a etapa inicial foi a transcrição e a leitura das entrevistas para uma compreensão mais ampla da experiência retratada na narrativa. Após leitura exaustiva, as narrativas foram organizadas de modo a responder os objetivos específicos da pesquisa. Sob este mesmo direcionamento, buscou-se compreender a experiência e o processo de luto no contexto dos cuidados paliativos pediátricos, sendo possível explorar os conceitos de ruptura e transição (Zittoun, 2012) e a compreensão da dinâmica dos signos (mecanismos semióticos) e da mediação semiótica (Valsiner, 2012), o conceito de imaginação (Zittoun, 2015) sob a perspectiva de futuro, além de outros conceitos que se mostraram ser necessários para a melhor compreensão do fenômeno, a exemplo do conceito de ambivalência (Abbey, 2012).

Após a leitura minuciosa das entrevistas, foram elaboradas categorias para melhor organização dos dados obtidos. Diante das categorias propostas, buscou-se compreender de que forma elas interagiam para responder aos objetivos do estudo, sendo elaborado um modelo de análise com o foco em explorar o processo de construção de significados que envolve a experiência e o luto antecipatório dos atores no contexto de cuidados paliativos na oncologia pediátrica.

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