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3. FU N DAMENTAÇ Ã O TEÓ R ICA

3.1 PSICOLOGIA SEMIÓTICO-CULTURAL DO DESENVOLVIMENTO

3.1.2 RUPTURA E TRANSIÇÃO

Para auxiliar na descrição e na compreensão de uma trajetória na vida humana, Zittoun (2015) propõe alguns conceitos relevantes. Aquele lugar ou atividade em que nos engajamos regularmente pode ser definido como uma esfera da experiência, sendo que cada esfera demanda determinadas atividades, apresenta certas metas e é envolvida por um campo emocional. A esfera da experiência é definida como uma configuração de atividades, representações e sentimentos, que ocorrem de forma recorrente em um determinado contexto social (material e simbólico), e se caracteriza como um dos padrões de experiência regular e estável em que a pessoa se engaja. O curso de vida é composto por essas alternâncias entre as esferas da experiência, algumas coexistindo, outras em conflito, outras desaparecendo.

Ao longo da vida ampliamos e diversificamos as nossas esferas de experiência. Alguns movimentos são transitivos (vão e voltam – ir ao trabalho e voltar pra casa) e outros são intransitivos (quando determinadas esferas desaparecem e novas são construídas) (Valsiner, 2007). Quando uma pessoa precisa sair de uma esfera da experiência para criar uma nova, pode- se chamar de ruptura. Em uma perspectiva desenvolvimental, o aspecto importante não é a causa, mas o fato da pessoa experienciar o momento como uma ruptura. O aspecto interessante é o que ocorre após a experiência de ruptura, as mudanças e os processos que se desenvolvem para o surgimento de novas formas e novos ajustamentos à nova situação. Esse processo de

elaborar uma nova esfera da experiência é chamado de transição – um processo de adaptação à uma nova forma de ajustamento ao ambiente (Zittoun, 2006).

De acordo com Zittoun (2015), as transições demandam transformações em três aspectos, relacionados e mutuamente dependentes, da experiência humana:

1 – Redefinições e transformações na IDENTIDADE: quem você é, como as pessoas veem você.

2 – APRENDIZAGEM: novas formas de agir e pensar, aquisição de linguagem e de competências, o que reflete na capacidade de resolver problemas.

3 – Construção de SIGNIFICADO: sentido para a pessoa e na trajetória, o que inclui uma elaboração dos aspectos emocionais e simbólicos das mudanças, e a manutenção de um senso de si e uma continuidade do self.

A ruptura assinala a mudança de um modo de ajustamento, a emergência de ambivalências, e um período no qual novas dinâmicas e mudanças mais profundas precisam ser estabelecidas. Os processos através dos quais esses ajustes são produzidos, por sua vez, são conceituados pela mesma autora como transições. Assim, concebe-se que é ao longo das transições que mudanças mais significativas são produzidas, visando a um novo encaixe mais sustentável entre a pessoa e o seu ambiente, e a uma espécie de reequilíbrio e restauração do senso de continuidade e integridade do self (Zittoun, 2009).

Para facilitar a transição, Zittoun (2012) aponta recursos necessários que a pessoa encontra em si ou no ambiente. As classes dos recursos são: institucionais, nas relações interpessoais, recursos semióticos/simbólicos (conhecimento social, informações, conhecimento científico, elementos culturais) e recursos pessoais (capacidade reflexiva e experiências passadas).

Esse conjunto de noções (rupturas e transições) constitui, segundo Zittoun (2009), uma unidade metodológica muito proveitosa para a análise e estudo do desenvolvimento de trajetórias de vida. Segundo a autora, os pontos de bifurcação e a sequência de comportamentos e estratégias que os seguem, podem ser vistos como laboratórios naturais de mudanças e emergências de novidades na vida das pessoas.

A morte pode ser considerada uma ruptura, na medida em que é uma das experiências mais traumáticas para o ser humano, tanto por originar uma carga de perda e dor para si mesmo, como também por culturalmente ser considerada, na maioria das sociedades, um assunto tabu. No entanto, Zittoun (2009) pontua que, metodologicamente, os estudos dos processos de

transição precisam identificar pontos de ruptura significativos que justifiquem a investigação, que neste estudo podem ser o diagnóstico oncológico, a hospitalização e a determinação dos cuidados paliativos. Embora esses pontos sejam geralmente identificados com base em critérios externos (representações sociais, fatos observáveis ou critérios definidos pelo pesquisador), é preciso que as rupturas sejam percebidas como significativas pela própria pessoa que conta sua história.

3.1.3 IMAGINAÇÃO

A imaginação possui um papel importante nas rupturas e transições. Quando o que é conhecido é rompido e surge a necessidade de novos modos de agir, começamos a explorar novas possibilidades, experimentando opções e falhando (Zittoun, 2015). Trata-se de um processo psicológico básico (Tateo, 2017; Zittoun, 2017), uma dinâmica específica de nosso pensamento que, sustentada pelos artefatos culturais, experiências pessoais e recursos sociais, permite-nos complementar, expandir e transformar a nossa experiência (Zittoun, 2017).

De acordo com Zittoun (2015), a imaginação é o processo pelo qual nos separamos temporariamente do aqui-e-agora e das experiências proximais para nos engajar em experiências distantes. A imaginação permite expandir a nossa experiência, para se conectar com o que ocorreu no passado e para criar novas possibilidades para o futuro, podendo ser avaliado em três dimensões: passado ou futuro; aspectos concretos ou gerais/abstratos; plausíveis e não plausíveis.

A imaginação cria esferas distantes da experiência, sendo algumas temporárias e outras que se tornam recorrentes e estáveis até se tornarem esferas proximais. Tem ainda o poder de abrir novos padrões e permitir profundas transformações no curso de vida (Zittoun, 2015). De acordo com a autora, o processo imaginativo pode ser compreendido como um loop dinâmico e sequencial, descrito a partir de três dimensões: orientação temporal (podendo estar dirigido às experiências passadas ou futuras), plausibilidade e generalidade. Ressalta-se, ainda, a necessidade de que o indivíduo retorne à experiência proximal quando do término da experiência imaginativa.

Segundo Zittoun (2015), a imaginação se desenvolve ao longo de todo o curso de vida. Ela é nutrida através das experiências pessoais e dos recursos sociais, além de exercer um papel central na personalização e na emergência do sujeito. Mesmo sendo guiada culturalmente, a imaginação é uma criação livre e única da pessoa.

Para Vygotsky (1930/2003), a imaginação é importante na trajetória da vida cultural, pois está na base da atividade criativa relacionada à arte, à ciência e à tecnologia; assim, “existe criação não apenas ali de onde são originados os acontecimentos históricos, mas também onde o ser humano imagina, combina, modifica e cria algo novo” (Vygotsky, 1930/2003, p.5). O autor explica que, na composição da imaginação, são utilizados elementos da realidade, porém, ao serem tomados pelo indivíduo, sofrem reelaboração e se convertem no produto da imaginação. Além disso, Vygotsky (1930/2003) afirma que a imaginação apoia-se na memória, fazendo uso de experiências anteriores para produzir novas combinações e elaborações. Uma outra relação apontada pelo autor é a que existe entre a imaginação e os sentimentos e emoções. Muitas vezes, as imagens imbricam sentimentos e emoções, como acontece em situações como a de luto, por exemplo.

Quando uma pessoa imagina possibilidades de acontecimentos ela está, ao mesmo tempo, preparando-se para ocorrências futuras e, aumentando, com isso, sua capacidade diante de novas experiências (Abbey, 2012). A imaginação exerce, assim, um papel orientador das decisões que a pessoa assume ao longo de seu curso de vida.

Valsiner (2017) refere que a imaginação pode ser compreendida como um catalisador em direção às experiências futuras. Zittoun (2015), por sua vez, acrescenta que a imaginação pode se constituir como um recurso transitivo ao transformar situações desconhecidas em ideias que podem ser funcionais para o indivíduo. A imaginação, assim, pode ser compreendida como uma atividade humana fundamental e que está intimamente imbricada com as dinâmicas disruptivas e transicionais do curso da vida.

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