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PESQUISA COM CRIANÇAS

5. R ESU LTAD OS E D ISC U SSÃ O

Os resultados foram analisados e discutidos de acordo com uma organização que, além de contemplar os objetivos do trabalho, facilitasse sua leitura e compreensão. Desse modo, serão apresentados em três capítulos. O primeiro capítulo focaliza os dados referentes às narrativas das crianças e dos adolescentes, enquanto os dados das narrativas dos cuidadores, pais e mães, estão focalizados no segundo capítulo. E, por fim, o terceiro capítulo traz uma síntese dos resultados, com o objetivo também de explorar as interações entre os pacientes e os seus familiares. Cada capítulo envolve duas etapas: inicialmente, apresenta-se uma visão mais ampla diante dos eixos temáticos extraídos das entrevistas narrativas e, posteriormente, uma proposta de um modelo teórico que contribui para a compreensão do luto antecipatório no contexto de cuidados paliativos pediátricos.

Para contextualizar os resultados que serão apresentados a seguir, julgou-se relevante descrever os participantes, com destaque para o seu diagnóstico e o momento do tratamento, assim como para sua dinâmica familiar.

Marisa uma criança de 7 anos de idade, com o diagnóstico de meduloblastoma parcialmente ressecado. Estava fazendo quimioterapia para reduzir o que restava do tumor e a equipe médica já havia decidido colocá-la em cuidados paliativos, porém não havia comunicado ainda à família da paciente. No momento da entrevista, estava internada para tratamento de uma infecção. Desta forma, a entrevista foi realizada à beira do leito da enfermaria, contando com algumas interrupções para assistência aos cuidados físicos da paciente. Com o intuito de facilitar a realização da entrevista, a pesquisadora ofereceu a possibilidade de utilizar o recurso lúdico (desenho), mas Marisa apresentou dificuldade para movimentar os braços e não conseguiu desenhar. Apresentou-se pouco comunicativa e não muito confortável durante a entrevista, buscando sempre dialogar com a mãe ao longo da narrativa. Residia em Salvador com os pais e era filha única.

Mãe Joana mãe de Marisa e, como principal cuidadora, estava sempre presente durante as hospitalizações e tratamento da filha. A expectativa da genitora era de cura e de retorno à vida anterior ao adoecimento. Esperava, ansiosamente, levar a filha para a escola e para brincar. Embora a equipe médica já houvesse decidido pelo cuidado paliativo, isso não foi claramente

explicitado para Joana. O principal suporte de Joana era a espiritualidade/fé e o suporte do marido. Trabalhava como doméstica.

Laura uma criança de 9 anos de idade. Ela tinha o diagnóstico de Tumor de Wilms, cuja localização é no rim, apresentando também um trombo tumoral extenso. Laura apresentou uma recidiva tumoral, a qual afetou o crânio, a mandíbula, o pulmão, o fígado, os linfonodos paraórticos e o átrio direito. Residia em Salvador com a mãe, o padrasto e uma irmã mais nova (6 anos de idade), família de classe média baixa. A paciente perdeu o pai quando tinha um ano de idade, por assassinato, e apresentava um forte vínculo com o padrasto, o qual considerava um pai. Quando adoeceu, Laura frequentava o terceiro ano do ensino fundamental. Quando a entrevista foi realizada, Laura havia recentemente sido colocada em Cuidados Paliativos e estava hospitalizada devido à forte dor de cabeça. Desta forma, a entrevista foi realizada à beira do leito da enfermaria, contando com algumas interrupções para assistência aos cuidados físicos da paciente. Foi oferecida a atividade lúdica através do uso de desenhos, porém a criança sinalizou não gostar e a recusou, sendo realizada somente a entrevista narrativa.

Mãe Rosana é a mãe de Laura e a sua principal cuidadora. Ela possui uma filha mais nova, de seis anos de idade e, quando a entrevista foi realizada, havia descoberto recentemente uma gravidez, sobre a qual Laura ainda não sabia. É casada e reside em Salvador. Relatou história de abandono na infância e a perda repentina do companheiro, pai de Laura, quando a mesma possuía 1 ano de idade. Rosana foi receptiva quando lhe forneci esclarecimentos sobre o estudo e solicitei o seu consentimento para a entrevista com Laura. Exerceu diversos trabalhos de cuidados gerais como autônoma e o último emprego foi como doméstica.

Felipe histórico de tumor cerebral aos dois anos de idade, sendo realizada cirurgia e tratamento e como sequela o paciente ficou cego. Aos 10 anos, identificou-se um novo câncer – osteossarcoma, e o paciente retornou ao tratamento. Foi necessário amputar a perna (desarticulação) e, no momento da entrevista, o paciente apresentava metástase pulmonar, sendo indicado o Cuidado Paliativo. Logo após a realização da entrevista, a criança teve alta hospitalar, sendo indicado o cuidado paliativo domiciliar e, desta forma, não foi possível realizar a entrevista com a sua mãe. Felipe relatou ter se sentido bem e ter gostado da participação no estudo, por poder falar sobre a sua trajetória e ajudar outras crianças que vão iniciar o tratamento. Não demonstrou clareza acerca da gravidade e da morte iminente.

João um adolescente de 14 anos de idade, diagnosticado com Leucemia Mielóide Aguda. Recusou o tratamento, junto com a sua família, pois não aceitou a possibilidade de transfusão de sangue proibida por sua religião (Testemunha de Jeová). No momento em que a entrevista foi realizada, estava em busca de diálogo com a equipe médica sobre um tratamento alternativo. Pouco comunicativo, demonstrou timidez ao longo da entrevista.

Mãe Edna mãe de João, diagnosticado com Leucemia Mielóide Aguda. Era a principal cuidadora e quem acompanhava o filho durante o tratamento e hospitalização. Concordou com o filho em não aderir ao tratamento por haver uma grande probabilidade de necessitar de transfusão de sangue, procedimento este não aceito pela religião da família. Demonstrou clareza sobre a possibilidade de morte do filho, ao mesmo tempo em que apresentou esperança de encontrarem um tratamento possível para ele. Residia com a família em Salvador e, além de João, tinha uma filha mais velha. Trabalhava como assistente administrativa.

Araci uma adolescente de 15 anos de idade, com o diagnóstico de TCG (tumor de células germinativas) misto (disgerminoma e Seio endodérmico) recidivado estádio IV. Ela apresentava imagem em pelve e lesões hepáticas. Residia no interior do estado com os pais e possuía oito irmãos, sendo um deles ainda bebê. Desta forma, quem acompanhou a paciente, durante a hospitalização e adoecimento, foi o seu pai, pois a mãe encontrava-se dedicada, no momento, ao bebê ainda muito pequeno. Nos momentos de alta hospitalar, costumava ficar na Casa de Apoio ofertada pelo hospital e, apenas quando o intervalo do tratamento era um pouco maior, conseguia ir para sua cidade para ficar em casa com a sua família.

Clara uma adolescente de 15 anos de idade, com o diagnóstico de um osteossarcoma extenso em região sacra, inoperável, e sem resposta ao tratamento quimioterápico e radioterápico. Filha única, residia com seus pais em Salvador. No momento da entrevista, estava em Cuidados Paliativos e internada para controle da dor constante e aguda. O pai era o seu principal cuidador e quem a acompanhava durante a hospitalização, principalmente porque a mãe apresentava problemas de saúde que a impediam de estar por longos períodos no ambiente hospitalar. A força física do pai também era um fator que contribuía para que fosse o principal cuidador, pois a adolescente demandava ajuda para se mover no leito.

A entrevista foi realizada durante a hospitalização, sendo interrompida algumas vezes devido às rotinas necessárias de cuidado. Clara foi bastante solícita, estava lúcida e orientada,

comunicativa. Relatou a história de adoecimento e as dificuldades enfrentadas e vivenciadas até o momento. Detalhou os sintomas e o processo do diagnóstico, apresentando como queixa maior a dor intensa.

Pai Pedro é o pai de Clara, única filha, seu principal cuidador, e quem a acompanhou durante o tratamento e a hospitalização. Residiam em Salvador e a mãe fazia visitas ao hospital, porém, por problemas de saúde, não conseguia revezar com o pai no acompanhamento da filha durante o internamento. Pedro apresentou clareza sobre a gravidade e a iminência da morte da filha e afirmou viver um dia de cada vez. Ressaltou, em alguns momentos da entrevista, o desejo de que a filha não fosse informada sobre os Cuidados Paliativos, pois acreditava que isso acabaria com a sua esperança e desejo de viver. Trabalhava como segurança.

Gabriela uma adolescente de 17 anos de idade, com diagnóstico de tumor no ovário e posterior osteossarcoma no joelho. No momento da entrevista, a paciente estava aguardando o resultado dos exames que indicaram a disseminação do tumor nos ossos, com metástase pulmonar. Após a entrevista, a paciente teve uma conversa com a mãe e a médica assistente para esclarecimentos acerca dos cuidados paliativos. Residia no interior da Bahia com os pais e um irmão mais novo e planejava morar em Salvador para a preparação para o vestibular. Sonhava em ser médica. Não foi possível realizar a entrevista com a mãe de Gabriela, pois, após a conversa com a equipe médica e a definição dos cuidados paliativos, elas retornaram para a cidade natal no interior da Bahia e em pouco tempo Gabriela faleceu.

Mãe Tati mãe de Kauã, que teve o diagnóstico de tumor cerebral aos dois anos de idade e enfrentou, por dez anos, o tratamento oncológico. Há três anos foram definidos os cuidados paliativos, quando já não havia mais possibilidades de cura. Tati é a principal cuidadora de Kauã, e quem o acompanha desde o primeiro diagnóstico oncológico. Residiam no interior da Bahia: Kauã, a mãe Tati e os pais de Tati. No momento da entrevista, Kauã estava hospitalizado para controle de crises convulsivas e, devido ao quadro clínico, não estava disponível para participar do estudo. Era funcionária de um banco quando o filho adoeceu. Após o seu adoecimento, não trabalhou mais.

Mãe Eliana é a mãe de Marcelo, 4 anos, que apresentou um carcinomatose (tumor cerebral) sem perspectiva de cura, sendo iniciado os cuidados paliativos. Foi a sua principal cuidadora e esteve todo o tempo com o filho durante o tratamento e a hospitalização. O pai da criança não

era presente e não apresentava uma boa relação com a mãe. Eliana apresentou clareza sobre a gravidade e a iminência da morte e afirmou viver um dia de cada vez, sem pensar no amanhã. Relatou o despertar da fé após o adoecimento do filho e indicou ser a sua principal fonte de apoio. Demonstrou preocupação com dificuldades financeiras, sendo que destacou o apoio social de amigos e vizinhos. Trabalhava como cabelereira.

COMO COMPREENDER O A EXPERIÊNCIA NO CONTEXTO DE CUIDADOS

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