• Nenhum resultado encontrado

Da agravação do crime de violência doméstica

B- Da agravação do crime de violência doméstica

Sustenta o recorrente que “não poderia ser aplicada a agravação resultante do artigo 86.° / 3 da Lei das Armas, pois o tipo legal de violência doméstica

integra nos seus elementos condutas com utilização ou exibição de armas.

Nestes termos, a aplicação da norma da referida Lei das Armas viola no presente caso o princípio ne bis in idem que está consagrado no artigo 29.°/

n.º 5 da CRP, pelo que, a moldura penal resultante da aplicação do artigo 152.

° / n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CP (limite mínimo de dois anos e limite máximo de cinco anos) não poderia ser agravada.

É, portanto, inconstitucional a norma do artigo 86.°/3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro”.

Foi o arguido condenado pela prática do crime de violência doméstica p. e p.

pelo artigo 152º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal e pelo artigo 86º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 Fev. (Regime Jurídico das Armas e Munições).

Dispõe o artigo 152º do Código Penal, sob a epígrafe “Violência doméstica”:

«1- Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou

tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

c) A progenitor de descendente comum em 1º grau, ou

d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade,

deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

(…)».

O crime de violência doméstica realiza-se através de uma pluralidade de actos, ou através de um único acto, que atingiram a saúde física, psíquica ou mental do ofendido e afectaram a sua dignidade pessoal.

Este tipo de crime visa a protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, sustentando Taipa de Carvalho ([2]) que o bem jurídico aqui

protegido é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da criança ou do adolescente, agrave as

deficiências destes, afectem a dignidade pessoal do cônjuge, prejudiquem o possível bem estar dos idosos ou doentes, ou sujeitem os trabalhadores a perigos para a sua vida ou saúde.

In casu para efeitos de integração do crime de violência doméstica há que atender ao abuso verbal, às injúrias dirigidas pelo arguido à assistente, às agressões físicas e psíquicas infligidas a esta e, por vezes, ameaçava-a

apontando-lhe uma caçadeira; comportamento que, globalmente considerado, revela um tratamento humilhante, causador de sofrimento psíquico e físico, que afectou a dignidade da ofendida, então sua mulher e com quem coabitava.

Estabelece o artigo 86º, sob a epígrafe “Detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, da Lei n.º 5/2006, de 23 Fev., alterada pela Lei n.º 17/2009, de 6 Maio (Regime Jurídico das Armas e Munições - RJAM):

« (…)

3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.

(…).»

Ora, o n.º 3 do citado artigo 86º só afasta a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respectivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada.

Tal agravação especial encontra fundamento num maior grau de ilicitude, dado o crime ser cometido com arma.

Por exemplo, o tipo objectivo do crime de roubo e do crime de furto

qualificado prevê uma agravação pela posse de arma – al. b) do n.º 2 do art.

210º e al. f) do n.º 2 do art. 204º, ambos do CP (o agente trazer, no momento do crime, arma aparente ou oculta) – não podendo, nestes ilícitos, funcionar a agravação especial decorrente do mencionado n.º 3 do art. 86º do RJAM.

Alega o recorrente que “o tipo de ilícito de violência doméstica pressupõe já um conjunto de comportamentos cuja configuração pode traçar-se pelo uso ou porte de arma, sendo estes um elemento do tipo de ilícito próprio do crime de violência doméstica. Isto porque o conceito de violência abrange já estas realidades (uso e porte de arma) tanto na vertente de violência física como na vertente de violência psíquica, conquanto a utilização de arma, seja para

ameaçar seja para agredir fisicamente constitui sempre um acto de violência e sempre que tal sucede, não é possível deixar de qualificar este comportamento como um comportamento violento”.

Mas sem razão.

Contrariamente ao alegado pelo recorrente, o uso de arma não é elemento do crime de violência doméstica, pelo que, não há fundamento para afastar a agravação a que alude o n.º 3 do artigo 86º do RJAM.

Por conseguinte, a referida norma não viola o princípio ne bis in idem.

Em função do exposto, nenhum reparo nos merece a decisão recorrida quando considerou que a factualidade dada como assente integrava a prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, al. a) e 2 do Código Penal e pelo artigo 86º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 Fev..

*

Documentos relacionados