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3 O PROCEDIMENTO CRIMINAL SEGUNDO A LEGISLAÇÃO, A

3.1 DA APURAÇÃO DO CRIME À SENTENÇA CONDENATÓRIA

Como regra, a investigação se inicia com a formação de um inquérito realizado pela autoridade policial, um relatório no qual estarão documentados por escrito a narração do fato com todas as suas circunstâncias (como tempo, lugar etc.) e o indiciamento de um ou mais acusado(s), tido como autor do crime ou, na linguagem penal, o seu sujeito ativo. O inquérito, portanto,

trata-se de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime, bem como a composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação privada. (NUCCI, 2014: p.52)

Esse inquérito, pois, entendido como um procedimento preparatório e preventivo, serve à proteção do indivíduo investigado e à produção de provas perecíveis, de modo que possui características específicas como o sigilo, a falta de contrariedade da defesa, a consideração do indiciado como objeto de investigação com direitos e garantias constitucionais preservados, a impossibilidade de se arguir a suspeição da autoridade policial que o preside, a discricionariedade na colheita das provas. (Ibidem: p.53)

Se o formalismo do inquérito é a sua tônica, diversos estudos apontam a excessiva

cartorialização da atividade de polícia judiciária, atribuição das Polícias Civis, diante da

baixa capacidade investigativa ante os fatos apurados pela Polícia Militar (PAIXÃO, 1982; KANT DE LIMA, 1995), reduzindo-se a uma peça burocratizada e, às vezes, pouco capaz de

resolver a dinâmica criminosa apontando um suspeito. Conforme dados do Relatório Nacional da Execução da Meta 2: um diagnóstico da investigação de homicídios no país (ENASP, 2012), mesmo o homicídio, enquanto um dos crimes com maior taxa de elucidação no país, só tem sua autoria esclarecida em 8% dos casos em média (SINHORETTO; LIMA, 2015). Na tentativa de que a autoridade policial, em contato com a cena do crime, tome as primeiras providências, no sentido de resguardar o local do crime e de determinar a colheita de provas para a realização de perícias técnicas, o Código de Processo Penal prevê o seguinte:

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas

circunstâncias;

IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter. X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) (sem destaques no original) (BRASIL. Decreto-lei nº 3.689/1941).

Essas primeiras medidas ajudarão na composição do inquérito, constituído como a reunião dos indícios da materialidade do fato e de autoria do delito, sendo possível a realização de exame de corpo de delito e outras perícias ainda no curso da investigação, a exemplo de tanatoscópica (cadáver), sexológica, grafotécnica, toxicológica. Somente a perícia psiquiátrica quanto à sanidade mental do investigado precisa ser requerida à juíza para poder ser feita no curso do inquérito conforme art. 149, §1º do CPP. Em se tratando de crime que deixa vestígios, a exemplo do latrocínio, a norma processual penal exige a realização do exame de corpo de delito conforme o art. 158 do CPP. Por conseguinte,

É próprio afirmar que toda infração penal possui corpo de delito, isto é, prova da sua existência, pois se exige materialidade para condenar qualquer pessoa, embora nem todas fixem o corpo de delito por vestígios materiais. Em relação a estes últimos é que se preocupou o artigo em questão, exigindo que se faça a inspeção pericial, com a emissão de um laudo, para comprovar a materialidade. Portanto, em crimes que deixam vestígios materiais deve haver, sempre, exame de corpo de delito. Preferencialmente, os peritos devem analisar o rastro deixado pessoalmente. Em caráter excepcional, no entanto, admite-se que o façam por outros meios de prova em direito admitidos, tais como o exame da ficha clínica do hospital que atendeu a vítima, fotografias, filmes, atestados de outros médicos, entre outros. É o que se chama de exame de corpo de delito indireto. Essa situação pode ser necessária quando, por exemplo, o cadáver desaparece, mas foi fotografado ou filmado por alguém, exigindo-se, ainda, o registro do atendimento feito por outros médicos. (NUCCI, 2014: p.355)

Com o inquérito formado ou havendo peças de informação relativas à apuração do fato e sua autoria, o Ministério Público, por ser o titular da ação penal pública conforme previsão constitucional do art. 129, I (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) pode oferecer denúncia ao Juiz competente, iniciando, assim, o processo judicial. Com efeito,

a persecução penal inicia-se, via de regra, na Polícia, que, após as investigações necessárias, organiza a peça informativa, a fim de servir de base a acusação. Como o Estado não pode auto-executar o seu poder de punir, porque a condenação que ele exige e pretende "deve resultar de processo e sentença da autoridade judiciária", (...); como para tal fim é necessária a ação penal, porque o processo não se inicia sem provocação da parte; como o Estado, embora sendo a verdadeira parte, o verdadeiro interessado, não pode intervir diretamente no processo, como parte, em virtude da sua qualidade de pessoa jurídica, instituiu-se um órgão encarregado de exercer aquela função pública: o Ministério Público. (...) Portanto, quando é o órgão do Ministério Público que promove a ação penal, diz-se que a ação penal é pública. (TOURINHO FILHO, 1999: pp.317-318)

Para os casos estudados como dados do presente trabalho, o procedimento se desenrolou desde a fase policial, passando pelo Ministério Público até a fase judicial, em que houve a instrução do processo com a coleta e valoração de provas periciais, documentais e/ou testemunhais pertinentes, culminando com a prolatação da sentença condenatória em desfavor da(s) ré(s).33 No crime de latrocínio, como na maioria das infrações penais previstas na legislação brasileira, a ação penal é pública incondicionada34, consoante o art. 100, CP que prevê: “A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.” Excepcionalmente, a lei brasileira admite a ação penal privada para alguns crimes,

33 Para uma discussão acerca da morosidade do Poder Judiciário, no âmbito criminal, seria pertinente consultar ADORNO; PASINATO, 2007.

34 O presente trabalho não pretende aprofundar nas distinções propriamente jurídicas entre os tipos de ação penal e seus critérios de classificação. Para isso, veja-se TOURINHO FILHO, 1999.

a exemplo dos crimes contra a honra. O caráter publico da ação penal revela que, independentemente da vontade da vítima, pode haver a persecução do agente da infração, uma vez que o bem jurídico resguardado, muitas vezes, reúne interesse de toda a sociedade na punição do agente. No caso do roubo qualificado pelo resultado morte, como crime complexo, tem a norma penal proibitiva o objetivo de proteger os bens jurídicos vida e patrimônio.