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DA CARTA DE CAMINHA ÀS CARTAS DOS INCONFIDENTES

No ano de 1500, mandou o Sereníssimo Rei de Portugal, chamado Dom Manuel de nome, uma sua armada de naus e navios às partes da Índia [...] Das quais 12 naus ordenou que 10 fossem a Calicute e as outras duas para Arábia.

Piloto Anônimo

Um dos traços mais comuns que se pode verificar em todas as associações humanas, desde que se tem notícia da existência de formas mínimas de comunicação, é a tendência, que se assemelha à necessidade, de nomear lugares, pessoas, objetos, animais, plantas, sentimentos e acontecimentos, tornando, assim, uma qualidade distintiva da qual não se furtariam nossos antepassados mais conhecidos, os Tupi-guarani.

Pertencente ao tronco linguístico macro-tupi, os Tupi-guarani, originários provavelmente do oeste ou noroeste da Amazônia, desceram até a depressão do pantanal e, posteriormente, atravessaram o planalto brasileiro, alcançando, a partir daí, a costa litorânea, donde se dividiram em vários grupos, entre eles, tupinambás, potiguares, tabajaras, temiminós, tupiniquins, caetés, carijós, guaranis, só para citar os mais importantes.

Nessa diáspora espetacular, os índios foram deixando nomes para todos os acidentes geográficos, faces de escarpas, regiões, rios, plantas, animais, além de nomear a terra que lhes pertencia com o nome de Pindorama, primeiro gentílico que ficou conhecido entre nós, brasileiros. Posteriormente, com a chegada dos europeus, o Brasil foi adquirindo outros nomes, Ilha de Vera Cruz, Terra Nova, Terra dos Papagaios, Terra de Vera Cruz, Terra de

Santa Cruz, Terra Santa Cruz do Brasil, Terra do Brasil e, definitivamente, Brasil, desde 1527.

Ainda sobre o batismo do maior país da América do Sul, é curioso notar que dezenas de estudos se propõem a esclarecer sobre a origem do étimo Brasil. Assis Cintra, por exemplo, ao publicar a obra O nome Brasil (com S ou com Z?), há quase um século (1920), analisou e criticou treze hipóteses etimológicas sobre o vocábulo “brasil”, mostrando, para nós, a autoria desses estudos (1920, p.8 e 9), acrescentando, ainda, a essas investigações acadêmicas, a tese de que a palavra “brasil” é derivada do substantivo bras, de origem germânica, que significa fogo que, por sua vez, originou, na língua portuguesa, o substantivo brasa, conforme apreendemos de suas afirmações, abaixo transcritas:

Foram esses os etymos que encontramos nas numerosas monografias lidas por nós no decorrer de alguns annos, cada qual muito bem apadrinhada. Um dia puzemos nossas mãos inhabeis na seara immensa dos etymos e formulamos a seguinte hypothese: BRASIL. DERIVA-SE DIRECTAMENTE DO GERMANICO (ant. alt.al.) BRAS, GENITOR DO PORTUGUES BRASA [...] O vocábulo brasil, designação de um páo que deu nome a nossa Patria, não se origina do grego e sim do germânico

bras (fogo).[...] Duas das mais empregadas palavras dos germanos eram o

substantivo bras, fogo, carvão acesso, e o verbo brasen, queimar, incandescer.Antes do domínio germânico a palavra brasil não existia em parte alguma do império romano. Não se encontra em escriptores latinos, nem os léxicos de latinidade clássica a mencionam. Somente o baixo latim, apanhando-a do alemão antigo, a registrou, como veremos adiante. [...] Os germânicos, nessa época, não dominavam somente Portugal. Dominavam a Espanha, a Itália, a França, etc. Não seria natural que addicionassem ao substantivo bras o sufixo ili do latim bárbaro) designativo de qualidade? Compara-se por exemplo, os substantivos tamboril (tambor + il), pernil (perna + il), quadril (quadra + il), jovenil (jovem + il), mulheril (mulher + il), febril (febre + il), projectil (projecto + il). Pois não se teria formado também brasil, de BRAS, que quer dizer fogo, e IL, que dá idéa de qualidade, predicado, atributo? [...] Contestamos, pois, a opinião daquelles que dizem que brasil vem do português brasa. Antes do nascimento da lingoa portuguesa e espanhola, já existia o vocábulo brasil, criado pelos germânicos, para traduzir litteralmente o vocábulo árabe bakkam, significando um páo vermelho como fogo. (CINTRA, 1920, Pags. 9,12,14,15,109 e 110)

Antes de chegar a essa conclusão, é notável o quanto Francisco de Assis Cintra percorre diversas veredas, para formular a sua tese germânica. Dentre esses distintos caminhos, destacamos as notórias insinuações que o referido pesquisador faz acerca da contribuição árabe, para a existência da palavra “brasil”, como se observa, de suas afirmações, no discorrer de sua tese, onde se pode verificar que, se o vocábulo “brasil” não deriva diretamente do árabe, certamente será no árabe, que poderemos encontrar a gênese de todas essas explicações etimológicas, principalmente se levarmos em conta todo o contexto histórico, sociológico, político e econômico da expansão árabe pela Europa, conforme se pode verificar do importante exemplo do vocábulo bakkam, e das diversas referências, ao longo de toda a obra, acerca da contribuição árabe para a formulação definitiva do substantivo, pelo qual ficou conhecido o maior país de língua portuguesa:

Seria o nosso brasil oriundo do árabe varsil? Absolutamente não. Primeiro, porque não existe analogia alguma entre um páo vermelho e um vento tempestuoso; segundo, porque os árabes, introductores do páo brasil na Europa, tinha um nome próprio para designar esse páo vermelho: chamavam-no bakkan.[...] Em 830 da era chistã o viajante árabe Albuzeil e Hacen elogiou, em seu livro, o bakkan (páo brasil) da Ilha Alrami (Sumatra), demonstrando as vantagens de sua introducção no commercio europeo. Ibn Hankal, em 920, Edrisi em 1150, Iakant-al-Hamavi, em 1229, Aboufelda em 1273 são notáveis escriptores árabes em cujas obras se encontram referências à introducção do bakkan no commercio europeo no decorrer do século VIII. Seria, pois naturalissimo que os visigodos da Peninsula Iberica conhecessem o páo brasil no século VIII com o nome árabe bakkan. Ou porque sentissem dificuldades na pronuncia da palavra, ou porque seguissem a lei natural da nacionalização das expressões peregrinas por intermédio de expressões vernáculas equivalentes, o caso é (a isso nos levam a analyse geo-historica, a lógica e a philologia) que os visigodos traduziram ao pé da lettra a expressão árabe bakkan (bha-khaan, o que é vermelho), criando a expressão brasil, e utilizando-se, para isso do radical bras (fogo ou qualidade do fogo, como, por exemplo rubro ou vermelho) e do sufixo nominativo il (ilis), de uso vulgar na edade média, entre os povos que estiveram sob o domínio romano. Dahi brasil (brasil), significando, como o árabe bakkan, cousa vermelha, ou seja, referindo-se a um páo – o páo vermelho.(CINTRA, 1920, p. 21-22)

Como se pode observar dessas afirmações, o estudo da origem da palavra “brasil”, com s ou com z, suscita diversas controvérsias etimológicas. No entanto, o mesmo não ocorre, quando diversos pesquisadores são unânimes em afirmar terem sido os árabes, os responsáveis pelas descobertas das utilidades do pau-brasil, pela apresentação de seus benefícios aos europeus, e pela comercialização, não só no Oriente Médio, como na Ásia, e principalmente na Europa.

Essa opinião também é compartilhada pelo historiador e etnógrafo brasileiro, Bernardino José de Souza, autor de um trabalho pioneiro sobre a importância do pau-brasil para a nação brasileira, Bernardino faz uma exaustiva pesquisa acerca desse símbolo nacional, minuciando-o com os estudos da botânica, da economia, da política, além de dedicar, inclusive, parte de sua obra, O Pau-Brasil na História Nacional, (1938), para esclarecer a origem árabe desse primeiro produto de exportação nacional, conforme se vê transcrito abaixo:

O conhecimento do pau-brasil parece remontar ao século IX pelos itinerários dos árabes El-Hacem e Abuzie, publicados por Renandot nas “Antigas Relações com as Indias” e onde se designa com o nome persa Bakham que ele traduziu em latim Bresilium, o pau-brasil é muito parecido nas qualidades com uma planta de Samatra, donde se extrae também tinta da mesma cor. Tanto esta droga como o pau-brasil eram importados para a Europa pelos árabes, vindo do oriente pelo mar vermelho, e por terra atravessando o Egyto. (SOUZA, 1938, p.82)

Seja qual for a origem do étimo “brasil”, dentre as diversas afirmações, poderemos encontrar uma conexão que nos aponta para a afirmação de que a história brasileira, contada a partir dos primeiros passos da colonização, inicia-se com fortes vínculos à cultura árabe. Principalmente, se levarmos em conta, também, que a cana-de-açúcar, planta herbácea e cespitosa, de origem árabe, importado da Palestina pelos monarcas lusitanos,

que a experimentou primeiramente na Ilha da Madeira e, juntamente com o pau-brasil, foram os dois primeiros produtos a mover, inicialmente, a economia e a miscigenação brasileira. E se pairam dúvidas acerca da origem árabe do gentílico Brasil, resta a certeza de que o produto e o nome açúcar2, são genuinamente árabes, hoje, depois de séculos de aclimatação, árabe-brasileiro.

2 Segundo Vieira, o vocábulo açúcar tem origem no substantivo árabe as-sukkar, opinião também

compartilhada por Aurélio Buarque de Holanda. (VIEIRA, Júlio Doin. Dicionário de Termos Árabes da