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Capítulo 1 – Da etnografia na Criação das Identidades Nacionais

1.3. Da circulação de modelos: as exposições universais e os museus patrióticos

No ano de 1851, em Londres, realizou-se no recentemente construído Crystal Palace uma Exposição Internacional, a primeira do género. O seu sucesso derivou não só da novidade que um evento desta dimensão trazia, como pela aliança entre a expressão identitária da exposição e o modernismo tecnológico patente no Crystal Palace [Fig.9].

Em 1867, desenvolve-se em Paris uma outra exposição universal. Anne Marie Thiesse chama-nos a atenção para a secção X da exposição, dedicada aos Objets

spécialement exposés en vue d’améliorer la condition physique et morale de la population. Esta secção expôs uma secção de produtos manufacturados destinados a

uma clientela popular. No meio destes objetos pretendeu-se apresentar as mais recentes realizações industriais a par com uma apresentação de trajes antigos populares. Das várias secções, os expositores escandinavos impressionaram bastante o público em geral, pela originalidade com que desenvolveram a sua exposição. Ao longo de uma galeria, cuja linguagem estética inspirava-se na arquitetura medieval norueguesa, dispuseram nichos com representações de cenas da vida rural [Fig. 10-12]. No interior do parque da exposição montaram também duas reconstituições de aldeias rurais: uma casa de quinta sueca e um celeiro norueguês transformados no interior em salas de exposições.

135 Sobre estes assuntos consultar: THIESSE, Anne Marie – A criação das identidades nacionais. Europa

– séculos XVIII-XX. 1ª edição. Lisboa: Temas e Debates, 2000.

Fig. 10 – Secção Sueca e Norueguesa da Exposição Internacional de 1867 [online]. Archives Nationales Fontainebleu – Paris – Pierrefitte-sur-Seine. Disponível em: https://www.siv.archives- nationales.culture.gouv.fr/siv/rechercheconsultation/consultation/ir/consultationIR.action?udId=c25mzjuzc7aw-3oef21fa9nwv&irId=FRAN_IR_052901

Fig. 11 – Secção Sueca e Norueguesa da Exposição Internacional de 1867 [online]. Archives Nationales Fontainebleu – Paris – Pierrefitte-sur-Seine. Disponível em: https://www.siv.archives- nationales.culture.gouv.fr/siv/rechercheconsultation/consultation/ir/consultationIR.action?udId=c25mzjuzc7aw-3oef21fa9nwv&irId=FRAN_IR_052901

Fig. 12 – Secção Sueca e Norueguesa da Exposição Internacional de 1867 [online]. Archives Nationales Fontainebleu – Paris – Pierrefitte-sur-Seine. Disponível em: https://www.siv.archives- nationales.culture.gouv.fr/siv/rechercheconsultation/consultation/ir/consultationIR.action?udId=c25mzjuzc7aw-3oef21fa9nwv&irId=FRAN_IR_052901

Fig. 13 – Pavilhão da Suécia e da Noruega na Exposição Internacional de 1878. [S.N.] – Les Merveilles de L’exposition de

1878 [online]. Paris: Librairie Illustrée; Librairie M. Dreyfous, 1879, p. 189. Disponível em:

http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k9600626k/f13.item.r=pavillon%20suède%201878.zoom

Fig. 14 – Pavilhão da Suécia e da Noruega na Exposição Internacional de 1878. [S.N.] – Les Merveilles de L’exposition de

1878 [online]. Paris: Librairie Illustrée; Librairie M. Dreyfous, 1879, p. 193. Disponível em:

[15] – Tipos e hábitos dos habitantes do Distrito de Lulle, p. 192.

[16] – A morte de uma criança em Dalécarlie, p. 201.

[17] – Interior e hábitos dos habitantes do distrito de Halmstad, p. 204.

Fig. 15-17 – Museu etnográfico escandinavo no Palácio de Trocadéro [S.N.] – Les Merveilles de L’exposition de 1878 [online]. Paris: Librairie Illustrée; Librairie M. Dreyfous, 1879. Disponível em:

http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt 6k9600626k/f13.item.r=pavillon% 20suède%201878.zoom

Anne Marie Thiesse indica-nos também que a secção sueca deixou novamente a sua marca na Exposição Internacional de 1878, igualmente em Paris. Esta exposição foi ainda mais longe ao trazer um modelo de exposição que viria a servir de modelo para a museologia etnográfica europeia das décadas seguintes. Artur Hazelius137 (1833-1901), o arquiteto da exposição sueca, apresentou dezenas de manequins trajados com trajes tradicionais em reconstituições de interiores rústicos cujas paredes eram decoradas com pinturas de paisagens nacionais, criando-se autênticas cenografias. [Fig. 13-17] Hazelius havia percorrido a região da Dalecárlia, na Suécia, onde reuniu trajes e utensílios rurais. A coleção que reuniu, aberta ao público em 1872 com o objetivo de “utilizar os objetos do património para acordar e estimular os sentimentos patrióticos do visitante”138, deu depois origem ao Nordiska Museet em 1880. Servindo-se do diorama

como modelo de exposição, Hazelius compôs quadros vivos através do uso de manequins de cera e de jogos de dramatização dos personagens, cujas expressões eram fixadas em instantâneos. Os manequins eram colocados num palco, aberto de um dos lados para o público139. Usando as palavras de Anne Marie Thiesse, “a referência teatral

é óbvia”140

A partir da solução da Suécia na Exposição Internacional de 1878, a reconstituição de “aldeias nacionais” e de interiores rústicos passou a ser um dos atrativos maiores das exposições internacionais e nacionais. Por exemplo, na Exposição Internacional de Chicago de 1893, desenvolveu-se uma “aldeia alemã”. Na Exposição Nacional de Genebra de 1896 cria-se uma “aldeia suíça”. Nesta exposição chegou-se ao ponto de reconstruir chalets verdadeiros, desmontados e remontados pedra a pedra, juntamente com construções fabricadas para a ocasião. Era possível ver-se ainda uma cascata com animais e figurantes em trajes “típicos” que se dedicavam ao negócio de câmbios, à produção de queijos e a atividades artesanais sob o olhar do público. Em dias e horas específicos, faziam a celebração de festividades e de procissões, criando assim um verdadeiro microcosmos congelado e imune ao mundo exterior.

137 Arthur Immanuel Hazelius (1833-1901), foi um professor sueco, etnógrafo e fundador do Nordiska

Museet e do Museu Skansen.

138 Cf. THIESSE, Anne Marie – A criação […], p. 199-200. 139 Cf. THIESSE, Anne Marie – A criação […], p. 199-200. 140 THIESSE, Anne Marie – A criação […], p. 200.

A aldeia suíça teve um sucesso tão grande que na Exposição Internacional de 1900 pretendeu-se desenvolver uma “aldeia francesa” segundo os mesmos padrões, que não se realizou por falta de financiamento. Contudo, como se estava no fim do século, criaram-se os “museus centenais”, destinados a ilustrar a evolução das artes e das técnicas ao longo do século. O museu destinado ao mundo agrícola apresenta, em construções de estética medieval, manequins trajados com trajes típicos dispostos em cenas campestres.

A reprodução das “aldeias nacionais” ganha uma expressão identitária muito forte e que perdurará até meados do século XX. São disso exemplo o Concurso da

aldeia mais portuguesa de Portugal, lançado em 1938 e a inauguração do Portugal dos pequenitos em 1940141. “Trata-se evidentemente de apresentar a unidade profunda da

diversidade. A composição nada tem de inocente e pode exprimir reivindicações territoriais precisas”142. Para explicar melhor esta questão, Anne Marie Thiesse

exemplifica com a Exposição do Milénio Húngaro de 1896, que celebrou a conquista do território pelas tropas de Árpád, e a exposição etnográfica que se realizou em Praga no ano anterior. A exposição do Milénio Húngaro faz um paralelismo entre o avanço tecnológico que a Hungria estava a conhecer e os produtos manufacturados, através da recriação de uma “aldeia húngara”, que reproduzia, em dimensões aumentadas, as portas de entrada das aldeias dos Székelys, 12 casas húngaras e outras 12 casas que representavam as minorias regionais. Compreende-se então uma “vontade de mostrar a unidade do Estado para lá da diversidade étnica”143. Esta aldeia construída para a

Exposição do Milénio era idêntica à aldeia apresentada no ano anterior na grande exposição etnográfica checoslovaca em Praga, sendo evidente, portanto, o conflito territorial.

Ainda dentro desta questão é de se salientar ainda, no caso português, a tentativa de definição da “Casa Portuguesa” de Raul Lino à representação de um “Império Português” na Exposição do Mundo Português de 1940. Da definição da aldeia mais

portuguesa de Portugal à criação dos museus de Arte Popular e de Etnografia, nos quais

141 Sobre este assunto consultar: BOTELHO, Maria Leonor – “Memória e Identidade nacionais. O Portugal dos pequenitos e a recriação de um Portugal monumental”. In De Viollet-le-Duc à Carta de Veneza. Teoria e prática do restauro no espaço Ibero Americano. Lisboa: LNEC, 2014, p. 63-70.

142 THIESSE, Anne Marie – A criação […], p. 198. 143 THIESSE, Anne Marie – A criação […], p. 199.

a diversidade regional surgia envolvida numa unidade representada pelo trabalho e pela existência rural.

A secção sueca da exposição de 1878 não só deu o mote para o desenvolvimento das “aldeias nacionais”, como temos visto, tendo igualmente servido de modelo para os museus etnográficos, criados na Europa nas décadas seguintes, num calendário apertado: em 1884 inaugura-se a Sala de França no Museu do Trocadéro, com uma exposição de folclore nacional; em 1885, abre ao público o Museu de Etnografia Dinamarquês; em 1889 o Museum für Deutsche Volktrachten und Erzeugnisse des

Hausgwerbes em Berlim; em 1894, o Museum für Volkskunde em Viena, e assim por

adiante. Simultaneamente, são fundadas sociedades nacionais de etnografia, que publicam revistas sobre o tema e definem instruções para recolhas de peças. A primeira destas sociedades é a Folklore Society, instituída em Londres precisamente em 1878.