• Nenhum resultado encontrado

Da Comissão de Controlo Prévio à Autorização e Controlo Judicial

IV. DA ATUAÇÃO DO SIRP E DO ACESSO AOS DADOS DE

6. Da Fiscalização e do Controlo da atividade de produção de informações

6.3. Da Comissão de Controlo Prévio à Autorização e Controlo Judicial

O Ac. do TC n.º 403/2015 concluiu que a proposta da criação de uma Comissão de Controlo Prévio, tal como prevista pelo Decreto 426/XII, não iria substituir a intervenção de uma autoridade judiciária exigida nos termos constitucionais (cf. n.º 20 do aresto):

“E não é a intervenção da Comissão de Controlo Prévio, que tem a virtualidade de judicializar o acesso aos dados de tráfego. A titularidade do processo penal é atribuída às autoridades judiciárias competentes – Ministério Público, juiz de instrução criminal e juiz de julgamento [(cfr. alínea b) do artigo 1.º do CPP] e aquela Comissão tem a natureza de órgão administrativo não inserido jurídico normativamente na organização judicial, pese embora a qualidade dos seus membros. De facto, do ponto de vista formal ou orgânico,

120 não exerce a função judicial e, do ponto de vista material, não exerce a função jurisdicional”.

Continua o Acórdão referindo que “… independentemente da sua concreta composição, a comissão de controlo prévio configura um órgão administrativo e neste ponto é irrelevante saber se é composta por magistrados judiciais, já que os mesmos atuam, não na veste de entidade judicial, mas como membros já referida comissão administrativa. De facto, não é específica atividade profissional dos membros que compõem um determinado órgão que muda a natureza do mesmo, transformando-o de órgão administrativo em órgão judicial. Nem o sistema de autorização prévia dada pela referida Comissão para o acesso e manutenção dos dados de tráfego se poderia equiparar ao controlo existente num processo penal”.

Diferencia-se no arresto ainda a atuação da entidade de controlo num processo penal – que assegura as garantias de acesso aos dados, bem como o tratamento, manutenção e destruição ou cancelamento dos mesmos (pelas garantias do Código de Processo Penal e pela Lei n.º 32/2008, de 17 de julho) – da competência levada a cabo pela Comissão de Controlo Prévio “que se limita a conceder um “visto” prévio de autorização, após o que deixa de ter qualquer intervenção durante as atividades de acessos aos dados em causa”.

O assunto foi revisto pela Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto178, em que a natureza jurisdicional prévia decorrente do acesso aos dados de tráfego é constituída por um procedimento faseado, conforme concretiza o Professor JORGE BACELAR GOUVEIA (2018, p. 751ss):

- a iniciativa: desde logo, o “procedimento obrigatório e vinculado de autorização judicial prévia do acesso dos oficiais de informações do SIS e do SIED a dados de telecomunicações e Internet inicia-se com o pedido elaborado pelos diretores do SIS ou do SIED, ou de quem os substitua em caso de ausência ou impedimento, enviado pelo Secretário-Geral do Sistema de Informações da

178 “A tramitação da autorização do acesso a estes dados [dados de tráfego] foi profundamente remodelada por

este diploma [Lei Orgânica] e tem uma natureza jurisdicional prévia”, conforme JORGE BACELAR GOUVEIA (2018).

121 República Portuguesa ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com conhecimento ao Procurador-Geral da República” (Art. 9.º, n.º1);

- a decisão: “A decisão judicial de concessão ou de denegação da autorização consta de despacho proferido no prazo máximo de 48 horas, fundamentado com base em informações claras e completas, nomeadamente quanto aos objetivos do processamento” (Art. 10.º, n.º 3);

- a execução: “A transmissão diferida dos dados de telecomunicações e Internet obtidos de acordo com o regime consagrado na presente lei processa-se mediante comunicação eletrónica, com conhecimento da formação das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça prevista no artigo 8.º e ao Procurador-Geral da República, nos termos das condições técnicas e de segurança fixadas em portaria do Primeiro-Ministro e dos membros do governo responsáveis pelas áreas das comunicações e da cibersegurança, que devem observar um grau de codificação e proteção o mais elevado possível, de acordo com o estado da técnica ao momento da transmissão, incluindo métodos de codificação, encriptação ou outros adequados” (Art. 11, n.º 1);

- o acompanhamento: “Após a comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior, a formação das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça valida o tratamento pelo SIS ou pelo SIED dos dados de telecomunicações e Internet considerados em conformidade com o disposto no número anterior” (Art. 12, n.º 2);

- a fiscalização: por um lado pelo CFDSIRP – na medida em que “A Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP é a autoridade pública competente para a fiscalização do respeito pelos princípios e cumprimento das regras relativos à qualidade e à salvaguarda da confidencialidade e da segurança dos dados obtidos de acordo com o procedimento obrigatório e vinculado previsto na presente lei”, por outro pelo CFSIRP – visto que “Compete ao Conselho de Fiscalização do SIRP receber do Secretário-Geral, com regularidade mínima bimensal, uma lista dos pedidos de autorização de acesso a dados de telecomunicações e Internet submetidos à formação das secções criminais referida no artigo 12.º podendo solicitar e obter os

122 esclarecimentos e informações complementares que considere necessários e adequados ao exercício das suas funções de fiscalização” (Art. 16.º, n.º 2).

Conforme interpreta JORGE BACELAR GOUVEIA (2018, p.753), “São várias as questões que aqui se levantam, se bem que esta versão do acesso aos metadados [decorrente da Lei Orgânica n.º 4/2017], por força da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, possa ter afastado boa parte dessas dúvidas, para não dizer todas elas sob o prisma de não se tratar de aceder a dados protegidos pela inviolabilidade das comunicações privadas, envolvendo o risco de inconstitucionalidade”179.

Tal como explana o Parecer 2/2017 da CFDSIRP, a propósito da Proposta de Lei n.º 79/XIII/2.ª (GOV), “a intervenção prévia dos Serviços de Informações, no âmbito do combate a terrorismo, tem essencialmente em vista, (…), habilitar as autoridades judiciárias com a informação necessária para poderem levar a cabo, mais eficazmente, as funções de repressão e julgamento dos crimes que vierem eventualmente a ser cometidos”. Por este motivo, para a CFDSIRP revela-se mais adequado desta forma “prever uma tal intervenção de apoio, (…), às autoridades judiciárias, no combate a formas particularmente graves de criminalidade, através de uma lei extravagante de natureza penal, que consagre, até por isso mesmo, adequadas formas de controlo judicial em todo o processo da referida intervenção” (p. 9).