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IV. DA ATUAÇÃO DO SIRP E DO ACESSO AOS DADOS DE

2. Enquadramento Legislativo da Proteção de Dados e o Sigilo das

2.1 Em Portugal

O acesso a dados relacionados com as comunicações eletrónicas tem sido uma matéria amplamente regulamentada, algo que se deve, principalmente, a pressões comunitárias (Cf. ponto 10 do Ac. do TC n.º 403/2015).

De acordo com o Art. 2.º da CRP a “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”. Tal como ensinam J.J. GOMES CANOTILHO & V. MOREIRA (2007, p. 205) “Na sua vertente de Estado de direito, o princípio de Estado de direito democrático, mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a

princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e

segurança”. Assim, “Ao Estado incumbe não apenas «respeitar» os direitos e liberdades fundamentais, mas também «garantir a sua efectivação»” (p. 208).

Também importa enfatizar que “O Estado subordina-se à Constituição e funda- se na legalidade democrática”, de acordo com o n.º 2 do Art. 3.º da CRP. Conforme ensinam J.J. GOMES CANOTILHO & VITAL MOREIRA (2007, p. 216), este preceito “reitera o princípio da constitucionalidade do Estado, ou seja, de que ele não se encontra acima ou à margem da Constituição mas antes submetido a ela (princípio da juridicidade constitucional vinculativa de todos os poderes do Estado)” pelo que “O Estado não é sujeito da Constituição, é o seu objecto”.

Em Portugal, desde 1976, que a Lei Fundamental dispõe que “1 – Todos os cidadãos têm o direito de acessos aos dados informatizados que lhe digam respeito,

65 podendo exigir a sua retificação e atualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei” (Art. 35.º), complementado que a lei deverá definir o conceito de dados pessoais, bem como as condições do eventual tratamento de forma automática, a sua conexão, transmissão e finalidades, garantindo a sua adequada proteção (n.º 2). O n.º 3 do Art. 35.º assegura que “é proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais previstos na lei”. É indiscutível que o Art. 35.º da CRP é relevante no âmbito da definição legal de dados pessoais, no sentido em que os dados de tráfego estão incluídos nesta aceção, que vai ao encontro das decisões do TJUE (Cf. Acórdãos Digital Rights Ireland Ltd. e Tele

2). Para CATARINA SARMENTO E CASTRO (2005, p. 1) “O direito consagrado

no artigo 35.º traduz-se num feixe de prerrogativas que pretendem garantir que cada um de nós não caminhe nu, desprovido de um manto de penumbra, numa sociedade que sabe cada vez mais acerca de cada indivíduo. É um direito a não viver num mundo com paredes de vidro, é um direito a não ser transparente, por isso, desenha-se como um direito de proteção, de sentido negativo”.

Segundo o Parecer elaborado pela CNPD sobre a Proposta de Lei n.º 79/XIII/2.ª (Parecer 38/2017), “…quando consideramos a tutela prevista pelo artigo 7.º da Carta, pelo artigo 8.º da CEDH e pelos artigos 26.º, 34.º e 35.º da CRP, esta tem de ser assegurada, segundo uma leitura atualista, cobrindo todas as realidades de comunicação que a tecnologia hoje oferece e, portanto, protegendo as dimensões humanas fundamentais que por via dos tratamentos dos dados pessoais são atingidas” (p. 3). Também significante é o Parecer N.º 24/2017 da CNPD, tornando-se perentório quanto à opinião de que o projeto de lei 480/XIII/2.ª (CDS-PP) visa conferir natureza criminal ao acesso a dados pessoais, no sentido em que “para que esse acesso se constitua como constitucionalmente aceitável e, ao mesmo tempo, retirar essa natureza criminal para que se mantenham prerrogativas de atuação compreensíveis, dentro das fronteiras de atribuições dos SIRP e sujeitas à sua reconhecida especificidade, como é disso exemplo o recurso ao segredo de Estado”, em que, em contrapartida, “sincronizadamente se constituem como inadmissíveis no quadro do acesso e utilização dos dados de comunicações dos visados, a quem não pode deixar de se reconhecer um conjunto de garantias e direitos constitucionalmente

66 previstos”, o que constitui “uma natureza híbrida” no processo de acesso, que acaba por “negar esses mesmos direitos constitucionalmente consagrados aos visados pela produção de informações/investigações dos SIRP” (p. 17).

O Art. 26.º, n.º 1 da CRP estatui que “A todos são reconhecidos os direitos à liberdade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”, pelo que caberá à lei estabelecer “garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias” (n.º 2 do mesmo artigo).

Nesta égide importa referir ainda o Art. 34.º, n.º 1 da CRP, pela proteção da inviolabilidade do domicílio e do sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada, de forma a que é proibida “toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal” (n.º 4 do mesmo artigo).

Importa rever no domínio do Código Civil o seu Art. 70.º, que estabelece que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça à sua personalidade física ou moral” e o Art. 80.º – com a epígrafe “Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada” – estatui que: “1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem. 2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas”.