• Nenhum resultado encontrado

Os princípios regentes da atuação dos Serviços de Informações

III. DO SISTEMA DE INFORMAÇÕES DA REPÚBLICA

2. Os princípios regentes da atuação dos Serviços de Informações

Não podemos deixar de acompanhar a perceção transmitida por JORGE BACELAR GOUVEIA (2018) quando refere que “o Estado de Direito incorpora a atividade de produção de informações, bem como os organismos que as produzem, dentro da juridicidade pública, com tudo o que isso implica de fundamento e de limite à sua intervenção, serviços de informações que, a despeito do uso da palavra “secretos”, o não são porque só existem e agem dentro da juridicidade, e não fora dela”.

Neste sentido, conforme indica M.ª VILLALOBOS (2008, p. 1) “La expression

“servicios de inteligencia” ha cobrado relevancia en los Estados constitucionales, en detrimento de la tradicional “servicios secretos” (…) es la diferencia entre unos servicios de inteligencia democráticos y unos servicios secretos que constituyen un “Estado dentro del Estado” y que funcionan sin ajustarse a ningún tipo de control legal ni democrático, situándose al servicio del poder político establecido para el mantenimiento del mismo”89. A autora considera como fundamental o elemento democrático, na medida em que o constitucionalismo democrático limita as atuações dos poderes públicos porque as submetem a determinados controlos90.

S. BORAZ & T. BRUNEAU (2006, p. 28) informam acerca do necessário equilíbrio da atuação dos Serviços de Informações no quadro democrático:

89 A este propósito S. REIS & M. BOTELHO DA SILVA (2007, p.3) comentam que o termo “secretas” trata-

se de uma expressão “destituída de rigor”, uma vez que “a actuação dos Serviços de Informações se pauta hoje pela mais estrita legalidade”, tendo também em consideração que que são objeto de “um tipo de controlo e de regime de fiscalização excepcional”.

90 Nas suas palavras, “Pero junto al elemento constitucional, es fundamental el elemento democrático, de

manera que el constitucionalismo actual es democrático, o, dicho de outra manera, las Constituciones democráticas limitan las actuaciones de los poderes públicos porque las someten a controles” (p. 2).

50

“Democracy requires openness in the flow of information and discussion, while intelligence work often demands secrecy. Maintaining agencies to do such work in the midst of a generally open political culture is a challenge for any democracy. Democratizing or newly democratic countries, however, must deal with the even more arduous task of transforming intelligence bureaucracies that once served undemocratic regimes”.

Os Serviços de Informações desenvolvem uma ação discreta e silenciosa na prossecução das missões que estão legalmente incumbidos, pela representação da tutela do interesse nacional e a defesa dos valores constitucionalmente estabelecidos, a sua ratio91. Pelo quadro legal vigente, a atividade de produção de informações encontra o seu desenvolvimento acautelado por um conjunto de princípios de atuação que iremos discorrer seguidamente.

2.1. Princípio da Constitucionalidade e da Legalidade

Tal como refere JORGE BACELAR GOUVEIA (2018), “a atividade dos serviços de informações está sujeita ao escrupuloso respeito pela Constituição e pela lei, designadamente em matéria de proteção dos direitos fundamentais das pessoas, especialmente frente à utilização de dados informatizados”9293.

Este princípio encontra-se vigente pelo Art. 3.º, n.º 1 da LQSIRP, de forma que “Não podem ser desenvolvidas atividades de pesquisa, processamento e difusão de informações que envolvam ameaça ou ofensa aos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição e na lei”.

2.2. Princípio da Especialidade

91 RUI PEREIRA & ALICE FEITEIRA. – Serviços de Informações, 2015, p. 340.

92 v. Os princípios da Produção de Informações, in Direito da Segurança, 2018, p. 706; GOUVEIA, J. B. - Os

Serviços de Informações de Portugal: Organização e fiscalização, in Estudos de Direito e Segurança,

Almedina, 2007, pp. 181-182.

93 Atentar igualmente o estudo de MARIA CONCEPCION PEREZ VILLALOBOS - Derechos Fundamentales

51 Conforme continua o Professor JORGE BACELAR GOUVEIA (2018) “a atividade dos serviços de informações está limitada às suas atribuições, não podendo desenvolver-se em domínio que lhe não tenha sido concedido”94.

Este princípio encontra-se plasmado no Art. 3.º, n.º 3 da LQSIRP, quando estipula que “Cada serviço só pode desenvolver as atividades de pesquisa e tratamento das informações respeitantes às suas atribuições específicas, possam ter interesse para a consecução das finalidades do Sistema de Informações da República Portuguesa”.

2.3. Princípio da Restrição Funcional

Segundo JORGE BACELAR GOUVEIA (2018), “a atividade dos serviços de informações reduz-se ao seu estrito âmbito, não podendo a sua atividade confundir- se com a atividade própria de outros organismos, como no domínio da atividade dos tribunais ou da atividade policial”. Desta forma, o Art. 4.º, n.º 1 da LQSIRP estabelece que “Os funcionários ou agentes, civis ou militares, dos serviços de informações previstos na presente lei não podem exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades ou âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais”.

Conforme explanam SÓNIA REIS & MANUEL BOTELHO DA SILVA (2007), os Serviços de Informações não desempenham qualquer função policial nem intervêm no processo penal. Verifica-se, que não representam órgãos de polícia criminal para efeitos do Código de Processo Penal (CPP), uma vez que considerando a alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º desse diploma não se configuram como entidade ou agente policial. Por outro lado, também não assumem a qualidade de autoridade de polícia para qualquer outra finalidade, uma vez que o artigo 15.º da Lei de Segurança Interna não integra na sua lista referência ao SIED ou ao SIS, “o que redunda igualmente em impossibilidade de intervir no processo penal enquanto autoridade de

94 Pelo que, “Por força do princípio da especialidade, os serviços de informações não podem confundir-se com

a atividade que é protagonizada por outras funções, atividades e estruturas públicas, mesmo que de um modo geral concorram para a Segurança do Estado” - Cf. JORGE BACELAR GOUVEIA - Os Serviços de

52 polícia criminal a que a alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º CPP se refere”. Desta forma, afere-se que o impedimento de intervirem no âmbito do processo penal é ainda reafirmado pelo disposto no artigo 4.º da Lei Quadro do SIRP e nos n.os 2 e n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro.

A propósito da atuação dos sistemas de informações em democracia, J. CHITO RODRIGUES (2011) refere que “quando os serviços de informações que por lei servem o Estado, através dos governos legitimamente eleitos, para defesa do país e da própria democracia passam a servir as polícias, ainda que sob o pretexto da ameaça terrorista, estamos no limiar da perda dos direitos e garantias dos cidadãos. Estamos no limiar de doença grave da Democracia”, pelo que devemos acautelar cuidadosamente os limites da sua atuação.

2.4. Princípio da Exclusividade

O Princípio da Exclusividade é validado no sentido de que os Serviços de Informações prosseguem funções que não competem a mais nenhuma entidade pública, ou seja, da mesma forma que estão proibidos de exercer funções policiais ou intervirem no âmbito do processo penal - pois é atividade de competência dos OPC - a atividade de produção de informações é de única e exclusiva competência do SIRP. Conforme apontam SÓNIA REIS & BOTELHO DA SILVA (2007) através do princípio da exclusividade da atuação do SIRP, pretende-se evitar que os órgãos de polícia criminal possam “pré-selecionar alvos”. Caso assim não fosse, existia a possibilidade de o processo penal ser preferencialmente orientado contra estes alvos, sob violação do princípio da legalidade processual penal. Acompanhamos a opinião dos autores, quando defendem que, caso as informações fossem misturadas com a investigação criminal, fomentariam irremediavelmente uma “focagem preferencial em certos grupos ou indivíduos, por motivos discricionários ou políticos, permitindo que apenas estes sofram consequências penais das duas condutas”. Da mesma forma que este princípio “consubstancia o reverso da proibição de estes Serviços desempenharem funções policiais ou de investigação criminal, por defender valores similares”.

53 A LQSIRP vem estabelecer este princípio de atuação, quando no seu Art. 6.º estabelece que “É proibido que que outros serviços prossigam objetivos e atividades idênticos aos dos previstos da presente lei”.

Findada a exposição dos elementares princípios regentes da atuação do SIRP no âmbito da LQSIRP, JORGE BACELAR GOUVEIA (2018) expõe um conjunto de princípios garantidos na LOSIRP que não podemos deixar de fazer referência pela sua pertinência ao tema em abordagem. Deste logo, o princípio da juridicidade e do

interesse público (uma vez que “O SIED e o SIS estão exclusivamente ao serviço do

Estado e exercem as respetivas atribuições no respeito da Constituição e da lei, de acordo com as finalidades e objetivos do SIRP – cf. Art. 3.º, n.º 4); pelo princípio do

respeito pelos direitos fundamentais95, já que o Art. 6.º, n.º1 estabelece que “O Secretário-Geral, os membros do seu Gabinete e os funcionários e agentes do SIED, do SIS e das estruturas comuns não podem desenvolver atividades que envolvam ameaça ou ofensa aos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição e na lei”; por seu turno, é retomado o princípio da exclusividade, quando refere que “Aos membros do Gabinete e aos funcionários e agentes referidos no número anterior é vedado exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades do âmbito ou da competência específica dos tribunais, do Ministério Público ou das entidades com funções policiais” (Art. 6.º, n.º 2); o princípio do sigilo: “Toda a atividade de pesquisa, análise, interpretação, classificação e conservação de informações desenvolvida no âmbito do SIRP está sujeita ao dever de sigilo, nos termos definidos pela Lei-Quadro do SIRP (Art. 5.º, n.º 3); por último, é discorrido o princípio da não

publicidade de atos, já que, “Quando fundadas razões de segurança ou relacionadas

com a especificidade do serviço o justifiquem, podem os membros do Governo intervenientes determinar, referindo-o expressamente, a dispensa de publicação dos atos necessários à execução dos diplomas do SIRP” (cf. Art. 8.º).

95 Adianta ainda que “…é a afirmação de uma singular limitação protagonizada pela legislação dos serviços de

informações para não autorizar sequer quaisquer restrições legítimas ao exercício de direitos fundamentais dos cidadãos, colocando estes organismos numa posição de menor poder em relação a outros, que lidam com a aplicação de limitações a tais direitos, maxime os órgãos policiais e de investigação criminal” (p. 709).

54

IV. DA ATUAÇÃO DO SIRP E DO ACESSO AOS DADOS DE